Agora está mais claro o motivo que levou Fernando Segóvia, diretor geral da Polícia Federal, a tentar livrar Temer e ameaçar o delegado responsável pelo inquérito que investiga a suspeita de que o presidente recebeu propina para beneficiar a Rodrimar, empresa que atua no Porto de Santos. Dez dias antes do chefe da PF declarar que não há indício de crime contra Temer, os investigadores pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) o compartilhamento de informações de outro inquérito envolvendo as mesmas pessoas investigadas no inquérito atual. Rodrigo Rocha Loures, o homem da mala, e assessor de Temer, que foi flagrado em conversas com executivos da Rodrimar, também é investigado nos dois inquéritos.
O pedido de compartilhamento foi feito em 30 de janeiro e as declarações de Segóvia foram dadas em 9 de fevereiro, em entrevista à Reuters. No ofício ao STF, o delegado Wellington Santiago da Silva, responsável pelo Grupo de Inquérito do Supremo, solicitou ao ministro Marco Aurélio Mello o compartilhamento de informações de uma outra investigação, já arquivada em 2011, mas citada diversas vezes durante o presente inquérito. As declarações de Segóvia de que o inquérito seria arquivado por falta de provas tornaram-se altamente suspeitas exatamente por serem dadas logo depois do pedido feito ao STF. Ele percebeu que seus subordinados não iam parar.
Os investigadores, chefiados pelo delegado Cleyber Malta Lopes, querem acesso ao material para “fins de conhecimento das informações produzidas e eventual compartilhamento, uma vez que tais informações poderão auxiliar na compreensão das relações das pessoas investigadas” também no inquérito atual, sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. “Em especial possíveis atos ilícitos, vínculos com a Companhia Docas do Estado de São Paulo e também com a concessionária de exploração de terminais portuários, em Santos/SP”. O inquérito citava Temer e Marcelo Azeredo, ex-presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), que havia sido indicado com apoio do PMDB. Veja aqui mais detalhes sobre a atuação de Temer no Porto de Santos.
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) afirmou que, “independentemente da posição que ocupe na instituição, nenhum dirigente deve se manifestar sobre investigações em andamento. Seja para fazer observações sobre os elementos colhidos ou para antever conclusões, que são de atribuição exclusiva da autoridade policial que preside o inquérito policial”.
Delegados da Polícia Federal integrantes do Grupo de Inquéritos do Supremo Tribunal Federal, responsáveis pela investigação de pessoas com foro privilegiado, entregaram memorando ao diretor de combate ao crime organizado da Polícia Federal, Eugenio Ricas, afirmando que “não admitirão” qualquer interferência em seu trabalho.
“Em face dos recentes acontecimentos amplamente divulgados pela imprensa, os delegados integrantes deste Grupo de Inquéritos junto ao STF vêm a Vossa Excelência dar conhecimento de que, no exercício das atividades da Polícia Judiciária naquela Suprema Corte […], não admitirão, nos autos do inquérito 4621/STF ou em outro procedimento em trâmite nesta unidade, qualquer ato que atente contra a autonomia técnica e funcional de seus integrantes, assim como atos que descaracterizem a neutralidade político-partidária de nossas atuações”, dizem os delegados no documento, divulgado após o episódio.
“Nesse sentido, uma vez concretizadas ações que configurem tipos previstos no ordenamento penal – como prevaricação, advocacia administrativa, coação no curso do processo e obstrução de investigação de organização criminosa -, os fatos serão devidamente apresentados ao ministro relator, e pleiteadas as medidas cabíveis no código de processo penal”, afirmam.
O ministro Luiz Roberto Barroso repreendeu de público o diretor-geral da Polícia Federal e cobrou explicações sobre suas declarações. Por telefone, Segóvia tentou se explicar, dizendo que foi mal interpretado pela Reuters. Barroso não ficou satisfeito e intimou o delegado a comparecer ao STF para maiores esclarecimentos. As entidades de delegados e servidores da PF também estiveram reunidos com Segóvia e saíram da reunião dizendo que as explicações do diretor não foram suficientes.
Senador Randolfe pede afastamento de Segóvia
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também fez duras críticas ao diretor da PF, indicado por Temer. “Segóvia fala como se estivesse às ordens do Planalto – de Temer”, disse Randolfe, em seu twiter, acrescentando que “sua única finalidade é esta”. Em outras mensagens, o parlamentar também ironizou: “o Sr. Fernando Segóvia tem a mesma autoridade para isso quanto o rei momo tem sobre o destino da Grã Bretanha”.
“Não cabe e nunca caberá a um diretor geral da PF comentar uma investigação sob a responsabilidade dos delegados que a conduzem. Principalmente quando essa investigação envolve o chefe do DG/PF (o presidente da república) e está submetida à PGR e ao STF”, completou Randolfe. O senador ajuizou nesta quarta-feira (14/2) ação popular pedindo o afastamento do diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segóvia. Ele afirma que as declarações de Segóvia sobre a ausência de provas contra o presidente Michel Temer (MDB) são típicas de um advogado de defesa.
“Ao antecipar juízo valorativo sobre investigação que sequer foi finalizada, comportando-se como verdadeiro ‘advogado de defesa’ do Sr. Presidente da República, chegando ao despropósito de tentar intimidar o delegado que preside o inquérito em desfavor daquela alta autoridade, ameaçando-o de punição, o sr. diretor-geral inverte por completo o que dele institucionalmente se espera: blinda um investigado ilustre de suas responsabilidades e assedia um membro da instituição que tem por dever representar e zelar pelas funções”, argumenta o senador.