O professor Ronaldo Gomes Carmona, do curso de Mestrado em Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em entrevista ao Jornal Pequeno, resgata o conteúdo de pesquisa divulgada, recentemente, que revela a possibilidade da existência de 20 bilhões a 30 bilhões de barris de óleo na Bacia Pará-Maranhão.
O estudo foi promovido pelo ex-diretor da ANP, Allan Kardec Duailibe, também professor da UFMA, em conjunto com o geólogo e consultor Pedro Zalán e o próprio Carmona, que também é professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro.
Os resultados da pesquisa já foram apresentados ao governador Flávio Dino, bem como aos representantes das federações das indústrias do Maranhão e do Pará. O governador do Pará, Helder Barbalho, também conhecerá o estudo.
Segundo Carmona, na mesma entrevista, o potencial da área em estudo é de 20 a 30 bilhões de barris de óleo. “Mas é preciso ‘furar poço’ para tornar esse potencial uma realidade”, frisou o pesquisador, explicando que a bacia sedimentar Pará-Maranhão reúne o litoral leste paraense e o litoral oeste maranhense. O fato era desconhecido das autoridades maranhenses e paraenses.
Pela importância do tema e a relevância das informações prestadas pelo professor Carmona para os interesses estratégicos do Brasil, em especial, da região que integra os estados do Maranhão e do Pará, reproduzimos, na íntegra, a entrevista concedida ao Jornal Pequeno.
(MAC)
JORNAL PEQUENO: Como foi possível chegar à conclusão sobre a existência deste novo pré-sal?
RONALDO GOMES CARMONA: Nos últimos anos foram descobertas, e já começaram a ser exploradas, reservas petrolíferas volumosas na Guiana e Suriname, aqui ao lado na franja norte da América do Sul e do outro lado do Atlântico, em Gana e Costa do Marfim, na África. Como dissemos na Nota Técnica que apresentou estas projeções de petróleo recuperável no Maranhão, do ponto de vista geológico, a margem continental de Gana e Costa do Marfim são as margens homólogas, “gêmeas” do norte da América do Sul, sugerindo com isto que as mesmas condições existentes tanto a Oeste (Guiana-Suriname), quanto a Leste, do outro lado do Atlântico Sul (Gana-Costa do Marfim) se repetiriam aqui na Margem Equatorial brasileira. Diante desta identidade geológica e das recentes descobertas, uma grande empresa internacional especializada, a TGS, realizou uma minuciosa aquisição de dados sísmicos na Margem Equatorial brasileira – região que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte -, onde identificou especialmente na bacia sedimentar Pará-Maranhão, que abrange todo o litoral oeste do Maranhão, bem longe das águas rasas (a cerca de 300 quilômetros mar a dentro), uma centena de pontos (chamados tecnicamente de “prospectos”) com elevados indícios de existência de petróleo. Apenas um “prospecto” das mesmas características em exploração na Guiana, o gigantesco campo de Lisa, explorado pela ExxonMobil, já produz 120 mil barris por dia.
JP: Qual seria a estimativa de produção deste novo pré-sal?
CARMONA: O estudo estima, com base em dados sísmicos – uma espécie de “raio-x” do leito marinho -, entre 20 e 30 bilhões de barris, portanto mais de meia província petrolífera do “Pré-Sal” no Sudeste brasileiro, onde o já descoberto alcançou 40 bilhões de barris. Dizemos “Pré-Sal” principalmente pela magnitude das reservas potenciais, e não pelo óleo, como no Rio, estar debaixo de espessas camadas de sal, inexistente na Margem Equatorial, ao contrário do Sudeste brasileiro. Aqui no litoral maranhense, abaixo de uma lâmina d’agua de 2 a 3 mil metros, estarão as formações rochosas a serem perfuradas. É preciso agora “furar poço” para verificar com exatidão e não somente como projeção, o volume a ser recuperável.
JP: Quais são de fato os responsáveis por esta pesquisa?
CARMONA: Assinamos o estudo três pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento: eu, Ronaldo Carmona, que sou professor e pesquisador da Escola Superior de Guerra, o professor Allan Kardec, que foi da ANP e é da engenharia da UFMA, e o Pedro Zalan, uma das melhores cabeças da geologia brasileira, aposente do na Petrobras e hoje consultor. Vale apontar ainda o importante apoio da Fiema a este estudo, que compõe um projeto mais amplo chamado “Pensar o Maranhão”, que envolve temas que vão do Centro Espacial de Alcântara às imensas capacidades e vantagens logísticas do Maranhão, como a Norte-Sul e o potencial portuário desta região. Claro que nenhum de nós três falamos por nossas instituições de origem, mas cada um de nós aporta à pesquisa a partir de sua área do conhecimento acadêmico e profissional.
