O governo Bolsonaro tinha ciência que o prazo estabelecido pelo Instituto Serum, da Índia, para entregar as 2 milhões de doses da vacina contra Covid-19 da AstraZeneca para o Ministério da Saúde vai até o mês de abril. Mesmo assim, tentou pressionar o laboratório e o governo indiano para trazer as doses do imunizante para o Brasil afim de impedir que a imunização fosse iniciada com a CoronaVac, do Instituto Butantan.
Tanto no contrato, quanto na ordem de pagamento já definidas entre as partes brasileiras e indianas, fica claro que o prazo de embarque é de 90 dias. A ordem de pagamento (veja a foto abaixo) foi assinada no dia 8 de janeiro de 2021.
Bolsonaro chegou a enviar uma carta ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, o pressionando para cooperar.
O governo anunciou a partida de um avião (devidamente adesivado) para a retirada das vacinas do Instituto Serum. Depois de dois adiamentos, o voo para o Oriente foi cancelado na quinta-feira (14).
Ou seja, na prática, tudo que aconteceu na semana passada foi uma tentativa de pressionar a Índia para enviar a vacina, o que podia dar certo, ou não. E obviamente, no grito, não aconteceu.
O governo indiano desmontou a farsa montada pela turma de Bolsonaro, alertando que seria “muito cedo” para discutir o envio das vacinas a outro país. A Índia iniciou a sua campanha de imunização no sábado (16).
“É muito cedo para dar uma resposta específica sobre insumos para outros países, já que estamos ainda organizando a produção e a entrega. Nós vamos tomar decisões sobre isso na hora adequada, e isso pode levar tempo”, afirmou o porta-voz das Relações Exteriores, Anurag Srivastava, durante uma coletiva de imprensa.
Sem grandes detalhes, o Ministério da Saúde e o Itamaraty se limitaram a dizer que o adiamento (que deveria ser de dois ou três dias) se deu por “problemas logísticos”.
Depois, Bolsonaro atribuiu o atraso a “pressões políticas” sobre o governo do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, para priorizar a vacinação dos habitantes do país asiático, que começaram neste sábado, mas nada falou sobre os termos do contrato que assinou.
A Índia “é um país com 1 bilhão. Então, resolvesse aí atrasar um ou dois dias até que o povo comece a ser vacinado lá. Porque lá também tem as pressões políticas de um lado e de outro”, disse Bolsonaro em entrevista por telefone à TV Band na sexta-feira (15).
“Isso daí no meu entender, daqui a dois ou três dias no máximo, nosso avião vai partir e vai trazer essas dois milhões de vacinas para cá”.
A informação de dentro do Itamaraty é diferente. Diplomatas admitiram nesta segunda-feira (18), que não existe ainda um prazo claro de quando os insumos poderão ser enviados e nem de quando o avião seguirá para a Índia.
Sem as doses indianas, o governo federal teve de assistir no domingo o início da vacinação em São Paulo, com o imunizante desenvolvido pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac após a aprovação da Anvisa para o uso emergencial da CoronaVac e da AstraZeneca.
MAÍRA CAMPOS