A entrevista abaixo (que apresentamos ao leitor em versão condensada, mas que poderá ser conferida, na íntegra, no vídeo e no áudio que acrescentamos ao final) foi concedida por Elias Jabbour à China Radio International, de Beijing.
Jabbour, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), é autor de quatro livros sobre a China, seu desenvolvimento e seu caminho socialista: “China: infraestruturas e crescimento econômico” (Ed. Anita Garibaldi, 2006); “China: desenvolvimento e socialismo de mercado” (Ed. CFH-UFSC, 20060); “China hoje: projeto nacional, desenvolvimento e socialismo de mercado” (Ed. Anita Garibaldi/UEPB, 2012); e “China: socialismo e desenvolvimento – sete décadas depois” (Ed. Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2019).
Na rádio chinesa, Elias Jabbour foi entrevistado pela jornalista Isabel Xiaomiao.
Devido à importância do tema – a superação, com o desenvolvimento socialista do país, dos últimos redutos de pobreza extrema na China – oferecemos aos nossos leitores esta edição, certos de que ela servirá para enriquecer nosso conhecimento sobre o país que mais cresceu no mundo, sempre com a elevação do padrão de vida, material e espiritual, de seu povo.
C.L.
ISABEL XIAOMIAO: Caros amigos e caras amigas, sejam bem-vindos à Sala de Visitas.
A pauta desta edição do Bate-papo é a redução da pobreza, uma questão existente e urgente, ainda, para muitos países.
No caso da China, o governo projetou que até 2020 eliminaria toda a pobreza extrema nas áreas mais carentes. Essa meta foi cumprida, com a retirada dos últimos 9 condados da província de Guizhou da lista oficial da pobreza absoluta, em 24 de novembro passado.
Desde 1978, o país já retirou 800 milhões de habitantes rurais da pobreza, com a implementação de reformas e medidas específicas.
Para discutir este tema, hoje temos o privilégio de receber o especialista brasileiro Elias Jabbour, professor em Ciências Econômicas e Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autor de quatro livros sobre a China, para compartilhar conosco suas observações e visões sobre os meios de combate à pobreza.
Muito boa noite professor, fico muito agradecida pela sua participação.
ELIAS JABBOUR: Isabel, fico muito honrado em falar com uma equipe chinesa de comunicação. Quero dizer que admiro muito a China e esse feito monumental de ter eliminado a pobreza extrema. A China faz história enquanto país independente, enquanto uma experiência diferente de poder político, e a humanidade ganha muito com isso.
ISABEL XIAOMIAO: Professor, vamos começar por uma questão universal. Do ponto de vista do desenvolvimento social, por que o combate à pobreza é importante? Como a redução da pobreza faz parte dos 17 objetivos do Milênio, da ONU, ao longo desses anos, como os países têm tratado essa questão, colocando-a na agenda prioritária dos próprios governos?
ELIAS JABBOUR: Isabel, essa é uma questão muito complexa, porque uma coisa é você colocar como objetivo do milênio, como objetivo governamental, acabar com a pobreza extrema.
Outro ponto é ter políticas focadas, voltadas para o fim da pobreza.
O principal meio explicativo para que a China tenha alcançado esse objetivo, foi que ela colocou no topo da agenda essa questão. Ou seja: a China vai acabar com a pobreza em 2020; colocou uma meta e usou todos os meios – excepcionais, políticos, financeiros – para alcançar essa meta.
Ela não economizou esforços para isso. Foi quase uma comoção nacional, uma agitação nacional em volta do enfrentamento do problema e da eliminação do problema.
O resto do mundo tem um jeito diferente, o resto do mundo está enfrentando problemas que são, justamente, problemas causados pela falta de políticas à solução da questão da pobreza.
Então, você pega o mundo hoje, o Brasil em particular: tem políticas voltadas para o enriquecimento de algumas pessoas, não para o enriquecimento de toda a população.
Ou seja, o mundo inteiro caminhando para um sistema de distribuição de renda que privilegia apenas algumas famílias, alguns grupos econômicos, que são grupos como um todo do poder político dos Estados Unidos, da Europa, do Brasil.