JP: Pode haver um impacto geopolítico na exploração deste patrimônio natural?
CARMONA: Sim. Há um impacto geopolítico. Primeiro porque a exploração destas expressivas novas reservas fortalece a autossuficiência do Brasil em petróleo e nos colocará em poucos anos como o quinto maior exportador do mundo. O corolário é o fortalecimento da condição do Brasil como uma potência energética, uma vez que energia é um dos mais importantes fatores de poder. Isso tem consequências então para a segurança nacional, visando proteger nossas riquezas do crescente interesse de grandes potências por recursos materiais, sobretudo os energéticos. Para o Maranhão, abre a possibilidade da criação da 2ª Esquadra da Marinha do Brasil, um grande complexo industrial-militar que será instalado no futuro na área do Itaqui-Bacanga, em São Luís, próximo ao Itaqui e à Ponta da Madeira.
JP: E qual será a repercussão do ponto de vista econômico?
CARMONA: Sim. Também será importante pelos impactos econômicos. Ser autossuficiente – não depender de óleo estrangeiro – e ao mesmo tempo exportador, permite ao país buscar aumentar sua apropriação da gigantesca renda do petróleo, quer por meio direto – arrecadação de royalties e participações -, quer pela cadeia industrial e de serviços que se organizará em torno da atividade de exploração de petróleo e gás. Com isso, há um relevante impacto social na geração de milhares de empregos diretos e indiretos, inclusive importante quantidade de empregos de alta qualificação. E o fortalecimento do poder público, do Estado e das prefeituras no Maranhão; para efeito de comparação, em 2019, apenas o Estado do Rio amealhou 3 bilhões de reais em arrecadação. Portanto, maior capacidade de políticas públicas.
JP: E quanto às implicações ambientais?
CARMONA: Os impactos ambientais tendem a ser pequenos, em função inclusive do rigor do Estado brasileiro quanto às contingências necessárias que se exige das empresas na atividade de exploração de petróleo e gás. Todavia não há registros de acidentes na exploração brasileira em águas profundas e a tecnologia já é bastante consolidada. Os concorrentes e antagonistas desta maior projeção do Brasil, no entanto, criam mitos com objetivos de bloquear o acesso a estas riquezas.
JP: Que mitos são esses?
CARMONA: Um deles relaciona-se a suposta existência de recifes de corais, que estariam ameaçados. Isso é um absurdo, pois aqui as águas profundas são turvas e escuras do Amapá ao Maranhão, por influência do delta do Rio Amazonas. Afinal, corais são organismos que necessitam de luz. O outro mito refere-se a ameaças de um improvável derramamento de óleo vir a ser levado para a costa, para os manguezais. Isso só ocorreria provavelmente se mudasse a rotação da terra, uma vez que o curso das águas marítimas nesta região do Brasil, a chamada, pela Oceanografia, “Corrente Norte Brasileira” é muito forte e carregaria qualquer material flutuante para um vórtice situado no meio do Oceano Atlântico Equatorial.
JP: Que perspectivas poderão se abrir, por exemplo, para um estado como o Maranhão?
CARMONA: Não podemos deixar essa imensa riqueza potencial não se transformar em riqueza material que transforme a vida dos brasileiros e aprofunde o desenvolvimento nacional, em especial, no caso, desta região do País, o Maranhão, um Estado paradoxalmente rico (potencialmente), mas figurando nos últimos lugares nas estatísticas brasileiras. Deixar as riquezas petrolíferas no fundo do mar não é uma opção inclusive pela atual transição energética que o mundo vive, que deverá durar algumas décadas, como ocorreu na transição anterior, entre o carvão e o petróleo. Poderá se acelerar à medida em que o desenvolvimento de novas tecnologias que viabilizam e barateiam novas fontes de energia, o que fará que petróleo deixe de ser a fonte dominante, provavelmente substituído por um mix de energias renováveis. Quanto mais a transição energética avança, menor o valor relativo das reservas de hidrocarbonetos.
JP: De que forma o potencial petrolífero desta bacia poderá ser explorado?
CARMONA: Através da inclusão das áreas da bacia Pará-Maranhão nas próximas rodadas de leilões da ANP – a 17ª ocorre em outubro e a 18ª em 2022 –, através das quais as empresas interessadas em explorar compram essa licença, com o pagamento de grandes quantias em bônus. A Petrobras inclusive tem a preferência na aquisição destas áreas. A exploração de petróleo é uma atividade intensiva em capital e tecnologia e constituem cadeias de valor que envolvem empresas de diversas especialidades, de prestação de serviços a atividades industriais. A exploração de petróleo gera um volume enorme de investimentos, pois envolve força de trabalho e tecnologias de ponta para tirar petróleo a 300 quilômetros da costa e a mais de 3 quilômetros no fundo do mar.