EDUARDO DE AZEREDO COSTA(*)
O Governo conservador da Inglaterra (e não o comunista da China) foi o primeiro a declarar que vai iniciar a vacinação com a vacina da Pfizer-Biontech antes de concluir o estudo de fase 3 e que a sua agência nacional reguladora, e a Agência de Regulação Europeia, concedam a autorização para seu uso. Cientistas independentes já expuseram suas críticas.
O ministro da Saúde do Brasil não programará essa vacina, porque ela precisa de refrigeração à temperatura muito baixa, e disse que está programando a vacina Oxford/AstraZeneca/Fiocruz, antes que a ANVISA a aprove e também que o estudo seja corrigido em suas falhas – o que ninguém acredita que será um problema.
De outro lado, a ANVISA emitiu nota que o Butantan não encaminhou ainda os resultados preliminares da Coronavac, como anunciara, e que não aceitará que o registro da mesma em outro país dispense a sua aprovação.
Isso quer dizer que pode até mesmo embargar a sua importação. (notícias de 01 a 04 de dezembro)
Agência de regulação da Inglaterra libera vacina da Pfizer. Plano progressivo é divulgado pelo Governo inglês. Ministério da Saúde faz o mesmo, mas poucos acreditam. Ministério da Saúde anuncia que comprará 70 milhões de doses da vacina da Pfizer, mesmo que precise de temperatura baixa. Mas não fala em aquisição da vacina do Butantan. O Governo de São Paulo programa a vacinação para São Paulo e afirma que vacinará não residentes. (notícias de 05 a 08 de dezembro)
Tudo simples assim!
A derrota eleitoral de Trump nos EUA, sob a acusação de fazer pouco da pandemia, empurra governos para ações que demostrem sua operosidade. A vacina se tornou matéria prima para consolidar partidos ocidentais no poder, até mais do que para normalizar a economia num primeiro momento.
Aqui, abaixo do Equador, também os ventos mudaram. Na Bolívia, uma ventania foi exemplo marcante. E, no Brasil, o governo ouviu o recado das urnas nas eleições municipais.
Assim, o campo à direita, e aos navegadores de águas turvas, está aberto para os atropelos e desconsiderações éticas com a ciência. Precisamos estar atentos ao jogo de interesses que pode acalmar as pessoas, mas trazer transtornos graves no futuro para muitos.
A disponibilidade de uma vacina, que materialmente represente uma boa ação governamental, do ponto de vista da opinião da sociedade, será o ativo mais importante.
Para isso, a Big Pharma usa seus recursos de comunicação social para mostrar que tem o que oferecer. A questão das reações adversas poderá ser minimizada.
A discussão séria da escolha da(s) vacina(s) quanto a aspectos divulgados na mídia que estão em foco no Brasil, é fundamental.
VACINAS ELEGÍVEIS
OBSERVAÇÕES ADICIONAIS
O Instituto Butantan, que está conduzindo o teste de fase 3 da CORONAVAC, confirmou reatogenicidade leve mesmo em idosos e, seguindo outras vacinas candidatas em fase 3, anunciou que faria análise preliminar dos 74 casos já ocorridos nos 9.000 voluntários do estudo.
Mas, em verdade resolveu aumentar o número de voluntários. Tem licença para produção, sem pagamento de royalties, e poderá exportar. Espera poder entregar para o Ministério da Saúde 46 milhões de doses, a partir de janeiro, quando estará apto a seguir produzindo. Como o contrato é desconhecido, por informações do Butantan sabe-se que respeitará os direitos patentários da Sinovac. Protocolo de Intenções e o Acordo de Confidencialidade divulgados. Não está previsto pagamento de royalties para a produção local. Consta que o Butantan solicitou 10 dólares por dose ao Ministério da Saúde. O Estado de São Paulo já divulgou um programa de vacinação para o Estado com a mesma, caso o Ministério da Saúde não adquira o produto. Consta que pediu 10 dólares por dose ao MS.
O Instituto Tecpar tem acordo para importar e produzir a vacina russa – SPUTNIK 5. Essa vacina usa como vetores virais dois adenovírus humanos (Ad5 e Ad26). Vantagem teórica é usar na segunda dose o Ad não usado na primeira, para evitar neutralização por anticorpos de anti-vetor, diminuindo a imunogênese para o SARS-CoV-2.