A China, não, a China tem um outro tipo de poder político, que coloca como prioridade o fim da pobreza extrema, o alargamento do mercado consumidor, a inclusão social, enfim, são agendas estratégicas amplamente diferentes.
Se tirar a China do mapa mundial, nos últimos 40 anos a pobreza no mundo aumentou e não diminuiu.
Então, a China é um caso isolado. O mundo é completamente diferente. A China e o Vietnã são casos isolados.
ISABEL XIAOMIAO: Especialmente com essa pandemia, são as pessoas pobres as mais vulneráveis. O senhor já mencionou algumas conquistas da China na área da eliminação da pobreza, comparando com esse panorama geral do mundo. Como o senhor vê esse compromisso e o esforço do governo chinês, e também do Partido Comunista da China, para eliminar a pobreza?
ELIAS JABBOUR: Tenho tentado chamar a atenção, uma atenção especial, para a engenharia social que está sendo construída na China nos últimos 40 anos. Acredito que a engenharia social que o Partido Comunista está liderando, é a engenharia social mais avançada que existe no mundo de hoje.
Você pega, por exemplo, os países europeus e os Estados Unidos.
São governos de ricos. Os Estados Unidos, nos últimos 40 anos, se você olhar os dados, vai perceber que a produtividade do trabalho aumentou nos Estados Unidos, enquanto que a renda dos trabalhadores foi mantida no mesmo patamar de 40 anos antes.
Então, nos Estados Unidos está acontecendo um movimento que é o contrário da China. Existe um movimento de aumento da pobreza extrema, os EUA são o país mais rico de mundo – e tem 40 milhões de pessoas que estão adentrando na linha da pobreza, enquanto os ricos ficam cada vez mais ricos.
A mesma coisa no Brasil, que está no mesmo caminho.
Então, eu acho que a China é uma engenharia social complexa, nova, avançada. Acho que a China é o oposto para o que o mundo está caminhando. É assim que eu enxergo esse fenômeno chinês.
ISABEL XIAOMIAO: O presidente Xi Jinping formulou, em 2013, o conceito de combate à pobreza, com precisão. Antes, a gente só mandava os recursos, os meios para as zonas rurais, mas agora há situações específicas, há projetos para eliminar a pobreza. Baseado nisso, o país mobiliza um grande número de pessoas e recursos para ajudar em cada situação, em cada realidade. O senhor teria algum comentário à respeito do papel dessa orientação para a China atingir essa meta? Como você vê essa experiência?
ELIAS JABBOUR: Acredito que é a utilização da ciência e da razão humana para atingir um fim estratégico. Por exemplo, muitos condados produziam produtos, sejam rurais ou não, mas não havia como esses produtos chegarem no mercado consumidor.
Então, essa precisão no combate à pobreza é a utilização da ciência para a construção de infraestruturas, por exemplo, que liguem o que esses condados produziam com o mercado consumidor.
A China aumentou muito o número de trens de alta velocidade nos últimos 10 anos e isso é um instrumento de combate à pobreza que muita gente acaba não percebendo. Reduz o custo de produção e faz também com que os produtos de um condado e as pessoas se movimentem mais rapidamente de uma vila para outra, de um condado para outro. Que consigam arrumar emprego em um condado mais próximo, a partir de um meio de transporte mais rápido.
Acho que são um conjunto de medidas que passam também pela construção de infraestruturas interligando os vários mercados regionais do país, que precisavam ser conectados um ao outro.
Acho que o combate à pobreza, com precisão, é exatamente isso. A utilização de uma ampla gama de recursos para determinado fim. Acho que é basicamente isso que Xi Jinping gostaria… que veio à cabeça dele.
Porque uma coisa é você levar saúde, educação, levar o médico, a educação obrigatória, a assistente social chegar na aldeia.
Outra coisa é chegar um trem na aldeia, chegar uma estrada na aldeia, chegar uma nova forma de transporte.
Ou seja, existem diferenças aí, sim. É assim que eu analiso essa precisão, como você e o Xi Jinping colocam.
