HP nº 2816, 10/11/2009
Jubileu do Poeta e Presidente do Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB)
Eduardo de Oliveira é um dos mais notáveis homens nascidos neste país.
Não é um elogio. É um fato.
Todos aqueles que o conhecem admiram sua generosidade, sua luta de décadas contra o racismo e seu talento poético. Ninguém (exceto alguém que seja ninguém) pode deixar de perceber a sua grandeza. Mas, talvez, a sua simplicidade, a sua humildade de homem pobre, sensível ao sofrimento de todos os seres humanos, em suma, suas mais profundas qualidades humanas, tornem difícil a percepção de toda esta grandeza.
Este não é um problema dos grandes homens, antes é daqueles que convivem com a sua grandeza.
No entanto, Eduardo de Oliveira é o poeta que Tristão de Ataíde (Alceu de Amoroso Lima), um dos maiores críticos literários da história de nosso país, já na década de 60 do século passado, destacou como um dos três fundadores mundiais da negritude em literatura: “E a poesia, com um Aimé Cesaire, com um Senghor ou com um Eduardo de Oliveira (….) tem um papel decisivo a representar. Não apenas como instrumento de redenção, mas como voz da própria beleza eterna, inseparável da verdade e do bem, nos desígnios de Deus” (Tristão de Ataíde, 1966, cit. in Zilá Bernd, “Poesia Negra Brasileira”, AGE, Porto Alegre, 1992, pág. 58).
Uma vez, ao fim de uma conversa algo acidental com um autor que, sem dúvida, não está entre nossos preferidos, o historiador americano Thomas Skidmore, ouvimos dele: “Somente entendi o problema racial brasileiro quando conheci o professor Eduardo de Oliveira”. Não sabemos se Skidmore – que em 1974 publicou “Black Into White: Race and Nationality in Brazilian Thought” (“Preto No Branco: Raça e Nacionalidade no Pensamento Brasileiro”) – entendeu ou não o problema racial brasileiro, e até que ponto. Mas essa declaração nos pareceu muito mais digna de respeito do que algumas de suas tentativas “brazilianistas” de escrever a História do Brasil do ponto de vista dos EUA.
É este homem, poeta, combatente, presidente do Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB), que será homenageado no próximo dia 18, quarta-feira [18/11/2009]. Será o seu Jubileu literário – pelos 50 anos (na verdade, 51) da publicação de seu primeiro livro, “Além do Pó” – e a comemoração dos seus 83 anos de juventude, completados no último 6 de agosto.
“Além do Pó” apareceu numa data especial – 13 de maio de 1958. Com ele surgia o mais genuíno dos continuadores de Luiz Gama, na literatura, no combate, na inteligência e na grandeza de espírito.
Como já notaram não poucos comentaristas, Eduardo de Oliveira, ao resgatar o negro e sua ancestral herança africana, desbrava a vereda ainda mais ampla do reencontro de todos os seres humanos com suas raízes comuns. Para que o ser humano seja livre, é preciso que o negro seja resgatado da opressão, que sua história, sua arte e sua cultura sejam tiradas da invisibilidade. Porque, enquanto o homem negro não for livre, nenhum homem será livre.
Assim, em “Gestas Líricas da Negritude” (1967), o soneto que provê o título do livro tem por tercetos finais: “Eu seguirei feliz, de braços dados/ com meus irmãos dos cinco continentes…/ que a todos amam, porque são amados.// E quando se ama a Humanidade inteira,/ os ideais – por mais nobres, mais ardentes -/ irmanam-se numa única bandeira”.
No mesmo livro, há um dos poemas definitivos da literatura brasileira, “Voz Emudecida”, que começa com os versos: “Eu me levanto aqui/ na voz dos que não podem falar”.
Hoje, escolhemos “Banzo”, do livro de mesmo nome (1965), para homenageá-lo. Mas poderia ser outro poema de seus vários livros, entre eles, Ancoradouro (1960), Evangelho da Solidão (1969), Túnica de Ébano (1980), A Cólera dos Generosos (1988).
O poeta é, também, o autor da enciclopédia “Quem é Quem na Negritude Brasileira”.
(CARLOS LOPES)
Banzo
(Ao meu irmão Patrice Lumumba)
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
pendurado na noite do meu povo.
Trago em meu corpo a marca das chibatas
como rubros degraus feitos de carne
pelos quais as carretas do progresso
iam buscar as brenhas do futuro.
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
pendurado na noite do meu povo.
Eu vi nascer mil civilizações
erguidas pelos meus potentes braços;
mil chicotes abriram na minh’alma
um deserto de dor e de descrença
anunciando as tragédias de Lumumba.
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
pendurado na noite do meu povo.
Do fundo das senzalas de outros tempos
se levanta o clamor dos meus avós
que tiveram seus sonhos esmagados
sob o peso de cangas e libambos
amando, ao longe, o sol das liberdades.
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
pendurado na noite do meu povo.
Eu sinto a mesma angústia, o mesmo banzo
que encheram, tristes, os mares de outros séculos
por isto é que ainda escuto o som do jongo
que fazia dançar os mil mocambos…
e que ainda hoje percutem nestas plagas.
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
pendurado na noite do meu povo.
Balouça sobre mim, sinistro pêndulo
que marca as incertezas do futuro
enquanto que me atiram nas enxergas
aqueles que ainda ontem exploravam
o suor, o sangue nosso e a nossa força.
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
pendurado na noite do meu povo.
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
pendurado na noite do meu povo.
Eu vi nascer mil civilizações
erguidas pelos meus potentes braços;
mil chicotes abriram na minh’alma
um deserto de dor e de descrença
anunciando as tragédias de Lumumba.
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
pendurado na noite do meu povo.
Do fundo das senzalas de outros tempos
se levanta o clamor dos meus avós
que tiveram seus sonhos esmagados
sob o peso de cangas e libambos
amando, ao longe, o sol das liberdades.
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
pendurado na noite do meu povo.
Eu sinto a mesma angústia, o mesmo banzo
que encheram, tristes, os mares de outros séculos,
por isto é que ainda escuto o som do jongo
que fazia dançar os mil mocambos…
e que ainda hoje percutem nestas plagas.
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
pendurado na noite do meu povo.
Balouça sobre mim, sinistro pêndulo
que marca as incertezas do futuro
enquanto que me atiram nas enxergas
aqueles que ainda ontem exploravam
o suor, o sangue nosso e a nossa força.
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
pendurado na noite do meu povo.
(Banzo, 1965)