Ao anunciar a encíclica ‘Fratelli Tutti’ (Todos Irmãos), que conclama à fraternidade e à superação do pensamento pobre, o papa Francisco citou o “Samba da Bênção” de Vinícius de Moraes: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”
“A especulação financeira com o lucro fácil como objetivo fundamental continua provocando estragos”, destacou o papa Francisco em sua nova encíclica “Fratelli Tutti” (Todos Irmãos), que foi divulgada neste domingo, na qual pediu o fim “do dogma neoliberal” e defendeu a fraternidade “com atos e não apenas com palavras”.
No documento de 84 páginas, escrito em espanhol, ressaltou que “o vírus do individualismo radical é o vírus mais difícil de derrotar”. Francisco disse que o neoliberalismo é um “pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas diante de qualquer desafio que se apresente”.
Em sua terceira encíclica, proferida no túmulo de São Francisco, seu santo preferido, em Assis (Itália central), o Papa insistiu nos temas sociais e se referiu a um mundo afetado pelas consequências da pandemia de coronavírus.
E disse que se inspirou em um dos mais conhecidos clérigos muçulmanos do mundo, o imã Ahmad Al-Tayyeb, ao escrever sua nova encíclica. Al Tayyeb é o imã da Mesquita de Al-Azhar e reitor da universidade de mesmo nome do Cairo, capital do Egito.
“Isto implica incluir as periferias. Quem vive nelas tem outro ponto de vista, vê aspectos da realidade que não se descobrem a partir dos centros de poder onde se tomam as decisões mais determinantes”, afirmou.
Francisco defendeu o direito de todo ser humano de viver “com dignidade e desenvolver-se plenamente” e sublinhou que a pandemia evidenciou a incapacidade dos dirigentes de atuar em conjunto em um mundo falsamente globalizado.
“A fragilidade dos sistemas mundiais diante das pandemias evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado”, constatou.
“É possível aceitar o desafio de sonhar e pensar em outra humanidade. É possível desejar um planeta que assegure terra, teto e trabalho para todos”, disse o pontífice.
“Vimos o que aconteceu com as pessoas mais velhas em alguns lugares do mundo por causa do coronavírus. Não tinham que morrer assim (…) cruelmente descartados”, lamentou o pontífice.
“Uma sociedade fraternal será aquela que conseguir promover a educação para o diálogo com o objetivo de derrotar o ‘vírus do individualismo radical’ e permitir que todos deem o melhor de si mesmos”, disse.
“O mundo de hoje é, em sua maioria, um mundo surdo”, avaliou, propondo uma reforma da Organização das Nações Unidas, e expressou que a dívida externa dos países “deve ser paga, mas sem prejuízo ao crescimento e subsistência dos países mais pobres”.
“Não é possível decretar uma ‘reconciliação geral’ com a pretensão de fechar por decreto as feridas ou cobrir as injustiças com um manto de esquecimento”, ressaltou Francisco, citando o Holocausto, os bombardeios em Hiroshima e Nagasaki, a perseguições, o tráfico de escravos e os massacres étnicos como exemplo, e mostrando que a humanidade deve fazer um esforço para resolver os problemas com diálogo e entendimento das várias partes.
No texto, o papa afirma que “muitos ateus cumprem melhor a vontade de Deus que muitos crentes”, em referencia aos políticos que se sentem “autorizados por sua fé a apoiar diversas formas de nacionalismos fechados e violentos, atitudes xenófobas, desprezos ou inclusive maus-tratos aos que são diferentes.” Vários observadores assinalaram como uma crítica ao governo dos Estados Unidos que, com Trump, tem radicalizado a sua política contra os imigrantes.