Para ex-ministro da Saúde, defesa do protocolo da cloroquina por Bolsonaro era “muito bem arquitetado para uso político”
O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM) afirmou durante entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que Jair Bolsonaro minimizou a pandemia de Covid-19 não por despreparo, mas numa “decisão consciente” de colocar vidas em risco.
“Não acho que seja despreparo, acho que foi uma decisão consciente, sabendo dos números, apostando num ponto futuro (…) Ele se abraçou na tese da economia, já para ter uma vacina para ele e falar: ‘a economia vai recuperar, fui eu que recuperei, não deixei’. Ele fez uma opção política consciente que colocava em risco a vida das pessoas. Isso foi consciente da parte dele, não tenha dúvidas”
Mandetta afirmou durante a entrevista que Bolsonaro estava ciente, desde março, que o coronavírus poderia matar 180 mil pessoas. Sete meses depois o Brasil já passou dos 150 mil óbitos causados pela Covid-19.
De acordo com o ex-ministro, foi apresentado para Bolsonaro e ministros do governo “cenários para todos os gostos” e o presidente escolheu o que mais lhe agradava. Mandetta acrescentou neste momento que o protocolo para uso da hidroxicloroquina era “muito bem arquitetado para uso político”.
“Joga cloroquina, começa a chamar de vírus chinês, fala que a culpa é da China. Então não dá para falar da China, fala que é da OMS. Passou o Ministério da Saúde a ser o elemento de raiva, esse é o cara que traz a notícia ruim, fala o que não quero ouvir. Tanto que eles trocam o ministro e uma das primeiras coisas que o ministro militar chega e fala e que não vai mais dar números”, disse o ex-ministro da Saúde.
Mandetta afirmou que houve polarização entre a perda econômica e a questão sanitária, com influência do ministro da Economia, Paulo Guedes, para que a Saúde fosse secundarizada. “O presidente falou: ‘Eu prefiro atender a econômica porque acho que é mais importante que atender a saúde’”, disse o ex-ministro sobre declaração de Bolsonaro.
Mandetta então criticou a criação desse “falso dilema” entre saúde e economia, e afirmou que Paulo Guedes restringia seus pensamentos aos “números” da área econômica, sem pensar nas outras pastas. “Não sei como ele apresentava ao presidente as consequências”, completou o ex-ministro.
O ex-ministro afirmou que no início da pandemia, com o fechamento de fábricas brasileiras com capacidade de produzir respiradores, a Saúde encontrou dificuldades em adquirir os aparelhos já que no resto mundo estava difícil conseguir os equipamentos.
“Eu precisava que entendessem o contexto da doença para somar esforços e falarmos: ‘quando tivermos todas as armas, aí vamos começar a falar da atividade econômica’. Mas era muito difícil. Ele [Guedes] olhava muito para si, muito para dentro de seu próprio ministério, e o grau de influência om o presidente… ele devia chegar no presidente e falar: ‘Esse ministro da Saúde vai parar o Brasil, o mundo vai acabar, vai ter desemprego, gente na rua, quebra quebra. Ele deve ter sido de grande influência para o presidente tomar aquelas atitudes”.
Mandetta ainda declarou que foi obrigado a trocar de corpo técnico por determinações superiores e políticas. Segundo ele, para viabilizar qualquer uma dessas as partes é preciso ter “articulação política e conhecer Brasília”, mas que “em política e técnica você tem seu limite”.
A relação com o presidente, no entanto, foi se desgastando ao longo dos meses de pandemia e que Bolsonaro concordava com suas sugestões quando estavam em reunião e, logo depois, “fazia o contrário”.
“Ele tinha um entorno paralelo, não se pautava no Ministério da Saúde ou os ministros do campo militar. Ele se pautava pela internet, esse mundo virtual. Não era se eu iria sair, era quando eu iria sair”.