O anúncio de que a Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom) entrou com reclamação no Cade contra a Petrobrás, porque a empresa estatal estaria “oferecendo preços abaixo da paridade internacional”, é, como se dizia antigamente, sui generis.
Primeiro, porque a política do atual presidente da Petrobrás, Pedro Parente, tem sido, exatamente, a oposta: a de manter os preços da Petrobrás acima dos preços internacionais.
Segundo, porque esses importadores acham que é obrigação da Petrobrás manter preços que facilitem os seus lucros com a importação de gasolina e diesel. É somente à custa da Petrobrás que eles pretendem ganhar – e só assim acham que podem ganhar. Logo, para eles, a função da Petrobrás é garantir-lhes os lucros.
Nem mesmo estamos nos remetendo, aqui, àquela estupidez – e falta completa de compromisso com o país – segundo a qual os preços internos da Petrobrás teriam que ser iguais (“paritários”) aos preços internacionais, que, evidentemente, são preços de monopólio, determinados pelo cartel das petroleiras.
Se a Nação tanto lutou para construir a Petrobrás, foi, exatamente, para que não estivéssemos submetidos à extorsão dos preços de combustíveis, estabelecidos pelo que Enrico Mattei, presidente da ENI no início da década de 60, chamou “as sete irmãs” – que, hoje, nem sete são.
Mas, aqui, o problema é pior.
Sob Parente, Temer e outros bandidos, a política oficial é manter os preços internos dos combustíveis acima dos externos. Por exemplo, ao anunciar novos preços para a gasolina e o diesel, em dezembro último, diz o comunicado: “a decisão mantém inalterada a política de preços em vigor, reafirmando o compromisso da companhia de operar sempre com margem positiva acima da paridade internacional” (cf. Petrobras, “Petrobras anuncia avaliação de preços de diesel e gasolina”, 01/12/2017).
Daí, os sucessivos aumentos de combustíveis.
É óbvio, como aponta a Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), que essa política tem o objetivo de favorecer “os produtores norte-americanos, os ‘traders’ multinacionais, os importadores e distribuidores de capital privado no Brasil. Perderam os consumidores brasileiros, a Petrobras, a União e os estados federados com os impactos recessivos e na arrecadação” (AEPET, “Política de preços de Temer e Parente é ‘America First!’”, 12/12/2017).
Mas, se é assim – e, realmente, é -, de que estão se queixando os importadores de combustíveis reunidos na Abicom?
Uma pista importante é que a Shell – ou a sua subsidiária, a Raízen – não assinou a reclamação ao Cade, assim como nenhum grande importador. Nem as maiores tradings que importam combustíveis, nem a Ipiranga, hoje pertencente ao Grupo Ultra.
Pelo contrário, quanto à última, o diretor-superintendente da Ipiranga declarou, em novembro, que havia um mundo de oportunidades nas importações de combustíveis, com a “nova” política de preços da Petrobrás (literalmente: “Vemos oportunidades não só de capturar alguma arbitragem que surja, no curto prazo, mas, mais do que isso, é a visão de longo prazo que as companhias mais estruturadas, com mais escala, têm oportunidade de se diferenciar e capturar benefícios que um mercado mais dinâmico pode oferecer”. Traduzindo: ‘com a Petrobrás cobrando mais que o preço dos combustíveis importados, vamos ganhar vendendo mais caro o que compramos mais barato no exterior’).
IMPORTAÇÕES
Em 2017, as importações de gasolina aumentaram 53,39%, em relação a 2016.
O que significa que, em metros cúbicos, a gasolina importada passou de 6,80% do consumo em 2016 para 10,17% em 2017 (usamos, aqui, como medida do consumo, os números de vendas, em metros cúbicos, das distribuidoras, divulgados pela Agência Nacional do Petróleo).
As importações de diesel aumentaram, no mesmo período, 63,61%.
Em termos de parcela do consumo, o óleo diesel importado foi de 14,59% para 23,65%.
As importações de etanol aumentaram 119,39%, o que é uma loucura, para um país que tem uma extensa área plantada de cana.
Trata-se de uma substituição do etanol de cana, fabricado aqui, pelo etanol de milho, importado dos EUA, muito mais caro. Em 2017, um terço das exportações de etanol dos EUA foram para o Brasil (cf. RFA, “2017 U.S. Ethanol Exports and Imports, Statistical Summary”, p. 3).
O etanol importado, em metros cúbicos, passou de 5,71% para 13,38% do consumo, medido pela quantidade física de vendas.
Um resumo está no seguinte quadro:
Este quadro não é devido – como foi em passado recente – ao estrangulamento da capacidade de refino do Brasil, isto é, à capacidade de refino da Petrobrás.
É verdade que a origem dele está nesse estrangulamento – que os governos Lula e Dilma resolveram enfrentar com importações, e não com o aumento da capacidade de refino do país, exceto pela construção da Refinaria do Nordeste Abreu e Lima (RNEST), o que pouco alterou a situação.
Aqui, é forçoso frisar – porque é óbvio – que o interesse dos governos do PT quanto à Petrobrás jamais esteve, principalmente, em resolver os problemas de abastecimento do país, mas em armar um esquema de sobrepreço e propina com o cartel das empreiteiras, ou seja, em saquear a estatal.
