
Por que o deputado Túlio Gadêlha disse que seu relato, gravado em áudio, da conversa com a atual candidata a prefeita do Recife, Marília Arraes, foi “descontextualizado”?
Ele não nega que a voz é sua. Também não nega – nem poderia – que contou ao seu interlocutor, que Marília Arraes lhe sugeriu um esquema de “rachadinha”, para fazer caixa de campanha através do desvio de parte dos salários de funcionários do seu gabinete.
Confira o leitor a íntegra do áudio, divulgado pela revista “Veja”, no último dia 24:
GRAVAÇÃO DEPUTADO TÚLIO GADÊLHA
A gravação é, claramente, uma mensagem de voz enviada por Túlio Gadêlha através de algum aplicativo, tipo WhatsApp.
“Eu estava conversando com Marília… Marília Arraes… agora, na semana passada, falando sobre perspectivas, 2020, eleição, conjuntura, aí depois falamos sobre aqui”, começa o deputado Gadêlha.
Na época, o deputado pretendia se lançar candidato a prefeito do Recife. A dificuldade estava no financiamento da campanha, isto é, em obter dinheiro para sustentar a candidatura.
Marília Arraes, que também pretendia se lançar para a Prefeitura – e era amiga já de algum tempo de Túlio Gadêlha -, perguntou, segundo o relato do deputado:
“Tu tá juntando fundo de caixa para a campanha?”.
Segundo Gadêlha, ele respondeu:
“Estou. Tô vendo se junto um dinheirinho, tenho que pagar algumas coisas da campanha. Isto inclusive fica entre a gente, né”.
Marília Arraes faz, então, uma consideração sobre o montante imediato:
“Tu tem que juntar 30 mil”.
TÚLIO GADÊLHA: “Não precisa de tanta … não. Precisa de 21, 20 mil”.
MARÍLIA ARRAES: “Não. 30 mil, tem que juntar da assessoria”.
TÚLIO GADÊLHA: “Não. Não faço isso, não. Porque o que cada um recebe…”
MARÍLIA ARRAES: “Ah, Túlio, todo mundo faz isso. Todo mundo faz”.
Segundo diz o deputado Gadêlha, em sua mensagem de voz, ele respondeu para Marília Arraes:
“Quero deixar bem claro, não vou fazer isto aí”.
“TODO MUNDO”
Portanto, na gravação, é clara a alternativa aconselhada por Marília Arraes para que o deputado Túlio Gadêlha acumulasse 30 mil: “tem que juntar da assessoria”.
O que deixa ainda mais nítido que a proposta é desviar parte do dinheiro dos salários da assessoria, é, precisamente, a reação do deputado Gadêlha:
“Não. Não faço isso, não. Porque o que cada um recebe…”
Porém, antes que o deputado terminasse a frase, Marília Arraes, segundo Gadêlha, retrucou:
“Ah, Túlio, todo mundo faz isso. Todo mundo faz”
No relato do deputado, ele fez absoluta questão de afirmar que, quanto a ele, isso não era verdade:
“Quero deixar bem claro, não vou fazer isto aí”.
Por que Túlio Gadêlha faria tanto esforço para “deixar bem claro” que não faria “isto aí”, ou seja, que não desviaria dinheiro do salário dos funcionários?
Porque isso, evidentemente, é ilegal – trata-se de desvio de dinheiro público, a famosa “rachadinha”, tal como aquela que Fabrício Queirós operava no gabinete de Flávio Bolsonaro.
Não é, aliás, a primeira vez que Marília Arraes aparece associada a desvio no salário dos funcionários de seu gabinete.
Este é, exatamente, o conteúdo da ação a que ela responde, por improbidade administrativa.
ASSESSORIA FANTASMA
O inquérito promovido pelo Ministério Público e pela Polícia Civil de Pernambuco, sobre a denúncia de um esquema de “rachadinha”, no gabinete da então vereadora Marília Arraes, entre 2014 e 2017, concluiu que quatro assessoras recebiam da Câmara Municipal, sem trabalhar no gabinete. Todas as quatro assessoras tinham outros empregos (v. HP 25/11/2020, Juiz notifica Marília Arraes em ação por improbidade no caso das assessoras fantasmas).
