“Não há evidência de que a liderança do Hezbollah teve qualquer envolvimento no assassinato de Mr. Hariri e não há evidência direta do envolvimento sírio”, declarou o juiz David Re, na terça-feira (18) ao ler o veredito do Tribunal Especial para o Líbano criado pelo Conselho de Segurança da ONU para julgar os criminosos responsáveis pelo assassinato do primeiro-ministro libanês Rafik Hariri.
Um comboio, com Hariri em um dos carros, passava por uma avenida próxima ao porto de Beirute, no dia 14 de agosto de 2005, quando um caminhão com explosivos explodiu causando a morte de 22 pessoas incluindo o premiê e guarda-costas.
O governo sírio, que mantinha tropas no Líbano desde 1990, foi acusado por integrantes do governo norte-americano de estar à testa do atentado.
Imediatamente, teve início uma série de mobilizações, gigantescas para as dimensões do Libano, contra e a favor da permanência das forças sírias no Líbano. Diante dos protestos contra a presença síria, então comandados pelos seguidores de Hariri, o governo sírio decidiu retirar suas tropas do Líbano.
A Síria – que mediou o Acordo de Taif, o qual pacificou o Líbano depois de 15 anos de guerra civil (1975-1990), uma guerra que custou 120 mil vidas e deixou ainda 17 mil desaparecidos – atendeu ao convite de enviar tropas sírias para garantir a suspensão dos atos beligerantes no interior do Líbano.
Hariri, que já de algum tempo fazia campanha pela saída das tropas sírias, iniciava por aqueles dias entendimentos com o presidente sírio, Bashar Al Assad, para o estabelecimento de um cronograma de consenso para esta retirada.
Era, portanto, muito contraditório que o governo sírio tivesse qualquer interesse em causar a morte do premiê que buscava entendimentos com este vizinho.
Coincidentemente, assim que as tropas sírias se retiraram, mais precisamente em 12 de julho de 2006, forças israelenses invadiram o Líbano a pretexto de um ataque a suas tropas pelo Hezbollah.
Coube ao mesmo Hezbollah – cujo braço armado se configurou no prolongado esforço de guerrilha para expulsar Israel do sul do Líbano (1982 a 2000) – enfrentar a invasão, detê-la e revertê-la, desta vez em cerca de um mês.
O prestígio do Hezbollah continuou crescendo ao ponto de, em janeiro deste ano, ter indicado o primeiro-ministro, Hassan Diab, e 11 ministros para participar de um novo governo no Líbano, compromentido em recuperar o país afundado em dívidas e profundamente incapaz de ver atendidas as demandas básicas da população (em meio a apagões constantes e incapacidade até de coletar o lixo nas ruas de Beirute e manifestações pela demissão do premiê Saad Hariri, filho de Rafik).
O esforço de recuperação, inclusive via renegociação da dívida externa junto aos credores, com a suspensão do pagamento de suas parcelas, foi abruptamente interrompido exatamente no dia em que o Tribunal Especial para o Líbano deveria se pronunciar sobre cinco indiciados (todos com ligações com o Hezbollah) na morte de Rafik Hariri, dia 7 de agosto. Neste dia, uma nova explosão, desta vez de 2.750 toneladas de nitrato de amônio depositados no armazém 12 do porto de Beirute, causou mais de 160 mortes, 6 mil feridos e deixou 300 mil libaneses desabrigados.
Imediatamente, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, que não reconheceu o tribunal da ONU, deixou claro não haver qualquer envolvimento de seu partido com nenhum dos dois acontecimentos.
Em respeito às vítimas da bomba no porto de Beirute, o pronunciamento do veredito foi adiado para o dia 18 de agosto.
O TRIBUNAL E OS INDICIADOS
O Tribunal Especial para o Líbano foi criado em 2005 pelo Conselho de Segurança da ONU, atendendo a solicitação do governo libanês que passou a ser liderado pelo filho de Rafik, Saad Hariri.
Este tribunal que custou quase US$ 1 bilhão, metade deste custo pago pelo governo libanês, para se pronunciar após 15 anos. Foi instalado em 1º de março de 2009.
De 2011 a 2013, foram indiciados 5 libaneses como suspeitos do crime contra o premiê: Mustafa Badreddine, Salim Ayyash, Assad Sabra, Hussein Oneissi e Hassan Habib Merhi, todos filiados ao Hebollah, sendo que Badreddine, que era dirigente do Hezbollah, teria sido o arquiteto do atentado.
Badreddine veio a falecer em 2016, em combate contra os terroristas que invadiram a Síria, pois o Hezbollah, a pedido da Síria, enviou contingentes para apoiar a luta contra a invasão do país vizinho orquestrada pelos Estados Unidos.
O VEREDITO
Ao final de todo este tempo, o Tribunal chegou à conclusão de que não só o Hezbollah, nem a Síria têm qualquer comprovação de envolvimento com o assassinato de Hariri, como também não há provas contra 4 dos cinco acusados. Em especial, não foi encontrada nenhuma evidência de que Badreddine, como antes acusado, tivera participação e, muito menos, sido o mentor da fatídica operação.
Para a corte especial, apenas Salim Ayash teria, comprovadamente, participado na agressão, de acordo com ligações de seu celular, consideradas provas de seu envolvimento.
O veredito deixa no ar a pergunta que não quer calar: porque apontaram o dedo acusatório exatamente contra duas forças que resistem ao predomínio norte-americano/israelense na região se, afinal de contas, não há qualquer evidência deste envolvimento após 15 anos de investigações?
Em tempo: a família de Rafik Hariri declarou acatar o veredito.