Raul Jungmann, ex-Ministro da Defesa, que foi deslocado nesta terça-feira (27) para chefiar o recém-criado Ministério Extraordinário da Segurança Pública, demitiu o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia. Em seu lugar, Jungmann nomeou Rogério Galloro, atual Secretário Nacional de Justiça. A demissão de Segovia, que permaneceu três meses no cargo, foi assinada e comunicada a ele no mesmo dia da posse do novo ministro.
Indicado pela banda do PMDB que anunciou a necessidade urgente de “estancar a sangria” [da Lava Jato], Segovia, logo na entrevista de posse, apresentou o seu cartão de visitas. Disse, para espanto de todos, que “uma mala apenas [com 500 mil reais em propina] não era suficiente para se chegar à conclusão se houve ou não crime de corrupção”. A afirmação era uma referência ao flagrante que a Polícia Federal tinha acabado de dar – através de um operação controlada – no auxiliar de Temer, Rodrigo Rocha Loures. Ele foi filmado correndo com uma mala abarrotada de propina pelas ruas de São Paulo, após sair de um jantar com executivos da JBS.
O escândalo da mala de Loures ocorreu logo após a divulgação das gravações – obtidas também pela PF, dias antes – de uma conversa secreta e noturna no Jaburu entre o presidente da República e o dono da JBS. Na conversa, toda ela gravada pela PF, Temer diz a Joesley Batista que podia tratar todas as questões com Rocha Loures, porque este era de sua “inteira confiança”.
O escândalo da reunião noturna na garagem do Jaburu e da mala de Loures foi tão grande que o então Ministro da Cultura do governo, Roberto Freire, presidente do PPS, mesmo partido de Raul Jugmnann, abandonou o governo, revoltado com as revelações. Na época, o PPS chegou a divulgar nota dizendo que “os fatos são tão graves que Temer perde a capacidade de continuar à frente do comando do país”.
Mas, Segovia seguiu com o plano de tentar livrar o chefe e seus cúmplices da cadeia. Ele não ficou só na frase infeliz, começou a agir. Tomou medidas para dificultar as investigações. Logo nos primeiros dias no cargo disparou contra o chefe do Ministério Público Federal (MPF), Rodrigo Janot, dizendo que as denúncias contra Temer eram baseadas em “investigações açodadas”. Janot rebateu na lata. Perguntou em nome de quem ele falava, depois de aconselhá-lo a se informar melhor sobre os trabalhos da própria PF.
O plano de acoitar Temer seguiu em andamento. O problema é que o diretor da PF não percebeu que estava todo mundo de olho em seus passos. Após constatar que as investigações no inquérito que investigava Temer não paravam, ele usou uma entrevista à Reuters, em fevereiro deste ano, para desqualificar o trabalho feito até então e fazer ameaças explícitas ao delegado responsável pelas investigações. O inquérito investiga se Temer recebeu propina milionária para beneficiar a Rodrimar, empresa que atua no Porto de Santos, através de um decreto para regular prazos de concessões. Esse passo do diretor-geral da PF, de desqualificar o trabalho da corporação e ameaçar um delegado responsável, foi fatal para os seus planos. (Leia mais sobre as investigações da Rodrimar)
O chefe da PF disse que não havia provas contra Temer, que o caso tendia para um arquivamento e que, se o delegado Cleyber Malta Lopes, que conduz o caso, insistisse em “constranger o presidente”, poderia “sofrer punições”. A ameaça se deu exatamente porque os investigadores, ao contrário do que ele disse, estavam avançando e obtendo provas cada vez mais robustas de crimes no caso Rodrimar. Os delegados já haviam encaminhado as perguntas do interrogatório para Temer, dado prazo para as suas respostas, já tinham pedido acesso a outros inquéritos correlatos e solicitado a quebra de sigilos bancários, telefônicos e fiscais dos envolvidos.
As declarações de Segovia à Reuters caíram como uma bomba, tanto dentro da PF, como na opinião pública e nos meios políticos. Estava evidente, com a fala, que sua atuação à frente do órgão visava unicamente a proteção de Temer. Estava agindo, não como um policial federal, mas como jagunço do presidente. O “plano” de salvamento era tão descarado que Segovia, mesmo depois da entrevista, se reuniu clandestinamente várias vezes com Temer no Alvorada e no Planalto. Reuniões sem a presença de seu superior imediato, o Ministro da Justiça, Torquato Jardim.
As associações de delegados da PF, principalmente dos que agem na esfera do Supremo Tribunal Federal, se rebelaram contra a trama e denunciaram a intervenção indevida do diretor da PF nas investigações. Alertaram também para o fato de que ele estava fazendo uma intromissão considerada ilegal num inquérito que está em andamento. Esta interferência é vista nos meios jurídicos e da PF como um desrespeito gravíssimo aos estatutos da Polícia Federal e uma afronta à Justiça, que, em última instância, foi quem autorizou as investigações.
Imediatamente o ministro Luis Roberto Barroso, do STF, relator do caso no Supremo Tribunal Federal, repreendeu publicamente o delegado, exigiu retratação e o convocou para dar explicações pessoalmente a ele na sede do órgão sobre o conteúdo de sua entrevista. Na audiência com Barroso, Segovia tentou sem sucesso convencer o ministro relator de que suas declarações tinham sido “mal interpretadas”. A chapa de Segovia começou a esquentar.
A Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, também condenou a sua atitude. Ela pediu ao STF uma “ordem judicial” para que o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, se abstenha de declarações a respeito de inquéritos em curso, sob pena de afastamento do cargo. A situação do delegado ficou ainda pior quando, tanto o STF quanto a PGR, e também as associações de delegados federais se deram conta de que no mesmo dia da entrevista à Reuters, Segovia determinou a todos os superintendentes da PF, através de uma instrução, que passem a informar o “número do inquérito” quando houver necessidade de reforço policial para deflagração de operações.
Ele achava que com essa medida poderia ter o controle total de todas as investigações. Estimularia umas e dificultaria outras. Tudo estaria em suas mãos, não fossem as denúncias dos delegados da Polícia Federal, do STF, da PGR e da sociedade. Os delegados denunciaram que essa medida de exigir o número do inquérito acabaria com investigações sigilosas. Disseram que, com o número do inquérito em mãos, alguém pode consultar no sistema interno (Siscart) todos os detalhes da investigação, como nomes de alvos e seus crimes. Isso seria um prato feito para os vazamentos, as fugas e as destruições de provas. Seria, enfim, como querem os investigados, o fim da Lava Jato.
Essa última decisão não deixou dúvida para ninguém de que Segovia foi colocado no comando da PF unicamente para atrapalhar as investigações dos crimes do quadrilhão do PMDB e para proteger o seu chefe, Michel Temer. O plano era um só: salvar Temer e os demais investigados da Lava Jato. Com sua demissão, fica a pergunta. Foi abortado o plano? A PF vai continuar a combater a corrupção? Raul Jungmann, cujo partido já se afastou das maracutaias de Temer e desembarcou do governo, nada sabe sobre o plano – e será só uma rainha da Inglaterra – ou não quis avalizar a arriscada manobra palaciana? Vamos observar os próximos passos de ambos os lados, da PF, que já conseguiu a prorrogação das investigações de Temer por sessenta dias, e dos bandidos, que querem destruir a Lava Jato.
SÉRGIO CRUZ
Assista ao vídeo da operação da Polícia Federal que flagrou Rocha Loures correndo com a mala de propina