Ofensas de Trump não intimidam jogadores de futebol americano que repudiam assassinatos de negros por policiais racistas. Manifestações já se estendem ao basquete, ao baseball e a artistas
As ofensas e ameaças de Trump contra os jogadores de futebol americano que têm protestado contra o assassinato de negros desarmados por policiais racistas, com um joelho tocando o chão durante a execução do hino, ao invés de intimidar e paralisar o movimento, isolou o presidente bilionário, que chegou a se referir aos jogadores como “filhos da puta” e a exigir “a demissão” deles. Os protestos se estenderam a mais equipes, chegaram ao basquete (NBA), ao baseball e inclusive a artistas como Steve Wonder. 75% dos jogadores da NFL – a liga de futebol americano – são negros.
Nos últimos anos, a luta contra a impunidade de policiais racistas que matam negros desarmados vem conflagrando os EUA, desde o escândalo do assassinato do jovem Michael Brown, tristemente famoso pelo “mãos ao alto, não atire”, trazendo para a luta contra o racismo toda uma nova geração no movimento Vidas de Negros Importam. Foi nesse contexto que um dos maiores craques do esporte, Colin Kaepernick, do San Francisco 49ers, iniciou ainda no último ano de mandato de Obama ‘o protesto do joelho’, e foi colocado na lista negra pelos proprietários dos times da NFL, estando sem contrato na atual temporada. Nos EUA, onde o esporte é privatizado, todo time tem um dono.
Não é a primeira vez que atletas se levantam contra o racismo e a opressão. Nos anos 1960, o gesto do punho erguido dos Panteras Negras se repetiu muitas vezes nos estádios e pistas de atletismo; o grande Muhamad Ali ficou sem o cinturão de campeão por se recusar a lutar na guerra de agressão ao Vietnã. Meio século depois, foi a vez de Kaepernick: seu exemplo frutificou e começou a ser seguido por outros jogadores, ainda sem tanta repercussão e ele virou capa da Time.
MANÍACO DO TWITTER
Mas o que fez o movimento explodir foi exatamente a intervenção de Trump, que em 30 horas cometeu 20 tuitadas procurando se criar em cima do protesto, que chegou a caracterizar como coisa de negros “ingratos” e “pagos em excesso”. Isso num momento em que ameaçava ir à guerra contra a Coreia, rasgar o acordo com o Irã, com Porto Rico devastado pelo terceiro furacão no Golfo em poucos dias e, portanto, não faltava com o que se preocupar.
Se a ideia era coesionar sua base de débeis mentais – os ‘supremacistas brancos’ – com perorações sobre negros que não respeitam o hino e desviar os holofotes dos seus fracassos, o tiro saiu pela culatra. Que Trump achava que poderia ter algum ganho político provocando a comunidade afroamericana parece evidente, já que ele também dirigiu suas baterias contra os jogadores do basquete. Anunciou que estava retirando o convite para recepcionar na Casa Branca o time vencedor do campeonato da NBA, os Golden State Warriors, porque um dos seus craques, Stephen Curry, dissera estar contra ir.
O outro craque do time, LeBron James, se solidarizou com Curry e repeliu a pressão de Trump. O ex-astro do basquete Michael Jordan, que sempre evitou polêmicas, assumiu a defesa de Kaepernick, dizendo que quem exerce o direito de se expressar pacificamente “não deve ser demonizado ou posto no ostracismo”. Na semana passada, o protesto chegou à liga do baseball, com o jogador Bruce Maxwell se ajoelhando durante o hino.
“ESTÁ DEMITIDO!”
Na mesma semana, em um comício no Alabama, Trump havia açulado seus seguidores: “vocês não gostariam de ver um desses proprietários da NFL, quando alguém não atende a bandeira, mandar o filho da puta para fora do campo, dizer que está demitido?”. Como resposta, seus cabos eleitorais urraram “USA! USA!USA!”. Mas o que ele conseguiu foi se isolar até dos donos de time, que haviam doado à campanha dele US$ 8 milhões, e acharam conveniente sair em defesa de seus craques e equipes. Até cantores que interpretam o hino na abertura dos jogos passaram a fazer o protesto do joelho, como em Detroit e Nashville. O dono do Dallas Cowboy, Jerry Jones, se ajoelhou junto com toda a sua equipe e treinadores.
Trump chegou até mesmo a conclamar por um boicote dos jogos de futebol americano, para forçar os donos de time a demitirem os jogadores que estão protestando. “Você não pode ter pessoas desrespeitando nosso hino nacional, nossa bandeira, nosso país, e é isso que eles estão fazendo”, voltou a dizer em entrevista. Também tentou tirar uma casquinha da popularidade dos pilotos da Nascar (automobilismo), mas no dia seguinte foi rechaçado pelo ídolo das pistas Dale Earnhardt Jr. Não teve melhor sorte ao tentar se escorar no jogador de futebol americano Pat Tillman, que após o 11 de Setembro resolveu se alistar para combater no Afeganistão, onde morreu por ‘fogo amigo’. Acabou admoestado pela viúva do jogador, Marie, que asseverou que seu marido tinha morrido “para proteger o direito de protestar pacificamente”.
Quando se recusou a ficar de pé para a execução do hino dos EUA em agosto de 2016, Kaepernick afirmou que “não ia mostrar orgulho pela bandeira de um país que oprime os negros”. Ele acrescentou que seu protesto era “maior do que o futebol” e seria egoísta da parte dele “virar a cara para o outro lado”, enquanto havia “corpos na rua” e os assassinos se safavam impunes e com paga. O alvo não era Trump, mas a impunidade dos policiais racistas assassinos, mas como ele resolveu chamar a bronca para si mesmo, agora que aguente. A hashtag #TakeTheKnee (#ToqueComJoelho) não para de se espalhar nas redes sociais e de receber novas adesões, para azar do aprendiz de feiticeiro e encenador contumaz Trump.
ANTONIO PIMENTA