Senador participou de reunião para ameaçar dirigentes da Receita. Por orientação da Abin, Christiano Paes, chefe do Escritório da Corregedoria da Receita no Rio, foi exonerado do cargo que ocupava há 15 anos
Os advogados de Flávio Bolsonaro e o próprio senador reuniram-se três vezes com integrantes da Receita Federal em meados do ano passado. As duas primeiras reuniões foram oficiais, ou seja, estavam na agenda. A terceira, com a presença de Flávio, foi uma reunião secreta, não registrada na agenda oficial.
TRÊS REUNIÕES PARA PRESSIONAR RECEITA
As informações estavam sob sigilo até agora e só foram obtidas por meio do acionamento da Lei de Acesso à Informação. Segundo o gabinete da Receita, as reuniões foram em 26 de agosto, 4 de setembro e 17 de setembro de 2020.
A primeira reunião, em 26 de agosto, teve a presença das advogadas do senador, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach. Em 4 de setembro, compareceu apenas Juliana Bierrenbach e, em 17 de setembro, participaram Flávio Bolsonaro e Luciana Pires.
Um dia antes da primeira reunião, as advogadas de Flávio Bolsonaro se reuniram com seu pai, Jair Bolsonaro. Estavam presentes, na ocasião, Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, e Alexandre Ramagem, diretor da Agência Brasileira de Informação (Abin). O encontro aconteceu no gabinete presidencial.
A reunião serviu para apresentar documentos que, na visão deles, provariam a existência de uma suposta “organização criminosa” instalada na Receita Federal. Com isso, eles criariam a narrativa de que Flávio Bolsonaro teve o seu sigilo fiscal quebrado ilegalmente pela Receita. O Planalto pretendia usar essa “acusação” para anular a investigação do caso Queiroz.
ORIENTAÇÕES DA ABIN
Em 29 de setembro, Flávio passou a pressionar também o diretor-presidente do Serviço Federal de Processamento de Dados do governo (Serpro), Gileno Gurjão Barreto.
O objetivo era conseguir que a empresa federal de dados também corroborasse a tese do senador de que fora perseguido ilegalmente pela Receita. A pressão sobre o Serpro não foi por acaso. Ela foi resultado de orientação dada pela Abin à defesa de Flávio Bolsonaro.
A Abin produziu pelo menos dois relatórios “secretos” para o senador com o objetivo de ajudar o governo a encobrir o esquema de rachadinha montado no gabinete de Flávio quando era deputado estadual pelo Rio.
O esquema criminoso era uma lavanderia de dinheiro público desviado de funcionários fantasmas para as contas de Fabrício Queiroz, assessor do então deputado.
RECURSOS REPASSADOS À FAMILIA BOLSONARO
Queiroz, por sua vez, repassava os recursos desviados para o deputado e para os demais integrantes da família Bolsonaro, como foi o caso dos 89 mil reais depositados por ele na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Um dos relatórios ilegais confeccionados pela Abin dizia que a defesa do senador devia solicitar ao Serpro uma apuração especial sobre os dados da Receita e que três “elementos-chave dentro do grupo criminoso” da Receita deveriam ser neutralizados. “Sobre estes elementos pesam condutas incompatíveis com os cargos que ocupam, sendo protagonistas de diversas fraudes fartamente documentadas”, diz o texto da Abin, sem especificar que condutas incompatíveis eram essas.
Os “elementos-chave” seriam o corregedor José Barros Neto, corregedor da Receita; o chefe do Escritório de Inteligência da Receita no Rio, Cléber Homem; e Christiano Paes, chefe do Escritório da Corregedoria da Receita no Rio. Em 3 de dezembro, o servidor Christiano, apontado pelo relatório da Abin, foi exonerado do cargo que ocupava há mais de 15 anos.
ABIN ATUAVA NO CASO DESDE 2019
As informações contidas nos relatórios mostram que as articulações do Planalto envolvendo a Abin já vinham desde o ano de 2019.
“Permanece o entendimento de que a melhor linha de ação para tratar o assunto FB [Flávio Bolsonaro] e, principalmente, o interesse público é substituir os postos conforme relatório anterior. Se a sugestão de 2019 tivesse sido adotada, nada disso estaria acontecendo, todos os envolvidos teriam sido trocados com pouca repercussão em processo interno na RFB [Receita Federal]”, diz outro trecho do relatório da Abin.
A intimidação ao Serpro e à Receita Federal por parte da Abin e do governo federal foi tão escandalosa que um dos documentos, obtidos pela imprensa, afirma, sem a menor cerimônia, ter como finalidade “defender FB [Flávio Bolsonaro] no caso Alerj, demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”.
A existência do relatório foi confirmada pela revista “Época” no dia 11 de dezembro. De acordo com a reportagem, a Abin produziu pelo menos dois relatórios de orientação para Flávio e seus advogados sobre o que deveria ser feito para obter os documentos que permitissem embasar um pedido de anulação do caso Queiroz.
A certeza da impunidade dos agentes secretos da “Abin paralela” de Bolsonaro era tanta que os relatórios foram encaminhados ao senador via WhatsApp. O “zero um” do presidente enviou, na sequência, os relatórios para a sua advogada.
ADVOGADA CONFIRMOU RELATÓRIOS “SECRETOS”
Em entrevista, a advogada de Flávio, Luciana Pires, admite que recebeu os relatórios mas que não os teria levado em consideração.
A advogada disse, na entrevista de 20 de dezembro de 2020, que o material continha sugestões do presidente da Abin, Alexandre Ramagem. “Não fiz nada. Não vou fazer nada do que ele (Ramagem) está sugerindo. Vou fazer o quê? Não está no meu escopo. Tem coisa que eu não tenho controle”, afirmou a defensora.
“Todo o material que ele (Ramagem) passou para a Abin foi eu que passei. (…) Eu mandei pronto para ele. Ele não descobriu nada. Inclusive, isso foi pauta na reunião”, acrescentou Luciana.
A flagrante intimidação do governo e da Abin aos órgãos que investigam os crimes de Flávio Bolsonaro foram também dirigidas ao Ministério Público do Rio, que, no final de outubro, denunciou o senador pelos crimes de lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa.
Em discurso no final do ano, Jair Bolsonaro usou sua live para se dirigir diretamente aos integrantes do MP do Rio.
“Ministério Público do Rio. Preste bem atenção, aí. Imagine se um dos filhos de autoridade do Ministério Público do Rio de Janeiro fosse acusado de tráfico internacional de drogas? O que aconteceria? Vocês aprofundariam ou mandariam o filho desse… dessa autoridade para fora do Brasil e mandariam arquivar o inquérito? Que fique bem claro que é um caso hipotético”, disse o presidente.
A “mensagem” tem o objetivo claro de manter a pressão sobre o MP-RJ, mas, ao fazê-la, Bolsonaro admite, mesmo que indiretamente, que o “zero um” tem culpa no cartório. Será que Bolsonaro teria alguma informação privilegiada para tentar acuar os membros do Ministério Público do Rio de Janeiro; ou estaria, simplesmente, blefando?, como questionou o jornalista Marco Antônio Campanella, chefe de redação do HP, em artigo publicado recentemente. Certamente a Abin deve ter a resposta.
S.C.
Até quando teremos que aguentar esses bandidos no palácio do planalto, ainda bem que temos imprensa que não se curva diante dos fatos. Obrigada hora do povo