Reproduzimos nesta edição a reportagem feita pelo jornalista Carlos Mendes, do Blog Ver-o-Fato, ex-correspondente da Hora do Povo em Belém do Pará. Ele denuncia nesta excelente reportagem a atuação criminosa da multinacional norueguesa Hydra, fabricante de alumínio, que está poluindo impunemente as bacias hidrográficas da região do Mucuripi, no Pará.
Podres poderes no Pará: o vazamento das bacias de veneno da Hydro
Carlos Mendes
Não foi por falta de aviso e alerta às autoridades do Pará – governo do Estado, Defesa Civil e Ministério Público, tanto estadual quanto federal. As dezenas de comunidades do município de Barcarena vizinhas às bacias de rejeitos de alumina da multinacional norueguesa Norks Hydro, por meio do Ver-o-Fato, voltam a pedir socorro, temendo uma nova tragédia. Os fatos são gravíssimos.
Uma das bacias da empresa já apresentava vazamento desde a semana passada, agravado pelas fortes chuvas que têm caído na região, como publicado – inclusive com fotografias – pelo Ver-o-Fato. Na tentativa de ouvir o outro lado, como manda a regra do bom jornalismo, temos procurado contato com a Hydro para saber a versão dela, mas até agora não obtivemos sucesso. A Hydro se esconde atrás de seu poder econômico, que parece tudo inibir, comprar e calar, não atende e nem envia qualquer resposta.
Nesta manhã de sábado, os moradores quilombolas do Burajuba, uma das 60 comunidades impactadas pela poluição do ar e das águas causada pelos rejeitos da empresa, voltaram a acionar o Ver-o-Fato, detalhando novas ameaças, mais graves que as anteriores – autêntica tragédia anunciada que, apesar das denúncias, parece não sensibilizar autoridades com poder de evitá-la.
“O vazamento das bacias já contamina as comunidades, mas o pior é que os próprios funcionários da Hydro avisaram a gente, agora pela manhã, que se houver ou rompimento dessas bacias, nós, os moradores, teremos de sair às pressas de nossas casas, porque tudo ficará soterrado, sob escombros da lama vermelha”, relatou a líder do Burajubae presidente da associação Cainquiama, Maria do Socorro Costa da Silva, que por denunciar sistematicamente os crimes ambientais e sociais na região têm sofrido perseguições e ameaças de morte.
Segundo dona Socorro e outros moradores, a Defesa Civil deveria se deslocar com urgência de Belém ou de Abaetetuba para tomar ciência do que está ocorrendo e orientar as famílias sobre como agir em caso de rompimento das barragens, que têm 30 metros de altura. “Eu apelo também ao procurador da República, Bruno Valente, para que venha aqui inspecionar as bacias, porque a Hydro está calada e nada diz sobre o risco que estamos sofrendo”, acrescentou a líder quilombola.
A lama da morte
Vários moradores gravaram áudios e vídeos – veja acima, aqui no blogue – das ruas alagadas e do próprio rio Murucupi já invadido e contaminado pela lama vermelha das bacias da Hydro. “O ar aqui está irrespirável, a gente amanhece com falta de ar, passando mal”, denuncia um deles. Na residência da senhora conhecida por dona Maria, bem próximo de uma das bacias, a situação é desesperadora. A enchente inundou a casa dela, trazendo a lama vermelha e seus produtos químicos devastadores para a saúde humana.
Na comunidade de dona Maria, a Bom Futuro, vizinha à Burajuba, a situação é de medo e alerta. Imagens mostram a enchente e a coloração vermelha da água, proveniente das comportas das bacias abertas pela Hydro para aliviar a pressão e tentar evitar o rompimento. Os sacos de cimento colocados em locais onde o vazamento foi identificado não foram suficientes para deter a saída da lama vermelha para fora de uma das bacias.
“Estou mal, secando por dentro”, diz moradora vizinha à Bacia de Rejeitos da Hydra
Depoimento é dramático e denunciador, ao Ver-o-Fato, da senhora Maria Salustiana Cardoso, de 68 anos. A casa dela, na comunidade Bom Futuro, em Barcarena, fica localizada a menos de 40 metros de uma das bacias de rejeitos minerais da norueguesa Norks Hydro.
Na madrugada de ontem, ela foi acordada por uma chuva muito forte e entrou em pânico. A água havia entrado na residência e alagado tudo, causando-lhe prejuízos materiais. O que mais chamou a atenção dela, porém, foi a coloração da água. “Muito vermelha, parecia sangue”. Em outras áreas alagadas, a água tinha coloração branca.
