Parlamentares já entraram com Projeto de Decreto Legislativo para sustar o ataque do governo à saúde pública
Não satisfeito em sabotar a luta contra a Covid-19 e se recusar até mesmo a comprar a vacina que está sendo testada contra o vírus que já matou mais de 158 mil pessoas, Bolsonaro baixou o decreto 10.350, publicado no Diário Oficial da União (DOU) da última terça-feira (27), autorizando estudos para privatizar as Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Ou seja, Bolsonaro quer vender o SUS (Sistema Único de Saúde).
DECRETO É PARA VENDER O SUS
O texto do decreto diz que “fica qualificada, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência da República a política de fomento ao setor de atenção primária à saúde, para fins de elaboração de estudos de alternativas de parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a operação de Unidades Básicas de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios”.
A medida aprofunda os ataques ao SUS, que já sofre com a substituição da gestão pública pelas chamadas “Organizações Sociais”, entidades privadas que recebem verbas públicas, muitas delas envolvidas em escândalos de corrupção em plena pandemia.
Mais uma vez Bolsonaro atropela o Ministério da Saúde. O órgão não foi nem ouvido sobre o assunto. Ele foi excluído das tratativas. Quem assina o decreto é o presidente da República e seu ministro da Economia, Paulo Guedes.
TRANSFORMAR UBS EM “UNIDADES DE NEGÓCIO”
O ministro Paulo Guedes não esconde sua intenção de transformar postos de saúde em “modelos de negócios” com vistas à obtenção de lucro. Veja o que diz esse trecho do decreto: “Caberá ao PPI coordenar os esforços e auxiliar na interação com os demais agentes em busca da construção de modelos de negócios, mas a condução da política pública será realizada pelo Ministério da Saúde”, afirma o Ministério da Economia.
O trecho deixa mais claro ainda que os lucros desses “modelos de negócios” que Guedes quer criar, serão obtidos com a garantia de recebimento de verbas públicas. Isto é o que significa a frase “a condução da política pública será realizada pelo Ministério da Saúde”.
Ao todo o Brasil tem 44 mil UBS. As UBS são a porta de entrada do Sistema Único de Saúde, fazendo o atendimento primário do paciente, como acompanhamento de doenças crônicas para evitar que a pessoa desenvolva algo grave, campanhas de vacinação, vigilância epidemiológica para controle das epidemias, distribuição de medicamentos, orientações em saúde, primeiro atendimento de pequenas urgências, etc. Elas são instaladas nos bairros, próximas às casas das pessoas.
UBS SÃO O CORAÇÃO DO SUS
“É o coração do SUS, é o diferencial na Estratégia Saúde da Família. Ela tem atendimento multiprofissional e acompanha a evolução dos pacientes por toda a atenção primária”, diz a presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Gulnar Azevedo.
“Cerca de 90% do atendimento da atenção primária é feita pelo setor público. Esse decreto abre as portas do SUS para a entrada do setor privado, para planos de saúde”, diz Azevedo, que lembrou o papel do SUS na contenção da pandemia do novo coronavírus.
Privatizar Unidades Básicas de Saúde significa que a população terá que pagar por qualquer atendimento, pelas consultas, pelas cirurgias, pelas vacinas, pelos medicamentos. Significa, em suma, o fim do SUS, uma conquista de mais de 30 anos do povo brasileiro.
Esta é a intenção de Bolsonaro. Ele não está satisfeito apenas em cortar as verbas, perseguir servidores da saúde e estrangular hospitais, como fez com o Hospital de Bonsucesso, no Rio, que pegou fogo na terça-feira (27), ele quer vender os hospitais públicos e os postos de saúde.
REAÇÃO FORTE CONTRA PRIVATIZAÇÃO
No Congresso Nacional, a reação ao decreto foi imediata com vários parlamentares ingressando com projetos de decreto legislativo para sustar mais esse ataque à saúde pública. O líder da oposição no Senado, senador Randolfe Rodrigues (Rede), disse que se trata de um “desatino”. “Isso é um absurdo, especialmente agora, quando o SUS é a principal ferramenta de combate à pandemia, principalmente [servindo] às pessoas mais necessitadas! Iremos apresentar um PDL para sustar esse decreto!”, anunciou.
