Apagão à vista
Na segunda-feira (19), o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, ameaçou que se a Eletrobrás não for privatizada não manterá a estatal na geração e transmissão de energia. Ou seja, o governo anunciou que, se não entregar a estatal para o capital estrangeiro, vai transformar a Eletrobrás em sucata.
O texto, que prevê a entrega da maior companhia de energia elétrica da América Latina aos ineficazes monopólios estrangeiros, foi enviado ao Congresso Nacional em 2019, mas não avançou por enfrentar ampla resistência da sociedade brasileira e de seus deputados e senadores.
No ano passado, em plena pandemia, ao resistir às medidas emergenciais de combate à Covid-19, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a defender torrar a Eletrobrás, não para garantir mais recursos para hospitais, médicos e UTIs, e sim para usar o dinheiro obtido com a venda da estatal no pagamento de juros a bancos. E foi mais uma vez repudiado pela sociedade.
Sob orientação de Bolsonaro, Albuquerque e Guedes se reuniram para tentar aprovar este ano o desmonte da estatal. Após ter declarado na semana passada que acreditava que os deputados e senadores iriam aprovar a privatização da Eletrobrás no primeiro semestre, o ministro diz agora que não haverá prejuízo se a análise do texto ficar para o segundo semestre de 2021.
Na verdade, o possível adiamento da venda da Eletrobrás para o segundo semestre não passa mais de uma trama do governo para tentar enganar os deputados com vistas a garantir o plano de Bolsonaro para anexar, com a candidatura de Arthur Lira, a Câmara dos Deputados ao Palácio do Planalto.
Esta trama é a mesma que foi urdida no recente anúncio do adiamento da “reestruturação” do Banco do Brasil. Tinham que esperar a eleição da Câmara para só depois fechar as agências e promover demissões em massa.
Diante da forte resistência à privatização da Eletrobrás, que só aumentou após o escandaloso apagão no Amapá, gerido por uma “privatizada”, Bolsonaro tenta enganar o Congresso com o anúncio de que estaria trabalhando pelo adiamento da privatização.
APAGÃO E TARIFAS ABUSIVAS
Ao ressaltar que no Brasil, cerca de 60% dos ativos do segmento de geração de energia estão privatizados e que no segmento de transmissão 85% das linhas são operadas por empresas privadas, o engenheiro nuclear e doutor em energia pela USP, Joaquim Francisco de Carvalho, afirmou que a “privatização produziu um resultado oposto do prometido quando as estatais de energia começaram a ser privatizadas”.
“Veja-se o que aconteceu recentemente no Amapá. Ao contrário do que faria uma pública, a empresa Gemini Energy, atual responsável pelo suprimento elétrico daquele estado, optou por maximizar lucros, negligenciando os investimentos na manutenção do sistema. O resultado foi um apagão que durou três semanas”, lembrou o engenheiro em artigo publicado no instituto ILUMINA.
“O setor privado pouco investiu, obrigando o governo a continuar investindo na expansão do sistema. E, em vez de mais baratas, as tarifas para o setor residencial subiram mais de 55% e as do setor industrial subiram cerca de 130% acima da inflação, provocando a falência de inúmeros estabelecimentos industriais, desempregando centenas de engenheiros e milhares de operários qualificados e dando início ao processo de desindustrialização do Brasil. Sobrou a Eletrobrás, que agora o governo quer privatizar, sem apresentar um motivo plausível para isto”, denunciou o especialista.
Francisco de Carvalho destacou ainda que, se a Eletrobrás for privatizada, o Brasil será o único país a vender as suas hidrelétricas. “Nos Estados Unidos estas pertencem e são exploradas por entidades públicas. O Canadá, a Noruega, a Suécia, o Brasil e a Venezuela são os únicos países em que a energia hidráulica é a principal fonte primária para a geração de energia elétrica. Em todos eles, as hidrelétricas são estatais. Exceto a Venezuela, nenhum desses países é socialista”, ressaltou.