ISABEL XIAOMIAO: De fato, além dessa logística, a Internet e as compras online, as compras live, também ajudam muito a acelerar esse processo de combate à pobreza. As áreas mais pobres se tornam mais ligadas a um mercado nacional. Isso é interessante, é um fenômeno novo. Aqui também vale a pena destacar uma coisa importante, é a reforma da terra, completada em 1953. Isso fez com que os terrenos se tornassem propriedade coletiva, mas essas terras foram divididas e distribuídas para cada família fazer a plantação. Isso quer dizer que elas possuem o direito de usar – e até podem alugar para outras pessoas e receber uma remuneração, porque, no ano passado, eu fui a várias aldeias pobres para fazer cobertura sobre este tema, e descobri que esse aluguel já faz uma parte muito importante da renda, para muitas famílias nas zonas rurais. Parece-me que esse é também um ponto chave para a China conseguir eliminar a pobreza. Como o senhor observa isso?
ELIAS JABBOUR: Acho que você fez a pergunta e respondeu muito bem, porque uma das características da China é que ela vai dando conta de desafios, por exemplo, essa questão da distribuição de pequenos lotes familiares com a revolução de 49 e as reformas rurais de 78, em que o governo permite que os camponeses, as famílias camponesas, possam vender os excedentes no mercado, e conseguem enriquecer, conseguem aumentar sua renda per capita.
Só que chegou a um ponto do processo de desenvolvimento econômico em que isso não era mais suficiente.
Por quê?
Porque a China precisava aumentar a produtividade do trabalho na agricultura, ou seja, aumentar a produção agrícola, e essa forma de propriedade já não estava dando conta mais dessas necessidades.
Então, uma outra reforma rural, em 2013, teve que ser levada adiante, permitindo que os camponeses pudessem alugar, vamos dizer assim, alugar o seu pedaço de terra – que é do Estado, mas eles têm permissão para alugar, e a partir desse aluguel poderiam abrir um negócio, poderiam fazer qualquer coisa com essa renda extra, que não existia antes.
As soluções vão surgindo historicamente, e vão sendo executadas historicamente.
Uma delas é essa, que você colocou, da permissão do aluguel de terras, que faz com que surja na China um mercado rural muito maior do que antes, ou seja, a China está alcançando soberania alimentar, inclusive exporta produtos alimentícios.
Lembro que fui em Ti Xiang, por exemplo, e Ti Xiang estava exportando alface para o Japão. Ti Xiang! Ti Xiang tirou a Califórnia do mercado japonês.
Enfim, são várias políticas acertadas, sendo executadas ao longo do tempo, cujo resultado é esse aí que você falou, o fim da pobreza extrema.
ISABEL XIAOMIAO: O senhor, como autor de vários livros focados no desenvolvimento e no socialismo chinês, também lançou, ultimamente, um curso online intitulado ‘Milagre da China’. Você analisa a China de quais ângulos? Acha que o modelo chinês funciona? Que funciona bem?
ELIAS JABBOUR: Eu acho que o modelo chinês é o modelo chinês.
No curso e nos meus livros, analisamos todos os ângulos do processo de desenvolvimento chinês. Desde o combate à pobreza até o desenvolvimento de grandes empresas como a Huawei, a Xiaomi e outras empresas.
São vários ângulos que analisamos. São 40 aulas nesse curso.
Todo o período Mao Tsé-Tung foi um período marcado por uma busca de um caminho de desenvolvimento particular. Não é que houve erros ou acertos, o que havia era uma busca de um caminho chinês para o desenvolvimento.
E esse caminho é de 78. Esse caminho tem servido muito à China e é evidente que esse modelo é sucesso na China, é necessário para a China, a China conseguiu se encontrar a partir de uma dinâmica que ela encontrou.
Então, existe muita gente no mundo, como eu, que olha para o modelo chinês com simpatia, com respeito e tem que apreender o que tem de bom naquele modelo para tentar aplicar no seu país.
Ou seja, o que os chineses podem me ensinar para meu país poder se encontrar, como os chineses se encontraram.
Então, os chineses encontraram o caminho próprio do socialismo. Acho que isso é o mais importante de tudo, a China indica um caminho para o restante da humanidade.