Aliás, o que ocorreu na RNEST é uma prova disso (v. nosso livro “Os Crimes do Cartel do Bilhão contra o Brasil: o esquema que assaltou a Petrobras“, Fundação Claudio Campos, 2016, p. 60 e p. 81).
Como todas as coisas que já estavam embutidas no governo Lula (algumas, como os juros altos do sr. Meirelles, nem mesmo estavam “embutidas”), no governo Dilma – e de seu vice, Michel Temer – as importações de combustíveis tornaram-se um dilúvio.
Assim, as importações de gasolina – em volume físico – aumentaram 430% entre 2010 e 2017.
As de diesel, que já tinham triplicado de 2009 para 2010, mesmo assim aumentaram 44% entre 2010 e 2017.
Quanto ao etanol, o fato da balança comercial de 2017 ter sido negativa (importamos mais etanol do que exportamos) parece um comentário suficiente sobre a questão (em dólares, as importações de etanol aumentaram 2.196% entre 2010 e 2017).
Simplesmente, as multinacionais monopolizaram o mercado do etanol, com a complacência – melhor seria dizer, cumplicidade – de Lula, Dilma, Temer et caterva.
REDUÇÃO
Enquanto isso, a capacidade ociosa do conjunto das refinarias brasileiras, que era de apenas 2% em 2013, em 2016 estava em 20% (cf. ANP, Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2017, p. 98).
Os cálculos dos engenheiros da Petrobrás dão resultado ainda maior, quanto à capacidade ociosa:
“Em 2016, 24% da capacidade de refino nacional ficou ociosa. Nos nove primeiros meses de 2017, a ociosidade das refinarias da Petrobras foi de 22%.
“Ao mesmo tempo, os preços relativos do diesel pago aos produtores e importadores no Brasil se elevou de 1,02 (2011) para 1,67 (2016) e 1,50 (jan.-set. 2017) vezes o preço do diesel no mercado internacional.
“O aumento relativo dos preços da Petrobras viabiliza a importação de derivados por seus concorrentes que ocupam o mercado da estatal que fica com suas refinarias ociosas” (AEPET, doc. cit.).
A própria diretoria da Petrobrás reconhece que, com essa política, houve uma redução da receita da empresa, no mercado interno, de quase oito bilhões:
“Redução da receita no mercado interno (R$ 7.784 milhões), reflexo de: retração no volume de vendas de derivados, em função da colocação de produtos por importadores, com destaque para o diesel (R$ 6.962 milhões) e a gasolina (R$ 1.269 milhões)” (Petrobras, Resultados consolidados 3T17, 2017, cit. in AEPET, doc. cit.).
MONOPÓLIOS
De 2016 para 2017, a Petrobrás reduziu sua participação nas importações, como podemos ver neste outro quadro:
Então, se o quadro é esse, que empresas fizeram 78,6% das importações de gasolina, 95,7% das importações de diesel e 100% das importações de etanol, em 2017?
Há, na Agência Nacional do Petróleo (ANP), 431 “agentes autorizados” a importar combustíveis.
Somente em dezembro último, a ANP autorizou mais 12 empresas (inclusive a Azul Linhas Aéreas) a importar combustíveis.
Mas, quem são os grandes importadores?
Entre eles estão a Shell (e a Raízen), a ExxonMobil, a Chevron, a British Petroleum (BP), a Halliburton, a francesa Total, a norueguesa Statoil, a Repsol.
Todas essas petroleiras (até a Halliburton, que teoricamente é uma empresa de serviços da área petrolífera) têm licença para importar combustíveis – e, efetivamente, importam, ganhando com a política de preços do sr. Parente.
Além delas, têm licença para importar, os monopólios estrangeiros supostamente da área de alimentos. Por exemplo, a Archer Daniels Midland (ADM), maior produtora de etanol de milho dos EUA, a Cargill, a Bunge e a Noble.
Por fim, há outras multinacionais (Alcoa, Du Pont, Glencore, Unilever); estão lá, também, as empreiteiras do cartel que saqueou a Petrobrás; e até o BTG Pactual, do banqueiro favorito do PT, André Esteves, através de uma subsidiária de nome BTG Pactual Commodities S/A.
Todas ganhando muito dinheiro com a importação de combustíveis, devido à política de preços imposta à Petrobrás.
Porém, junto aos grandes predadores, há os pequenos, que parecem rêmoras, aqueles peixes que comem os restos de comida dos tubarões. Pelo menos, eles parecem pensar que essa é a vida ideal para eles.
Todavia, não é essa a lógica do monopólio. Os pequenos, ali, tendem a ser quebrados pelos grandes, ao invés de ser alimentados por estes.
Daí a grita da Abicom. São os pequenos importadores que estão sem fôlego – ou sem comida – devido à ação dos grandes.
Mas, acham eles, é mais fácil tirar mais um naco da Petrobrás, fazendo-a aumentar ainda mais os seus preços, para que possam também ganhar.
No entanto, mesmo que isso acontecesse, a tendência seria esse espaço ser ocupado pelos monopólios – e não pelas rêmoras.
Em síntese, essa opção por ser parasita dos grandes parasitas está fadada ao fracasso. Não apenas devido aos monopólios externos, mas porque o governo Temer & sua quadrilha têm data marcada para prestar contas com o povo – e com a Justiça.
Onde, inclusive, terão que responder pela criminosa política de preços que impuseram à Petrobrás.
C.L.