A escritora Alice Walker (que ficou conhecida pelo romance A Cor Púrpura) e o linguista Noam Chomsky classificaram o pedido de Trump para a extradição de Julian Assange como “o ataque mais perigoso à liberdade de imprensa em pelo menos uma geração”.
Em matéria para o The Independent da Inglaterra, eles denunciam as tentativas norte-americanas de fazer um espetáculo em torno de sua vida pessoal, para desviar o foco do julgamento político ao qual ele está sendo submetido.
“Na segunda-feira, Julian Assange foi levado a Old Bailey para continuar sua luta contra a extradição para os Estados Unidos, onde o governo Trump lançou o ataque mais perigoso à liberdade de imprensa em pelo menos uma geração, acusando-o de publicar documentos do governo dos EUA. Em meio à cobertura do processo, os críticos de Assange inevitavelmente comentaram sobre sua aparência, rumores de seu comportamento enquanto estava isolado na embaixada do Equador e outros detalhes obscenos”, escreveram no artigo do dia 9.
“Essas distrações previsíveis são emblemáticas do estado lamentável de nosso discurso político e cultural. Se Assange for extraditado para enfrentar acusações por praticar jornalismo e expor a má conduta do governo, as consequências para a liberdade de imprensa e o direito do público de saber serão catastróficas. No entanto, em vez de abordar seriamente os princípios importantes em jogo na acusação sem precedentes de Assange e nos 175 anos de prisão que ele enfrenta, muitos preferem se concentrar em perfis de personalidade inconsequentes”.
“Assange não está sendo julgado por andar de skate na embaixada do Equador, por tweetar, por chamar Hillary Clinton de falcão de guerra ou por ter uma barba desgrenhada quando foi preso pela polícia britânica. Assange enfrenta extradição para os Estados Unidos porque publicou evidências incontestáveis de crimes de guerra e abusos no Iraque e no Afeganistão, envergonhando governos da nação mais poderosa da Terra”.
“Ao desviar a atenção dos princípios do caso, a obsessão com a personalidade destaca a importância das revelações do WikiLeaks e até que ponto os governos ocultaram a má conduta de seus próprios cidadãos”.
O linguista e a escritora estadunidense, relembraram que os “posts de Assange em 2010 expuseram 15.000 vítimas civis anteriormente não contadas no Iraque, vítimas que o Exército dos EUA teria enterrado. E o fato de que os Estados Unidos estão tentando realizar o que os regimes repressivos só podem sonhar: decidir o que os jornalistas de todo o mundo podem e não podem escrever. Destacamos o fato de que todos os denunciantes e o próprio jornalismo, não apenas Assange, estão sendo julgados aqui”.
APOIO DE JORNALISTAS BRASILEIROS
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), publicou uma nota de apoio à Assange, afirmando que “ao longo dos anos, o Wikileaks colaborou com dezenas de jornalistas e veículos de imprensa, o que resultou em milhares de reportagens de interesse público universal. Entre os veículos que publicaram informações em conjunto com o Wikileaks estão o inglês The Guardian, o francês Le Monde, o americano The New York Times, o alemão Der Spiegel, o espanhol El País, e os brasileiros Folha de S.Paulo e O Globo”.
“A Abraji se une a outras instituições de defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão ao redor do mundo no clamor para que a Justiça do Reino Unido recuse o pedido de extradição de Julian Assange para os Estados Unidos”.
“Além de representar uma derrota para o direito de liberdade de expressão, a eventual extradição de Assange gera o efeito secundário de intimidar denunciantes de quaisquer países que tiverem acesso a informações sigilosas dos EUA, prejudicando a exposição de violações aos direitos humanos e crimes de guerra”.
HISTÓRICO
Julian Assange é alvo de um pedido de extradição feito pelos Estados Unidos ao Reino Unido. O julgamento do caso, que começou na semana passada e será retomado nesta segunda-feira (14), avalia a possibilidade do australiano ser processado nos Estados Unidos por espionagem e conspiração nos EUA. Ao todo, são 18 acusações, que podem se traduzir em uma pena de 175 anos.
Assange é fundador do WikiLeaks, site responsável pela publicação de milhares de documentos de interesse público, vazados por informantes de muitos governos e instituições. Entre eles estão diversos crimes de guerra cometidos pelo Exército norte-americano nas invasões ao Iraque e ao Afeganistão, provas de tortura e maus-tratos na prisão de Guantánamo, evidências de atividades ilegais em paraísos fiscais, espionagem de governos – inclusive de ditos aliados – bem como segredos de cultos religiosos.
A Abraji lembrou oportunamente em sua nota que a “maior parte das acusações contra Assange se refere à publicação de relatórios das forças armadas americanas em 2010, supostamente vazados pela ex-analista da inteligência militar norte-americana Chelsea Manning, os quais comprovaram milhares de mortes de civis nas guerras do Iraque e do Afeganistão, entre outros abusos de direitos humanos. Em 2013, Chelsea Manning foi condenada a 35 anos de prisão, mas voltou à liberdade em 2017, após ter a pena comutada pelo governo de Barack Obama”.
Assange enfrenta pedidos de extradição desde 2010. Na época, o ativista sofria uma acusação de estupro na Suécia, que se mostrou infundada e teve processos encerrados. Temendo que uma vez na Suécia, o país o deportasse para os Estados Unidos, Assange se exilou na embaixada do Equador em Londres, entre 2012 e 2019. Em 2019, depois de dois anos de tensão em volta do tema, por conta da troca de presidentes, o Equador autorizou a entrada da polícia britânica na embaixada para prender Assange. O motivo da prisão foi a recusa do ativista de se entregar para ser extraditado para a Suécia, ainda em 2012. Portanto, um argumento estapafúrdio, uma vez que a acusação original foi encerrada.
IRREGULARIDADES
A juíza Baraitser decidiu negar o pedido da defesa de Assange de adiamento da audiência para o próximo ano, em decorrência de os EUA terem entrado com uma segunda acusação substituta, fora de prazo, e depois que a defesa já entregara sua argumentação inicial.
Para o editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, a decisão foi “violação grosseira dos direitos de Assange”, já que “os americanos tiveram dez anos para preparar este caso. Os advogados de Julian estão trabalhando há um ano sob a [primeira] acusação. Lançar esta [segunda acusação substituta] no último minuto é um insulto absoluto aos tribunais do Reino Unido e a Julian e à justiça”.