Deng Xiao Ping dizia que quando a China conseguisse eliminar a pobreza extrema, a China estaria mostrando ao mundo a superioridade do socialismo sobre o capitalismo. Acredito que a China já está mostrando a superioridade do socialismo sobre o capitalismo, no mundo inteiro. Na minha cabeça, sem nenhuma dúvida.
ISABEL XIAOMIAO: No caso do Partido Comunista da China, que já completou quase 100 anos de sua fundação, e está no poder por mais de 70 anos, como o senhor vê esse partido? Ele pode continuar a reunir os interesses do povo, pode continuar a representar a maioria dos interesses e credos de grupos como trabalhadores, camponeses?
ELIAS JABBOUR: Acho que sim, porque acho que uma das características de Xi Jinping, da governança de Xi Jinping, é colocar os interesses dos trabalhadores na frente, como é o caso do Alibaba. São essas recentes posturas do governo chinês em relação aos seus inimigos, aos milionários e bilionários, que vão demonstrando a capacidade que o Partido Comunista tem de estar à frente de seu tempo e à frente dos interesses da maioria da população.
Acho muito corajoso o que Xi Jinping está fazendo e é isso que demonstra as razões do sucesso do Partido Comunista chinês, ao contrário do da União Soviética, que deixou de ser a força política que expressava os interesses da maioria. A China consegue ir formando maiorias, sendo a grande força dos interesses da maioria da população.
Sei que é um assunto delicado para vocês, chineses, essa questão do Alibaba, do Jack Ma, mas eu, como brasileiro, posso dar uma opinião sobre isso. Acho a política do Xi Jinping correta em relação a esse pessoal.
ISABEL XIAOMIAO: Vamos mudar para uma perspectiva internacional: nos últimos anos, o presidente Xi também formulou várias concepções de governança global, como a comunidade de futuro compartilhado, e a iniciativa Cinturão e Rota. Como o senhor entende essas estratégias do ponto de vista da China?
ELIAS JABBOUR: Acho que são visões de mundo que são opostas à visão de mundo do imperialismo norte-americano e na medida em que a China enriquece, enquanto país, e começa a exportar a sua riqueza para o mundo sob a forma de obras, infraestrutura, pelas conexões marítimas, aéreas, terrestres, isso também vai gerando grandes tensões com os Estados Unidos.
Não é uma coisa suave. A China está propondo uma outra globalização para o mundo. Ela está propondo: eu tenho isso aqui para vocês.
Enquanto que o outro lado, tem o que para o mundo? Guerra, pilhagem, guerra híbrida, guerra por petróleo, fazer o que fizeram com a Líbia, fazer o que estão fazendo com a Venezuela, por exemplo.
Acho que são duas propostas de mundo e de sociedade que são amplamente diferentes – e a chinesa, acho que é uma forma de chegar ao mundo muito mais civilizada do que a americana, que é baseada na violência, baseada na visão de superioridade moral em relação ao resto do mundo. Os chineses são diferentes nesse aspecto.
ISABEL XIAOMIAO: Os norte-americanos sabem muito bem fazer propaganda, para fazer que o sonho americano se torne um sonho mundial e diante dessa tendência de isolacionismo, unilateralismo, e também algum protecionismo, nós ainda precisamos nos esforçar mais para ampliar e divulgar essa ideia de comunidade de interesse compartilhado, esse espírito de cooperação. Muito obrigada pela participação, professor Elias, na nossa conversa. Foi uma conversa muito rica e esperamos mais oportunidades de falar com o senhor e também Feliz Natal para o professor e sua família.
ELIAS JABBOUR: Obrigado, Isabel, foi um prazer estar com você aqui, conversar com pessoas inteligentes, trocar ideias sobre o futuro da humanidade – e pode contar comigo para o que precisar. Muito obrigado.
ISABEL XIAOMIAO: Muito obrigada.
ABAIXO, VÍDEO E ÁUDIO COM A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA:
Vídeo: China Radio International – Programa Sala de Visitas/Bate-papo
Áudio: China Radio International – Programa Sala de Visitas/Bate-papo