Os resultados da fase 1 e 2, agora já publicados, segundo comentaristas da Johns Hopkins, publicados na Lancet, coloca desafios a outras vacinas. Um deles é que foi produzida não só na forma líquida, como liofilizada, que permite utilização em condições de conservação mais precárias dos países tropicais mais pobres. (A liofilização foi um importante desenvolvimento de cientistas soviéticos na década de 1960 que usado para a vacina de varíola permitiu a erradicação da mesma no mundo pois pode ser levada ao local de uso sem refrigeração). Estudo de fase 3, conduzido pelo Tecpar, em início. Não conhecemos o acordo e valores.
Biomanguinhos/Fiocruz/MS tem acordo para importação de produção da vacina em desenvolvimento mais conhecida no Brasil, que usa um adenovírus, não replicante também, porém, não humano, de chimpanzé (ChAdOx1).
A vantagem teórica seria que não haveria neutralização pela presença de anticorpos para material do antígeno vacinal relacionado a infecções passadas por adenovírus humano benignos.
Em compensação, na revacinação poderia ter o efeito adverso mais alto e imunogênese específica diminuída pela neutralização de fragmentos que identificam o vetor estranho inicial.
O Governo brasileiro, tomando por base a capacidade produtiva de Biomanguinhos/Fiocruz, adquiriu antecipadamente (antes do início da fase 3) 100 milhões de doses e a tecnologia de produção por cerca de 300 milhões de dólares (USD 3,19 por dose), que estariam disponíveis para aplicação em dezembro/janeiro (o cronograma está atrasado).
Os termos do contrato foram denunciados na imprensa mundial e nacional por serem muito desiguais, apesar do pré-pagamento de uma parte não ser reembolsável (128 milhões de dólares por 30 milhões de doses e a tecnologia). E as demais 70 milhões de doses do acordo inicial teriam o mesmo preço, que poderá ser alterado a partir de julho de 2021. Os contratantes brasileiros assumem a responsabilidade por eventuais processos por reações adversas sérias.
A divulgação de resultados preliminares de eficácia pela AstraZeneca levantou suspeita de manipulação para mostrar expectativas maiores do que o encontrado, admitido como erro involuntário, possivelmente trará prejuízos para seu uso. A eficácia demonstrada mais confiável foi de 62%. Em função disso fará observações adicionais em tempo curto. Esses fatos poderiam levar a uma renegociação mais equilibrada dos termos do contrato.
As Vacinas de Ácido Nucleico nunca foram antes aprovadas por órgãos reguladores (a emergência pandêmica facilitou a realização dos testes clínicos de fase 3 em que se encontram), e duas candidatas mRNA estão em evidência. Essa tecnologia tem críticos por precaução, por eventuais efeitos tardios, difíceis de detectar em estudos de curta duração como são os de fase 3. Ambas, em testes com menos de 3 meses de observação, deram resultados preliminares altos, cerca de 95%.
A Pfizer-Biontech tem procurado encurtar os tempos para desenvolvimento, usando a situação pandêmica como justificativa. Em nota, afirmou que as reações adversas gerais, que estavam sendo divulgadas na imprensa, eram comparáveis a uma “ressaca”, o que se imagina que possa ser tonturas e vertigens, mas não deu detalhes. Precisamos conhecer melhor esses efeitos, ainda não localizados por nós. Preço: USD 19,50 por dose.
A Moderna até agora mostrou estudos melhor delineados. Mas no grupo de idosos dos testes houve muito poucos casos. Reações gerais semelhantes à da Pfizer. Preço: USD 32 a 37 por dose.
Concluindo: Em artigo anterior chamamos a atenção para algo que agora fica mais claro. A incapacidade de fazer a “big pharma” se comportar mais colaborativamente, como requer o período pandêmico e é advogado por muitas entidades, do que competitivamente.
A OMS e todos que se posicionam para facilitar o acesso à eventuais vacinas, acabam se rendendo ao jogo da mesmas, que procuram vantagens competitivas ou acúmulo de prestígio e poder.
