“Se a política macroeconômica não for mudada, nós poderemos passar duas décadas estagnados”, alertam economistas
Em sessão plenária do Conselho Federal de Economia (Cofecon), José Luis Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) e Esther Dweck, do Instituto de Economia da UFRJ, criticaram a política fiscal e austera do governo Bolsonaro e apontaram que será preciso aumentar o investimento público para tirar o Brasil da recessão econômica.
O evento foi aberto pelo presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, que criticou o teto de gastos. Segundo ele, a emenda já em sua exposição de motivos trazia uma posição equivocada ao comparar o orçamento público ao orçamento familiar. “É exatamente o contrário, tendo em vista o papel histórico dos Estados nacionais frente às economias dos países relevantes, e especialmente diante da maior crise que, por acaso, é este momento que nós estamos vivendo”, ressaltou Lacerda.
No evento, realizado na sexta-feira (25), Oreiro afirmou, que embora a dívida pública não deva crescer sempre, não há limite para esse crescimento. Não existe um número determinado, a partir do qual o país vai entrar num buraco negro. Oreiro alertou que “se a política macroeconômica não for mudada, nós poderemos passar duas décadas estagnados”. A recessão de 2015/16, a estagnação verificada dos anos 2017/19 e a queda da economia projetada para 2020 representará uma perda de 11,96% do Produto Interno Bruto (PIB) em relação a 2014, estima.
Segundo projeções do economista, com um crescimento anual de 1%, em média, a economia brasileira voltará ao PIB de 2014 apenas em 2033. Em outra hipótese mais otimista, de 3%, apenas em 2024. Nesse caso, estagnação de “apenas” 10 anos. “Se for PIB per capita, é pior ainda”, disse Oreiro.
Na avaliação do economista, “a recuperação da atividade pós-pandemia exige o aumento do investimento público”, pois “a demanda privada continuará deprimida”.
“É muito pouco provável, para não dizer impossível, que a recuperação cíclica se dê por conta do investimento privado. Empresários investem para ajustar o tamanho da sua capacidade produtiva ao crescimento esperado das vendas”.
Com a utilização da capacidade produtiva abaixo de 76%, ou seja, “com esta capacidade ociosa, os empresários não têm nenhuma razão para investir. Uma recuperação puxada pelo investimento privado seria muito pouco provável, e com a crise do coronavírus a situação ficou ainda pior”, afirmou o economista.
Oreiro defendeu que para destravar o investimento público “é necessário que o ‘teto’ de gastos seja eliminado”. “Aquela ideia que acabou baseando a narrativa que levou à aprovação da emenda constitucional, que havia um desequilíbrio fiscal estrutural, isso simplesmente não era verdade”.
“A dívida bruta estava num patamar mais ou menos elevado, porém estável, e a dívida líquida estava num patamar próximo dos 30%. O Brasil não tinha problema fiscal antes da crise”, afirmou o professor da UnB. “A dívida começou a aumentar por conta da crise”, disse Oreiro, ao afirmar que o crescimento da dívida brasileira entre 2015 e 2017 se deu pela “queda do nível de atividade econômica que levou para a queda da arrecadação de impostos, que obviamente reduziu o resultado primário do governo geral, tanto União, estados e municípios”.
Além disto, Oreiro também apontou a política econômica do governo Dilma Rousseff como mais um dos fatores que elevaram a dívida pública brasileira. “2015 foi o ano que o Brasil fez tudo que não se deve ser feito no momento de uma recessão. Nós fizemos uma política fiscal contracionista, com o ministro Joaquim Levy (Fazenda) cortando 35% do investimento público em termos reais”. “Uma política fiscal contracionista, com o Banco Central elevando os juros até 14,25% ao ano. E por fim, um tarifaço, através do aumento de tarifas de energia e de combustíveis, que produziu uma enorme elevação da inflação”, explicou Oreiro.
Investimento público para acelerar o crescimento
A economista Esther Dweck destacou o papel do Estado durante a pandemia e no pós-Covid 19 e também defendeu investimentos públicos.
“Vínhamos com uma taxa de crescimento baixa e declinante, e isso era agravado por um aumento da desigualdade. O cenário pré-pandemia já era muito ruim. Metade dos estados brasileiros já tinham mais trabalhadores informais do que formais”, disse a economista, ressaltando que há 13,5 milhões de brasileiros vivendo na extrema pobreza.
Ao criticar o teto de gastos, Dweck argumentou que durante a pandemia ficou nítida a importância do papel do estado, destacando o Sistema Único de Saúde, o papel das universidades no combate à pandemia e a importância do investimento público e do saneamento. “O mundo caminha para que o papel do estado seja repensado, no sentido de ser fortalecido”.
Esther Dweck alertou que o governo brasileiro está na contramão do restante do mundo. “O governo no final de 2019, em novembro, tinha lançado um pacote de três PECs (Emendas à Constituição) que no fundo era uma proposta de destruição completa do Estado brasileiro”.
“A gente sabe que o ‘teto’ de gastos da maneira que ele se mostrou, ele já é um cavalo de Troia, mas ele por si só não trazia mudanças relevantes, exceto nas áreas de saúde e educação, mas ele exigia uma série de reformas posteriores e o Guedes no final de 2019 estava propondo essa reforma, que é o que ele chamava de quebrar piso, desvincular tudo”.
Para o presidente do Cofecon, “se não houver uma solução, vamos ficar escravos da recessão e da estagnação”. “Com esse tombo de 2020, o quadro se agravará. E a propalada retomada, a partir dos parâmetros atuais, dificilmente se realizará”, afirmou o professor e diretor da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda.
Lacerda também defendeu que a saída da crise passa pelo mesmo caminho do investimento público, que foi adotado pelos países tanto do G-20 como da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Todos têm ampliado seu déficit e a sua dívida. Não é porque eles querem, é uma contingência do momento”, disse Lacerda.
No final do evento, os debatedores foram questionados se esperam um crescimento em “V”, como vem alardeando Paulo Guedes.
“Eu não acredito”, respondeu Oreiro. “Quando se cai muito, qualquer crescimento em cima de uma base baixa parece espetacular, mas não será uma recuperação em V. O setor de serviços continua fortemente impactado. Parte significativa da recuperação deve-se ao auxílio emergencial, que neste mês será reduzido à metade, e os critérios até o fim do ano são mais duros. Várias empresas faliram. Para 2021, se não houver estímulos, vai ser um desastre inimaginável”.
Para Esther Dweck, “o símbolo da recuperação é uma raiz quadrada espelhada”. “Não só já estamos reduzindo os estímulos neste ano, mas voltaremos à política anterior depois de 31 de dezembro. É impossível manter o ritmo de recuperação e é preocupante o caos econômico e social que isso vai gerar. Precisamos do investimento público para acelerar o crescimento. Não adianta suspender o teto por um ou dois anos; quando ele voltar, os problemas voltam”, afirmou.