As declarações do líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), que atacou a Constituição de 88 e defendeu a convocação de um plebiscito para decidir pela composição de uma nova Assembleia Nacional Constituinte, causou reações indignadas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de juristas e parlamentares.
“Eu defendo uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Devemos fazer um plebiscito como fez o Chile para que possamos refazer a carta magna e escrever lá muitas vezes a palavra ‘deveres’, porque nossa Constituição fala pouco em deveres e muito em direitos”, disse Barros.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, rebateu Ricardo Barros (PP-PR).
“A situação do Chile é completamente diferente da do Brasil. Aqui, o marco final do nosso processo de redemocratização foi a aprovação da nossa Constituição em 1988. No Chile, deixaram esta ferida aberta até hoje”, disse.
Ao falar por videoconferência em um evento da Academia Brasileira de Direito Constitucional, na manhã de segunda-feira (26), Barros reclamou que a nova Constituição dá muitos direitos, é muito “fiscalizadora” e dá poucos deveres. Segundo ele, é preciso dar mais deveres aos cidadãos, como se já não houvesse bastante.
Ainda de acordo com líder de Bolsonaro, a Constituição dele deve reequilibrar os poderes, diminuindo as possibilidades do suposto ativismo político do Poder Judiciário e responsabilidades dos agentes de fiscalização do Estado, fiscais da Receita, agentes da Controladoria Geral da União e membros do Ministério Público.
Em outras palavras, o líder do governo quer surfar no plebiscito do Chile exatamente para adotar no Brasil uma Constituição semelhante à pinochetista, que foi rejeitada agora pelos chilenos. A nossa Constituição de 88 enterrou a ditadura e restituiu direitos que foram retirados dos brasileiros.
O ex- juiz e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, rebateu a fala de Ricardo Barros e declarou que “o que dificultou a governabilidade do Brasil nos últimos anos foi a corrupção desenfreada e a irresponsabilidade fiscal, não a Constituição de 1988 nem a Justiça ou o MP”.
Em uma Nota Pública, a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) repudiou a fala do líder do governo na Câmara, afirmando ver “com preocupação declarações que atacam a Constituição Federal, o Poder Judiciário e os direitos e garantias que fundamentam o Estado de Direito”.
“O intento de conduzir medidas fora do estabelecido pela Constituição denota a intenção de cercear a autonomia e a independência dos membros do Judiciário para a fiscalização e a aplicação da lei. Em momentos de crise, os princípios fundamentais da República devem ser preservados, como a pluralidade política, a separação harmônica entre os Poderes e as prerrogativas dos integrantes do sistema de Justiça”, diz o texto. Segundo os magistrados, “não há solução para crises fora da ordem constitucional”.
A Constituição Cidadã, assim chamada a Constituição Federal de 1988 por consagrar o retorno do Brasil à democracia, completou 32 anos no último dia 5 de outubro. Porém, de acordo com o líder do governo, a atual Carta Magna tornou o país “ingovernável”.
O juiz federal e ex-presidente da Ajufe, Fernando Mendes, também se manifestou: “Quem defende a necessidade de uma nova Constituição em razão do plebiscito que ocorreu no Chile precisa estudar um pouco de história. Tudo o que não precisamos é de uma nova Constituição.”
Outros parlamentares também reagiram às declarações do líder de Bolsonaro e criticaram a fala do deputado nas redes sociais.
“Ricardo Barros, líder do governo, quer uma outra Constituição. Sou contra. O exemplo do Chile não nos serve. Lá, evoluíram da ditadura para a democracia. E aqui? Será que querem o contrário? Sou contra. Viva a Constituição cidadã de 1988!”, escreveu o deputado Fábio Trad (PSD/MS).
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Velloso, afirmou a O Antagonista que “plebiscito, agora, no Brasil seria simplesmente golpe de Estado”.
Para o ex-ministro do STF, a comparação com o Chile, que rejeitou a Constituição do ditador Pinochet e fará uma nova Constituição, não faz sentido.
“No Chile, justificava-se o plebiscito, pois tinha-se uma Constituição do tempo da ditadura de Pinochet. A Constituição brasileira de 1988 veio justamente na democratização do Brasil. O Chile, com o plebiscito, está fazendo o que o Brasil fez em 1987/1988, pacificamente, de forma democrática”, disse.