O governo federal mostrou descaso com a pandemia e desviou para outras finalidades os R$ 7,5 milhões doados pelo frigorífico Marfrig para testes do coronavírus
O governo federal desviou R$ 7,5 milhões doados pelo frigorífico Marfrig, um dos maiores frigoríficos de carne bovina do país, para o Ministério da Saúde, que deveriam ser destinados para a compra de testes para diagnóstico de Covid-19. O dinheiro foi parar num programa dirigido pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Entre outras coisas, o episódio revela que, pelo visto, não é só o Queiroz a fazer depósitos polpudos para a mulher do presidente.
No dia 23 de março, a Marfrig anunciou que doaria esse valor ao Ministério da Saúde para a compra de 100 mil testes para o novo coronavírus. Naquela altura, o Brasil enfrentava as primeiras semanas da pandemia e havia falta de testes para diagnóstico, enquanto a OMS (Organização das Nações Unidas) orientava que a testagem da população era fundamental para conter a pandemia.
O dinheiro que deveria acelerar os testes foi parar num outro programa, para atender a primeira-dama. As informações, que revelam a total falta de prioridade do governo Bolsonaro com o combate à pandemia, são do jornal Folha de S. Paulo.
A Marfrig chegou a dizer na época, um dia antes da doação, em 22 de março, que outras empresas deveriam seguir no mesmo exemplo para ajudar no combate à pandemia. O então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, informou que o governo tentaria firmar parcerias com a iniciativa privada para financiamento de parte das compras dos kits.
Esta era a ação mais importante naquele momento para conter o vírus, ou seja, testar, testar e testar, como dizia a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O Brasil foi um dos países do mundo que menos testou sua população. O diagnóstico da doença, segundo especialistas, é um procedimento decisivo para que o poder público possa tomar medidas de contenção da pandemia. Hoje o país amarga a segunda posição do mundo em número absoluto de mortos, perdendo apenas para os EUA.
Os testes possibilitam que os casos da doença sejam detectados precocemente e, desta forma, é possível se fazer o rastreamento de contatos e impedir propagação do vírus. Os testes servem também para a realização de busca ativa de casos em populações de risco. Além disso, os testes eram importantes para os estudos sorológicos na população.
A reportagem aponta que a doação foi feita no início da pandemia pela Marfrig com o intuito de acelerar a aquisição de testes para diagnóstico da Covid-19. Em julho, já de posse do dinheiro, o governo consultou a empresa para saber se era possível utilizar o dinheiro para outras finalidades. O dinheiro acabou indo parar no projeto Arrecadação Solidária, vinculado ao Pátria Voluntária de Michelle.
Segundo a Casa Civil, o dinheiro teria sido utilizado na compra de cestas básicas, mas não há nenhuma comprovação deste destino. O dinheiro público saiu sem edital, sem licitação e sem nada, para instituições evangélicas ligadas à ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).
A matéria ainda cita que parte do valor, cerca de R$ 230 mil, foi para a AMTB, uma ONG ligada à ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. A ONG é cadastrada em um endereço onde, segundo a reportagem, funcionaria um restaurante.
Duas outras organizações filiadas à AMTB também receberam verbas de doações sem que houvesse um edital público. O Instituto Missional, com R$ 391 mil, e o SIM (Serviço Integrado de Missões), com R$ 10 mil. A AMTB e o Missional foram as que receberam os maiores repasses até agora.
A deputada Perpétua Almeida, líder do PCdoB na Câmara, protestou contra a decisão do governo e anunciou que pedirá a investigação do caso. “Vamos pedir apuração imediata da denúncia de que R$ 7,5 milhões doados pelo frigorífico Marfrig para o Ministério da Saúde comprar testes de Covid-19 para a população, foram desviados para o programa Pátria Voluntária, liderado pela primeira-dama, Michelle”, disse a deputada.
A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência não respondeu sobre quais foram os critérios utilizados para estas entidades receberem os recursos e nem sobre a relação entre as ONGs. O deputado Marcelo Freixo, do PSOL fluminense, também definiu o caso como um “escândalo”. “Bolsonaro desviou R$ 7,5 milhões destinados a testes de Covid para o programa da sua esposa Michelle. Esse governo é genocida!”, denunciou o parlamentar fluminense.