A reação à soltura de Joesley Batista, da JBS – e também de Ricardo Saud, diretor do mesmo grupo -, pelo juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal de Brasília, praticamente define o conteúdo político dessa decisão: basta ver as comemorações do PT e de seus satélites.
Um deles escreveu: “Decisão sobre Joesley é uma bofetada em Moro e Fachin”, logo repetido por todos os tolos lulistas. Em suma, para esse pessoal, Moro e Fachin merecem as bofetadas que eles não têm coragem de dar. Quanto à Joesley, esse ladrão, merece a liberdade…
Não é à toa que o candidato deles é o Lula. Aliás, é por isso mesmo que Joesley, que, com suas propinas, financiou Lula, Dilma e Temer, se transformou em seu herói.
No entanto, isso é apenas uma confissão de corrupção: uns, por dinheiro, outros por tolice ou estupidez.
Quanto à sentença, em si, ela é absurda no próprio fundamento.
Diz o juiz: “O Requerido [Joesley] tem residência conhecida, ocupação lícita e colabora com as investigações, sem notícia de antecedentes que o desabone”.
Se roubar o Estado e passar propina (atividades que Joesley confessou) for uma “ocupação lícita” e se passar a perna na Procuradoria Geral da República e no STF for “colaboração com as investigações”, talvez o juiz tenha razão.
Talvez. Porque nem assim é possível dizer que não há “notícia de antecedentes que o desabone”.
Quanto à “residência conhecida”, a certeza do juiz é tanta, quanto a este item, que ele próprio decretou a apreensão do passaporte de Joesley e a proibição de deixar o país.
A única coisa que distingue Joesley de outros ladrões que povoam as prisões do país, é que ele é um ladrão rico.
E antes que digam que o juiz não poderia fazer um “pré-julgamento”, acrescentamos que foi Joesley que confessou seus crimes. Não é preciso qualquer “pré-julgamento”, ou mesmo julgamento, para chegar a essa conclusão.
A PRISÃO
O processo que está nas mãos do juiz Marcus Vinícius Reis Bastos é sobre o crime de “obstrução à investigação de organização criminosa”, cometido por Joesley e Ricardo Saud.
Esse crime foi revelado pelo então procurador Rodrigo Janot, ao divulgar as gravações de Joesley e Saud, após a aprovação pelo STF do seu acordo de colaboração com a Procuradoria Geral da República (PGR).
Essas gravações foram, em meio a outras, encaminhadas à PGR pelo próprio Joesley – que as apagara, mas a perícia da Polícia Federal as reconstituiu.
Os demais processos contra Joesley & cia. não estão com o juiz Marcus Vinícius Reis Bastos.
No entanto, o juiz considerou que esse processo por obstrução à investigação é autônomo em relação aos outros. Daí achar-se competente para emitir a ordem de soltura para Joesley.
O juiz interpretou dessa forma a decisão do ministro Fachin, que remeteu o processo para a Justiça Federal de Brasília.
Foi o STF quem decidiu a prisão preventiva de Joesley. Porém, como não há réus com direito a “foro privilegiado”, o ministro Fachin enviou o processo por obstrução da investigação para Justiça Federal de Brasília.
NOVA VARA
No final do mês passado, a Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), determinou a passagem dos processos da Operação Zelotes – inclusive os dois em que Lula é réu – para a recém-criada 12ª Vara, do juiz Marcus Vinícius Reis Bastos.
Antes, esses processos estavam com o juiz federal Vallisney de Oliveira, da 10ª Vara da Justiça Federal.
Foi remetido, também, para o juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, o processo a que Joesley responde por obstrução da Justiça.
O interessante (pelo menos, é o que interessa, nesse caso) é que o juiz Marcus Vinícius Reis Bastos não analisa, em sua decisão de soltar Joesley, se sua prisão é ou não necessária, exceto pelo seu aspecto mais superficial.
Diz o juiz:
“… verifico que a sua prisão temporária foi decretada em 08 de setembro de 2017 e convertida em prisão preventiva em 14 de setembro de 2017 (AC 4352/DF, que tramitou perante o STF), estando o Requerido encarcerado preventivamente há exatos seis meses, prazo muito superior aos 120 dias previstos para a conclusão de toda a instrução criminal e flagrantemente aviltante ao princípio da razoável duração do processo (Lei n° 12.850, de 02.08.2013, art. 22, § único)”.
Com isso, o juiz parece acreditar que um suposto prazo – e não a necessidade – determina se alguém deve ficar ou não sob prisão preventiva.
É exatamente o contrário do que diz o Código de Processo Penal:
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
“Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.”
O Código de Processo Penal (CPP) não determina qualquer prazo para a prisão preventiva, exatamente porque a questão é de necessidade – e, dependendo desta, o prazo pode variar muito. Por isso, o CPP determina os motivos da prisão preventiva, não o seu prazo.
Quanto ao dispositivo invocado pelo juiz (o artigo 22, parágrafo único da nova “lei de organizações criminosas”, aprovada no governo Dilma), ele é o seguinte:
“A instrução criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis em até igual período, por decisão fundamentada, devidamente motivada pela complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu.”
Não há, nesse dispositivo, nenhuma limitação ao que diz o Código de Processo Penal.
Joesley não estava preso em função da instrução criminal, mas em função da necessidade de impedir que continuasse a sua ação deletéria.
Como escreveu o ministro Fachin ao decretar a prisão temporária – depois convertida em preventiva – de Joesley:
“Tal atitude [de esconder circunstâncias de sua colaboração “premiada”] permite concluir que, em liberdade, os colaboradores encontrarão os mesmos estímulos voltados a ocultar parte dos elementos probatórios, os quais se comprometeram a entregar às autoridades em troca de sanções premiais, mas cuja entrega ocorreu, ao que tudo indica, de forma parcial e seletiva. Dessa forma, como requerido pelo PGR, resta presente a indispensabilidade da prisão temporária pretendida, a qual não encontra em outras cautelares penais alternativas a mesma eficácia.
“Quanto aos colaboradores Joesley Mendonça Batista e Ricardo Saud, são múltiplos os indícios, por eles mesmos confessados, de que integram organização voltada à prática sistemática de delitos contra a administração pública e lavagem de dinheiro. A prisão temporária, quanto a eles, como requerida pelo MPF, é medida que se impõe”.
O que mudou, quanto a isso, nos seis meses que decorreram, desde a decisão de Fachin?
Nada, exceto o juiz.
C.L.
Ótimo texto, Seu Lopes!