Ele usaram 39 funcionários fantasmas que receberam R$ 29,5 milhões e repassaram parte dele para o operador Fabrício Queiroz. O destino final era o bolso dos três, Carlos, vereador, Flávio, deputado estadual e Jair, deputado federal
Levantamento feito pela revista Época sobre os pagamentos a funcionários dos gabinetes parlamentares da família Bolsonaro revelou um esquema criminoso de assalto aos cofres públicos de duas décadas de existência.
Os R$ 29,5 milhões desviados da Assembleia Legislativa do Rio, da Câmara de Vereadores da capital fluminense e da Câmara Federal desmascaram o falso discurso anticorrupção adotado por Bolsonaro a partir de 2018.
No total pago aos 286 funcionários que o presidente Jair Bolsonaro e seus três filhos mais velhos contrataram em seus gabinetes entre 1991 e 2019, 28% foi depositado na conta de servidores que efetivamente não trabalharam. Parte desse dinheiro roubado voltava para o bolso dos parlamentares através do arrecadador Fabrício Queiroz.
Ao menos 39 desses funcionários levantados pela revista eram fantasmas. Juntos, os 39 receberam um total de 16,7 milhões em salários brutos (o equivalente a R$ 29,5 milhões em valores corrigidos pela inflação do período) durante o período em que trabalharam com a família.
Este é o caso de Nathalia Queiroz, filha de Fabrício Queiroz, operador do esquema da lavagem de dinheiro montado no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Ela foi assessora na Alerj mas é conhecida entre atores e personalidades públicas por seu trabalho como personal trainer no Rio de Janeiro. Ela não frequentava a Alerj e, depois, passou a constar lotada no gabinete de Jair Bolsonaro em Brasília, onde nunca deu expediente.
Márcia Aguiar, mulher do Queiroz, que chegou a ter prisão decretada, era outra que participava do esquema de desvio de dinheiro público. Márcia se declarava cabeleireira em documentos do Judiciário em 2008. Cada uma das duas, Márcia e Nathalia, recebeu ao longo de uma década um total de R$ 1,3 milhão atualizados pela inflação, mas nunca tiveram crachá nem da Alerj e nem da Câmara Federal.
O levantamento faz o mapa da distribuição dos fantasmas em cada gabinete. No grupo de pessoas que constaram como assessores, 17 foram lotadas exclusivamente no gabinete de Flávio Bolsonaro, outros dez no de Carlos, ambos alvos de investigação do Ministério Público. No gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro, três funcionários constam na lista. Há, ainda, outros nove que passaram por vários gabinetes do clã, parte do modus operandi hoje apurado pelo MP.
A revista Época revela em seu estudo que a maior parte dos casos de fantasmas está na família de Ana Cristina Valle, ex-mulher de Jair Bolsonaro. A maioria é investigada pelo Ministério Público nos casos de Flávio ou no de Carlos. No caso dos 10 assessores de Flávio que são parentes de Ana Cristina, o MP descobriu que eles sacaram até 90% dos salários no período em que constaram como servidores, num total de R$ 4 milhões.
Andrea Siqueira Valle, irmã de Ana Cristina e ex-cunhada de Bolsonaro, é quem mais recebeu. Entre os gabinetes de Jair, Carlos e Flávio, Andrea somou 20 anos de cargos comissionados e recebeu em salário bruto R$ 1,2 milhão (R$ 2,25 milhões, corrigido pela inflação). Fisiculturista, ela mantinha uma rotina de malhação de duas a três vezes por dia na academia Physical Form. Nos intervalos, atuava como faxineira em residências e vivia em uma casa construída no fundo do terreno onde moram seus pais. Mas seguia trabalhando como faxineira e com grandes dificuldades financeiras.
Em seguida, surge, o veterinário Francisco Siqueira Guimarães Diniz, de 36 anos, primo de Ana Cristina. Ele tinha apenas 21 anos quando foi nomeado em 2003 e ficou lotado no gabinete de Flávio por 14 anos. Recebeu um total de R$ 1,2 milhão – R$ 1,95 milhão, corrigido pela inflação. Em 2005, ele começou a cursar a faculdade de Medicina Veterinária no Centro Universitário de Barra Mansa, cidade a 140 quilômetros do Rio e próxima a Resende.
O curso era integral e ele se formou em 2008. Em 2016, ele trabalhou para a H.G.VET Comércio de Produtos Agropecuários e Veterinários. Apesar de ter ficado mais de uma década nomeado, só teve crachá nos últimos dois meses em que esteve lotado, em 2017. Procurado, Diniz disse que trabalhou para Flávio, mas não recordava por quanto tempo.