De outro lado, a melhor estratégia para um país como o Brasil, que tem ainda uma incidência alta da doença, seria organizar estudos comparativos entre as vacinas disponíveis concomitantes. O grupo placebo seria menor, o que justifica-se no dilema pandêmico.
Mas, aí, a cooperação proclamada para fazê-la um bem global seria bem mais profunda e racional.
Seria verdadeira.
APLICAÇÃO DAS VACINAS
Mesmo com a expectativa de sucesso de mais de uma vacina, será pouco provável que produzam imunidade duradoura, ou seja, precisarão de reforço ou revacinação, e também que sejam igualmente eficientes em todos os grupos de idade. Isso significa que será muito importante implementar uma vigilância epidemiológica rápida e efetiva.
Portanto, cremos que nenhuma delas, a não ser que uma mutação viral atenue de maneira importante o SARS-CoV-2 circulante no Brasil, eliminará isoladamente a COVID-19 do país, de imediato.
Primeiro, porque as quantidades necessárias farão estender o período a mais de um ano para imunizar a todos os grupos de idade, e, segundo, porque a vigilância epidemiológica e uso da vacina na contenção de surtos a cargo do SUS, precisará ser mais eficiente.
Nessas circunstâncias, cremos que as prioridades máximas iniciais para a vacinação são:
1 – grupo de risco de tê-la de modo grave: população idosa e com comorbidades.
2 – trabalhadores em contato direto com casos de Covid-19.
3 – usuários de transportes coletivos, escolas, abrigos e indústrias intensivas em mão de obra.
4 – controle de surtos: vacinação orientada pela vigilância epidemiológica.
Os serviços de aplicação deverão estar já organizados e com material necessário, como agulhas e seringas, entre outros.
Não pode ser negligenciado que a identificação de quem for vacinado, e com qual vacina, será muito importante, inclusive para análise de eventuais efeitos tardios das vacinas. Não seria absurdo introduzir um identificador duradouro.
Vacinas de conservação a muito baixas temperaturas não são para uso em saúde pública. Provavelmente voltadas para mercado privado, quando aprovadas pela ANVISA. Porém, no triângulo conservador de Trunp, Boris Johnson e Bolsonaro, a Pfizer fará vendas governamentais elevadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse momento, há um acelerado movimento de cobertura da grande mídia brasileira, alcançando a mídia digital das redes sociais, com foco na antecipação de resultados de fase 3 (eficácia) de algumas das vacinas candidatas.
Esse fato está desafiando o setor saúde e amplos setores da população leiga, que se sente desorientada, especialmente na falta de uma autoridade nacional de saúde com autoridade real.
A ‘saúde coletiva’ e a ‘medicina preventiva’, nesse ambiente, como lá na década de 1980 Geoffrey Rose já mostrava, é assaltada por propagandistas acríticos, e, podemos acrescentar hoje, negocistas, negacionistas e novos beatos da ciência em si.
Instituições de saúde críticas estão ficando desacreditadas por politização inadequada e submissão ao governo federal.
É mandatório pressionar pelos meios aceitáveis que o governo federal não prossiga no seu intento de só adquirir a “sua” vacina. Há muito já devia estar em parceria com o Instituto Butantan e Tecpar, equacionando as possibilidades que abriram para o país.
Os instrumentos de coordenação para tomar decisões sanitárias no Brasil estão fragmentados, pelo verdadeiro contencioso político que abala o país, que torna o SUS, por sua natureza sistêmica, incapaz de agir ao tempo e à hora em todos os lugares.
Mas a profissão da esperança brasileira, não nos abandona. Cremos que pode ainda ser adequado e eficiente. Temos que tentar. É obrigatório para sanitaristas.
A expectativa é de que os Estados, passado o período eleitoral, consigam, através de suas Secretarias de Saúde, criar um gabinete executivo que unifique as ações no Brasil, ligado ao CONASS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde).
A Secretaria de Saúde de cada Estado precisará assumir a execução de modo compartilhado com os seus municípios, ou suplementarmente, a gestão de todos os postos e equipes de vacinação e vigilância epidemiológica em seus territórios.
Disto dependerá, para além da qualidade, o resultado da aplicação das vacinas no Brasil.
08/12/2020
(*) Eduardo A Costa é médico-santarista-epidemiologista.