O Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) comemorou o recuo do governo João Doria (PSDB) que decidiu retirar as ameaças à autonomia universitária e o seu financiamento do Projeto de Lei 529/2020.
Há duas semanas, o PL 529/2020, que prevê uma política de arrocho fiscal de cerca de R$ 10 bilhões com vendas e extinções de empresas e autarquias, sofre repetidas derrotas no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). O projeto é de autoria da equipe econômica do governo paulista, chefiada por Henrique Meirelles.
Nas disposições transitórias, o projeto afetaria diretamente o planejamento e a gestão das universidades estaduais paulistas e da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) ao determinar a transferência do pretenso “superávit financeiro” de 2019, registrado no balanço patrimonial, “para o pagamento de aposentadorias e pensões do Regime Próprio de Previdência Social do Estado”.
Para tentar viabilizar a votação, a base governista na Alesp prometeu retirar ao menos três trechos da proposta do pacote fiscal, que está há cerca de duas semanas travada no plenário da Casa.
O líder do governo, deputado Carlão Pignatari (PSDB), se comprometeu em destacar do projeto a extinção de quatro entidades, as novas regras do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), e um artigo que obrigaria universidades estaduais e a Fapesp a repassar seus superávits financeiros em 2019 à conta única do Tesouro estadual.
Com isso, serão poupadas da extinção a Fundação para o Remédio Popular (Furp), a Fundação Oncocentro (Fosp), o Instituto de Medicina Social e de Criminologia (Imesc) e a Fundação Instituto de Terras (Itesp). A exclusão das regras só deve ser garantida após o término da votação. Todos os itens devem entrar de forma separada no roteiro de votação do projeto, segundo Pignatari.
O Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) divulgou uma nota na qual comemorou o compromisso do governo em retirar o trecho que trava do repasse de superávits ao Tesouro.
O impacto era calculado em até R$ 1 bilhão nas contas das universidades e da Fapesp. “Felizmente, vários parlamentares e lideranças da sociedade civil sensibilizaram-se com os argumentos do Cruesp e da comunidade acadêmica e manifestaram apoio intransigente à autonomia universitária”, diz a nota dos reitores.
Na prática, a base do governo criou uma exceção para as quatro entidades e também para três fundos ligados à segurança pública (Caixa Beneficente da Polícia Militar, Fundo Especial de Despesa da PM e Fundo Estadual de Segurança Contra Incêndios e Emergências), que foram dispensados de fazer a transferência de recurso. No entanto, a regra está mantida para as demais autarquias, fundações e fundos estaduais.
O acordo se deu com o compromisso de retirar a extinção de quatro entidades e as regras do ITCMD foi costurado entre a base do governo e a deputada Janaína Paschoal (PSL).
O pacote, no entanto, ainda permitiria extinguir outras cinco estatais: Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), Fundação Parque Zoológico e Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp).
O coletivo Cientistas Engajados também comemorou. “O governo de SP não conseguiu passar o #PL529 que retira o dinheiro da pesquisa e fecha institutos e empresas públicas!”, escreveu nas redes sociais a fundadora do movimento Mariana Moura.
Para ela, o governo está tendo de recuar, admitindo retirar do texto as Universidades Estaduais (USP, Unicamp e Unesp) e a Fapesp, que terão seus fundos especiais confiscados, a Furp, Fosp, Itesp e o Imesc, que o governador pretende extinguir por meio do seu projeto.
“Como tínhamos advertido ao governo, este projeto é um tiro no pé. Retira a capacidade do Estado de lidar com a pandemia, de retomar o crescimento econômico e atender a população. Vamos manter a pressão para assegurar a existência do Instituto Florestal, do CDHU e da EMTU“, escreveu Mariana.
DISCUSSÃO NO PLENÁRIO
Para impedir que os parlamentares debatessem o projeto, o presidente da Assembleia, Cauê Macris (PSDB), guardou o PL por alguns dias e o colocou em pauta perto do fim do prazo para discussão. E em resposta a obstruções na chamada das comissões para avaliar o texto, o governista nomeou um relator especial, Alex de Madureira (PSD), conforme acertado com o Palácio dos Bandeirantes.
“Seu relatório não acolheu nenhuma das 630 emendas apresentadas pelos parlamentares, apesar do curto prazo. Tampouco convocou audiência para ouvir a população”, disse a deputada Márcia Lia (PT).
Mesmo com os recuos, o governo sofreu seguidas derrotas ao tentar colocar o ajuste fiscal em votação. A base governista não conseguiu o quórum mínimo de deputados em plenário para dar início à sessão, pois deputados contrários ao projeto tem se negado a marcar presença para obstruir a votação.
O deputado Tenente Coimbra (PSL) chegou a assinar a lista de presença, mas pediu a retirada do seu nome, deixando o governo com apenas um parlamentar a menos em relação ao mínimo necessário.
A oposição classificou a proposta acertada com Janaína Paschoal (PSL) como “entreguista” pois falava no plenário em aprovar o projeto com as mudanças. O texto ainda mantém trechos que desagradam esquerda e direita na Alesp. Entre eles estão as regras de redução dos benefícios fiscais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que têm sido criticadas por deputados da direita. Um trecho do projeto equipara alíquotas do ICMS abaixo de 18% a benefício fiscal.
Parlamentares do Novo, do PSL e da bancada da bala tem alertado para o risco de isso acarretar aumentos de cobrança na cesta básica e remédios. Doria já se compromete publicamente a não aumentar a cobrança de impostos desses produtos.
SENADORES CONTRA O PROJETO
Nesta semana, os senadores Mara Gabrilli e Major Olimpio utilizaram as redes sociais para manifestar desaprovação ao Projeto de Lei 529.
Para as autoridades, a proposta afetaria “áreas vitais” do desenvolvimento científico capitaneado pelas instituições paulistas.