O presidente Jair Bolsonaro, em sua última live de 2020, talvez, por falta de assunto – afinal, o Brasil vai de vento em popa no enfrentamento à pandemia (quase 200 mil mortes e bloqueio nos gastos de combate ao coronavírus), na retomada da economia (PIB em frangalhos, aumento cavalar do desemprego e da informalidade, queda brutal na renda, recrudescimento da carestia, etc) e na sustentação dos direitos essenciais do povo (fim do auxílio emergencial, congelamento do salário mínimo, etc.) -, resolveu mandar um recado para o Ministério Público do Rio de Janeiro.
Após comentar sobre a prisão domiciliar de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, disse ele em tom ameaçador:
“Ministério Público do Rio. Preste bem atenção, aí. Imagine se um dos filhos de autoridade do Ministério Público do Rio de Janeiro fosse acusado de tráfico internacional de drogas? O que aconteceria? Vocês aprofundariam ou mandariam o filho desse… dessa autoridade para fora do Brasil e mandariam arquivar o inquérito? Que fique bem claro que é um caso hipotético”.
A mensagem presidencial é, no mínimo, dúbia. Bolsonaro, nas entrelinhas, estaria cotejando o caso hipotético à denúncia que paira gravosamente contra seu filho, Flávio, no episódio das “rachadinhas”; teria alguma informação privilegiada para tentar acuar os membros do Ministério Público do Rio de Janeiro; ou estaria, simplesmente, blefando?
Pelos traços da personalidade de Bolsonaro, sobejamente conhecidos ao longo desses dois anos de seu trágico des(governo), é bem provável que todas as hipóteses sejam verossímeis. Só o tempo e as investigações poderão responder com precisão.
O fato é que a manifestação do capitão sobre assunto configuraram, no mínimo, ameaça velada ao Ministério Público e aos seus integrantes que ousaram fazer a denúncia contra o filho do presidente.
Atualmente, o MP do Rio, depois de promover a denúncia por organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita, tem a responsabilidade de investigar o caso das “rachadinhas” que envolvem o “01” de Bolsonaro, hoje, senador da República. O foco da investigação é o desvio de vencimentos de servidores do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.
Além de Flávio e Queiroz, apontado como operador do esquema, outros 15 assessores também foram denunciados. Apesar de ter sido ajuizada pela Promotoria em 19 de outubro do ano passado, até o momento, o Tribunal de Justiça do Rio não se manifestou sobre o caso. A previsão é de que o Órgão Especial que trata da denúncia se pronunciará até meados deste ano. Caso a Justiça aceite a denúncia, o filho de Bolsonaro e seus ex-assessores se tornam réus. Segundo o MP-RJ, os crimes teriam ocorrido entre 2007 e 2018.
A Promotoria denunciou o senador no Órgão Especial mesmo com recurso pendente no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o foro especial dado ao senador definido pelo TJ-RJ. Chama atenção o fato de que até agora não houve citação do senador no processo, ou seja, Flávio Bolsonaro ainda não foi comunicado oficialmente sobre a denúncia.
Os depoimentos colhidos até o momento apenas reforçam a denúncia do MP, trazendo novos elementos sobre a participação de Fabrício Queiroz e familiares no esquema das “rachadinhas”, com a conivência e favorecimento de Flávio. Os recursos desviados eram repassados para várias contas bancárias, inclusive a da primeira-dama, Michelle.
Bolsonaro, com a mensagem de fim de ano, como se diz em linguagem popular, “passou recibo”, assimilando voluntariamente a denúncia que o incomoda – e muito, pois envolve pessoas do seu círculo familiar mais íntimo – filho, esposa, amigos, etc., a quem considera que tem o dever de proteger a despeito da gravidade dos crimes cometidos, custe o que custar.
Por tudo isso, o episódio promete novos e emocionantes capítulos.
MAC