A cerimônia de posse do novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, na quinta-feira, 10/09, foi marcada pelo alívio. Não se pode dizer que tenha sido euforia, mas ter um jurista na presidência do nosso mais superior tribunal é, no mínimo, um desafogo.
Pois a gestão anterior, de Dias Toffoli, foi, como registraram muitos, a mais desastrosa da história do STF. Dizia o velho Agripino Grieco que Ataulfo de Paiva, que foi ministro do Tribunal, tinha a cabeça tão vazia que alguém que comesse seu cérebro poderia comungar em seguida, sem a necessidade de confessar pecados.
Mas Ataulfo de Paiva jamais chegou a presidente do STF.
E o problema de Toffoli jamais foi a cabeça vazia, mas, exatamente, o que havia dentro dela.
Para resumir: a gestão de Toffoli, cuja experiência jurídica se limitava a ser advogado do PT e da Cut (depois, advogado-geral de Lula), foi, até hoje, de todas as presidências do Supremo, a mais eivada daquilo que Rui Barbosa chamou “prevaricação judiciária”, inclusive, o que é mais grave, despudoradamente a favor de Bolsonaro.
Nas palavras de Rui, que esclarecem o problema, apesar de escritas em 1899, portanto, há 121 anos:
“Não há tribunais, que bastem, para abrigar o direito, quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados. (…) Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz cobarde” (Rui Barbosa, “O justo e a justiça política”, Obras Completas, vol. XXVI, tomo IV, 1899, p. 185-191).
O ministro Luiz Fux é algo diferente. Pode-se discordar dele – como nós mesmos já o fizemos – porém, não é possível negar o seu conhecimento jurídico, como ressaltado, aliás, pela ministra Rosa Weber, próxima presidente do Supremo.
Fux abriu seu discurso de posse com uma homenagem às vítimas da pandemia de COVID-19 no Brasil:
“Essa página crítica e devastadora de nossa história, que ainda estamos a virar, torna imperativa uma reflexão sobre nossas vidas, nossos rumos e nossos laços de identidade nacional. Nenhum nome será esquecido. Pela memória e pela dignidade dos brasileiros que se foram, não desperdiçaremos a oportunidade de nos tornarmos pessoas mais nobres e solidárias e uma nação melhor para as presentes e futuras gerações”.
Em seguida, o novo presidente do STF abordou, não por acaso, o combate à corrupção e sua cristalização mais visível, a Operação Lava Jato – hoje sob ataque, conjunto e combinado, de Bolsonaro e do lulismo.
“Não mediremos esforços”, disse o novo presidente do STF em sua posse, “para o fortalecimento do combate à corrupção, que ainda circula de forma sombria em ambientes pouco republicanos em nosso País.
“Como no mito da caverna de Platão, a sociedade brasileira não aceita mais o retrocesso à escuridão e, nessa perspectiva, não admitiremos qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção.
“Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim qualquer condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do Direito.
“Não permitiremos que se obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou nos últimos anos, em razão das exitosas operações de combate à corrupção autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro, como ocorreu no Mensalão e tem ocorrido com a Lava Jato.
“Esses corruptos de ontem e de hoje é que são os verdadeiros responsáveis pela ausência de leitos nos hospitais, de saneamento e de saúde para a população carente, pela falta de merenda escolar para as crianças brasileiras e por impor ao pobre trabalhador brasileiro uma vida lindeira à sobrevivência biológica”.
Foi curioso observar Bolsonaro, algo perdido, enquanto o ministro Luiz Fux pronunciava o seu discurso com citações – aliás, apropriadas, isto é, não pedantes – de Platão, Luiz Gonzaga, Fernando Pessoa, Cora Coralina, Fagner, Khalil Gibran, da psicanálise e da família Gracie, criadora do jiu-jítsu, esporte que o novo presidente do STF pratica há 40 anos.
“Meu norte”, disse o ministro Fux sobre sua futura presidência, “será a lição mais elementar que aprendi ao longo de décadas no exercício da magistratura: a necessária deferência aos demais Poderes no âmbito de suas competências, combinada com a altivez e a vigilância na tutela das liberdades públicas e dos direitos fundamentais.
“Afinal, o mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência.
“Democracia não é silêncio, mas voz ativa; não é concordância forjada seguida de aplausos imerecidos, mas debate construtivo e com honestidade de propósitos”.
Depois de referir-se à sua mãe, Fux fez uma homenagem ao pai, imigrante romeno, que se opôs a que o filho mudasse para fora do Brasil:
“[Meu pai] pediu que aqui eu permanecesse, para devolver ao Brasil o acolhimento de seu exílio da perseguição nazista e para retribuir a educação gratuita que eu obtivera no meu querido Colégio Dom Pedro II e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro”.
Pelo menos algo está melhor no STF: o presidente daquele que já foi chamado “excelso pretório” parece gente.
Não é uma garantia de grandes triunfos para a Justiça, mas é um bom ponto de partida.
C.L.
LEIA A ÍNTEGRA DO DISCURSO DO NOVO PRESIDENTE DO STF