Carlos Eduardo Lula, secretário de Saúde do Maranhão, e presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), afirmou nesta quarta-feira (28) que já está em Brasília para reunião extraordinária da entidade e denunciou a intenção do governo de privatizar o SUS. “O Decreto nº 10.530, que tem por objetivo privatizar a atenção primária em saúde, será tema de debate. Não permitiremos nenhum retrocesso ao SUS”, disse ele em sua rede social.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que Bolsonaro “ataca frontalmente o SUS, um patrimônio reconhecido e aplaudido todos os dias, sobretudo nessa pandemia”. “Salvou milhões de vida, atende milhões de pessoas não só na atenção primária, mas nos hospitais e nas UTIs com profissionais de saúde na linha de frente arriscando suas vidas”, afirmou. Segundo ela, “o governo tem o SUS como inimigo, vem golpeando o sistema com asfixia financeira, sem manutenção, demissão de funcionários, cancelamento de recursos, inclusive na pandemia e, para 2021, o orçamento está menor”.
“SUS É CONQUISTA CIVILIZATÓRIA”, DIZ ORLANDO SILVA
O ex-governador Ciro Gomes (PDT) denunciou a sanha privatista do governo que não perdoa nem os postos de saúde. “Na pior crise de saúde da história, este irresponsável quer gerar negociata para seus parceiros. Qualquer empresário pode criar um posto de saúde e vender serviços. O que ele planeja (negociata) é pagar direitos constitucionais do povo com dinheiro público!”, enfatizou.
O deputado Orlando Silva (PCdoB), candidato a prefeito de São Paulo, afirmou, também nesta quarta-feira (28), que “o SUS é uma conquista civilizatória do Brasil, responsável direto por salvar milhões de vidas”. “Chega a ser inacreditável que, mesmo com a pandemia, Bolsonaro planeje privatizá-lo. Tire as mãos do SUS, Bolsonaro Genocida!”, advertiu Orlando.
O presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, se manifestou na última terça-feira contra o decreto. “Nós não aceitaremos a arbitrariedade do presidente da República”, afirmou.
Pigatto informou que o projeto está sendo encaminhado para a Câmara Técnica da Atenção Básica (CTAB), que está estudando o decreto para elaborar um parecer formal e tomar as providências legais. “O que precisamos é fortalecer o Sistema Único de Saúde”, frisou. (veja matéria nesta edição)
O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder do PSB na Câmara, também criticou o decreto de privatização do SUS. “Lutarei contra qualquer tentativa de privatizar o SUS, contra qualquer ataque à saúde pública. Nesta pandemia, o Sistema Único de Saúde mostrou-se vital para a esmagadora maioria da população brasileira. Não podemos abrir mão dele! Pelo acesso universal à saúde, #DefendaoSUS!”, disse Molon em sua rede social.
O deputado Marcelo Freixo, do Psol-RJ, afirmou que, junto com outros deputados, apresentou um Projeto de Decreto Legislativo que suspende o decreto de Bolsonaro sobre a privatização de unidades básicas de saúde. “Estamos na luta por uma Saúde Pública de qualidade a todos!”, disse ele.
Para o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho, “Bolsonaro está destruindo o Estado brasileiro”. “Como se não bastassem as 157 mil mortes, ele agora quer acabar com o guardião da saúde dos brasileiros que é o SUS. Ele quer privatizar até o trabalho dos agentes comunitários. É hora de reagir!”, protestou.
A deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA), vice-líder da minoria na Câmara, foi uma das autoras de um PDL (projeto de decreto legislativo). “O que o governo quer de fato é privatizar todo o sistema de saúde público brasileiro, pois as UBSs são as portas de entrada do SUS. Trata-se de uma medida que seria impensável num momento de pandemia, onde o SUS se demonstrou vital para cuidar da saúde dos brasileiros”, afirmou.
GOVERNO TENTA JUSTIFICAR
Diante da repercussão negativa da proposta de vender os postos de saúde, o governo tentou desconversar sobre suas reais intenções. “A medida não representa qualquer decisão prévia, pois os estudos técnicos podem oferecer opções variadas de tratamento da questão, que futuramente serão analisados pelo Governo Federal”, diz a nota divulgada pela secretaria-geral da Presidência da República.
A nota do governo, ao invés de reduzir as críticas, teve efeito contrário. Ela explica que o decreto, assinado por Bolsonaro na segunda (26) e publicado no Diário Oficial da União na terça (27), apenas oficializa a “concordância” do presidente da República com a proposta aprovada ano passado pelo Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) – colegiado que toma as decisões sobre privatizações federais.
A nota diz ainda que “podem ser estudados arranjos que envolvam a infraestrutura, os serviços médicos e os serviços de apoio, de forma isolada ou integrada, sob a gestão de um único prestador de serviços”. Ou seja, o que eles querem dizer é que o SUS poderá ser vendido inteiro ou aos pedaços.
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