Enquanto dona Maria Salustiana pedia a ajuda de vizinhos, também com suas casas inundadas, outro morador da área chegava com o alerta de que algumas bacias da Hydro haviam transbordado e vazado a lama vermelha, que passou a misturar-se com a água da chuva nas ruas alagadas.
Em entrevista ao Ver-o-Fato, ela conta o que aconteceu e denuncia estar sofrendo problemas de saúde:
– O que está havendo aí no Bom Futuro, dona Maria?
– Olhe, meu amigo, o que está acontecendo aqui é muito triste, é uma calamidade. Minha casa foi pro fundo. A água vermelha entrou por todos os cantos. O pessoal veio aqui pra ver e ficou com muito medo.
– E de onde vem essa água vermelha?
– O pessoal disse que vem do lado da Hydro. A bacia fica aqui pertinho da minha casa, encostada. Eu já morava aqui quando eles construíram isso e não tenho pra onde ir.
– Se é lama vermelha, misturada com água da chuva, ela está cheia de produtos perigosos, como chumbo, bário, soda caustica, etc. Infelizmente, a senhora vai ter que sair daí, para evitar mais problemas pra sua saúde.
– Eu já estou com problema faz tempo, meu amigo. A contaminação está por aqui e o pior é que nós estamos tomando água do poço, e essa água vermelha, que parece sangue, caiu no poço também.
– A senhora esta sentindo alguma coisa?
– Estou com uma ardência, uma queimação dentro de mim, principalmente no estômago. Tem horas que não posso nem almoçar ou comer alguma coisa, porque esse ardimento no meu estômago não deixa. Eu estou secando de uma hora para outra, por dentro, me sentindo mal.
– Alguém da prefeitura, do governo ou da Defesa Civil esteve na sua casa para verificar isso?
– Vieram um pessoal aqui, da prefeitura de Barcarena e da Defesa Civil. Eles tiraram fotos do meu poço. Todos nós aqui da comunidade estamos assustados, andando por dentro dessa água contaminada. É uma coceira pelo corpo e quem bebe água do poço pega essa ardência no estômago.
– O que esse pessoal da prefeitura fez além de bater fotos do poço?
– Nao sei. Eu chorei muito na hora de contar pra eles o que estamos sofrendo. Meu medo é amanhecer morta se houver outra enchente ou se essa bacia da Hydro romper aqui do lado de casa. Eu moro na rua Vasconcelos, bem no final.
Posição da Hydro
Segunda nota da empresa, ” não ocorreu qualquer anormalidade nos seus depósitos de resíduos sólidos, em Barcarena, neste sábado (17/02/2018). Apesar do volume de chuva excepcional que incidiu sobre a região entre os dias 16 e 17 de fevereiro, superior a 200 mm, em aproximadamente 12 horas, segundo registros da empresa Climatempo, não houve qualquer transtorno nos depósitos de resíduos sólidos da refinaria”.
“A água da chuva foi canalizada para as bacias de sedimentação e direcionada, posteriormente, para as estações de tratamento de efluentes industriais. Na Hydro Alunorte, toda precipitação pluviométrica é coletada e tratada antes de ser devolvida ao rio. O tratamento de água segue os critérios da Resolução nº 430/2011 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que inclui parâmetros de lançamento como: pH, temperatura, turbidez entre outros.
De fato, a incidência de chuva excepcional observada entre os dias 16 e 17 de fevereiro na área de Barcarena, ocasionou um volume extraordinário de água pelas ruas da cidade. Como grande parte dessas ruas não possuem pavimentação, a água ganha um tom avermelhado em função do tipo de solo característico da região. Esse mesmo volume de chuva pode ser percebido nas ruas internas da refinaria, o qual foi gradativamente absorvido pelas estações de tratamento de água da Hydro Alunorte.
Toda a água utilizada na refinaria Alunorte é tratada na sua própria instalação de tratamento de água antes de ser enviada ao rio. As análises de água da Hydro Alunorte em Barcarena são realizadas por laboratórios certificados pelo INMETRO e seguem valores de referência estabelecidos pelos Padrões Regulatórios Brasileiros sob “Especificação NBR 10004-2a Ed (31/05/2004) Anexo F). Conforme atestado pelo monitoramento, não existe qualquer ligação entre as atividades da Hydro Alunorte e uma suposta contaminação da água na área de Barcarena”.
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