É algo muito parecido com aquilo que Marília Arraes aconselha Túlio Gadêlha, segundo disse o próprio deputado na mensagem de voz divulgada pela “Veja”:
MARÍLIA ARRAES: “Tu tem que juntar 30 mil”.
TÚLIO GADÊLHA: “Não precisa de tanta … não. Precisa de 21, 20 mil”.
MARÍLIA ARRAES: “Não. 30 mil, tem que juntar da assessoria”.
TÚLIO GADÊLHA: “Não. Não faço isso, não. Porque o que cada um recebe…”
MARÍLIA ARRAES: “Ah, Túlio, todo mundo faz isso. Todo mundo faz”.
TÚLIO GADÊLHA: “Quero deixar bem claro, não vou fazer isto aí”.
DESCONTEXTOS
Então, voltemos à questão inicial: por que o deputado Túlio Gadêlha, depois da divulgação da mensagem de voz em que relata sua conversa com Marília Arraes, disse que seu relato foi “descontextualizado”?
A palavra é estranha, porque ela não nega a gravação – que, como dissemos, tem todas as características de uma mensagem de voz do WhatsApp ou aplicativo semelhante.
Então, de que “contexto” foi tirada a mensagem?
Do contexto em que ele pretendia ser candidato à Prefeitura.
Depois da época da mensagem de Gadêlha, seu partido, o PDT, apoiou o candidato João Campos, do PSB.
A reação de Túlio Gadêlha foi, contra a posição de seu partido, apoiar Marília Arraes, do PT.
Esse é o único “contexto” diferente daquele de hoje.
Mas, nesse caso, tirado do contexto foi o deputado, não a sua mensagem de voz. É ele quem está “descontextualizado”, não o seu relato.
Tanto é assim que dizer que seu relato foi “descontextualizado”, equivale a dizer que ele é verdadeiro. Apenas, foi realizado em outro contexto da vida política do deputado Gadêlha.
Aliás, o fato do relato partir de alguém que está apoiando Marília Arraes, torna-o mais irretorquível, se é possível assim expressar a sua contundência.
Colocamos à disposição do leitor, acima, a gravação completa do relato do deputado Túlio Gadêlha – evidentemente, na sua própria voz.
Abaixo, o leitor tem a transcrição completa do relato (os nomes entre colchetes foram colocados por nós, para maior clareza do texto), que pode, naturalmente, ser cotejado com a gravação:
[TÚLIO GADÊLHA]: “Eu estava conversando com Marília… Marília Arraes… agora, na semana passada, falando sobre perspectivas, 2020, eleição, conjuntura, aí depois falamos sobre aqui”.
Segue o diálogo com Marília Arraes:
[TÚLIO GADÊLHA]: “E, aí, Marília, como é que está indo aqui? Lá no Recife, né”.
[MARÍLIA ARRAES]: “Ah, Túlio, eu não aguento mais dois motoristas, fiquei com um motorista só, mas a equipe está grande. Está com seis pessoas”.
[TÚLIO GADÊLHA]: “Seis pessoas?”
[MARÍLIA ARRAES]: “É, seis pessoas”.
[TÚLIO GADÊLHA]: “Vixe Maria! Tenho 19”.
[MARÍLIA ARRAES]: “19! Tu é louco? 19 pessoas, isso aí não dá certo não”.
[TÚLIO GADÊLHA]: “Não, é o pessoal que ajuda na campanha e tal”.
[MARÍLIA ARRAES]: “Tu tá juntando fundo de caixa para a campanha?”
[TÚLIO GADÊLHA]: “Estou. Tô vendo se junto um dinheirinho, tenho que pagar algumas coisas da campanha. Isto inclusive fica entre a gente, né”.
[MARÍLIA ARRAES]: “Tu tem que juntar 30 mil”.
[TÚLIO GADÊLHA]: “Não precisa de tanta … não. Precisa de 21, 20 mil”.
[MARÍLIA ARRAES]: “Não. 30 mil, tem que juntar da assessoria”.
[TÚLIO GADÊLHA]: “Não. Não faço isso, não. Porque o que cada um recebe…”
[MARÍLIA ARRAES]: “Ah, Túlio, todo mundo faz isso. Todo mundo faz”.
[TÚLIO GADÊLHA]: “Quero deixar bem claro, não vou fazer isto aí”.
Matéria relacionada: