Não podia ser mais sintomático o local escolhido por Lira para comemorar sua vitória. O dono da mansão onde ocorreu a festa foi denunciado pelo Ministério Público por se apropriar de R$ 3,8 milhões de verbas públicas
O ex-jogador do Corinthians José Ferreira Neto, o “Neto”, resumiu bem o cinismo e a hipocrisia que representou a festança bolsonarista numa mansão num bairro nobre de Brasília, organizada pelo deputado Arthur Lira, na madrugada de segunda-feira (1).
Logo depois de discursar na Câmara dizendo que sua prioridade seria o combate à pandemia, Lira se dirigiu ao convescote onde ocorreu a aglomeração sem que ninguém fosse visto de máscara.
“Que Deus proteja todos nós e vocês aí, dos políticos brasileiros. O que vocês fizeram ontem (segunda-feira), vocês são uma vergonha para esse país. Tomando champanhe, sem máscara, sem absolutamente nada”, disparou o ex-jogador do Corinthians, logo na abertura do seu programa na TV Bandeirantes. “É tomar champanhe para cadáver”, acrescentou Neto.
Uma das mais animadas participantes da festança era a deputada assassina Flordelis, que matou a tiros o marido numa emboscada armada por ela e alguns filhos do casal. Apesar de ser noite, ela não conseguia esconder a tornozeleira eletrônica que é obrigada a usar.
Durante as investigações do crime que resultou na morte do pastor Anderson do Carmo, a polícia descobriu que o casal frequentava casa de swing (sexo grupal) e que havia relações sexuais entre vários membros da família. Uma das filhas do casal confessou recentemente que o pastor Anderson a molestava sexualmente.
Não podia ser em lugar mais sintomático a festança. A “festa da vitória” do novo presidente da Câmara, que reuniu cerca de 300 pessoas em plena pandemia do novo coronavírus, ocorreu em uma luxuosa casa do empresário catarinense Marcelo Perboni, produtor e comerciante de frutas que é acusado pelo Ministério Público de se apropriar indevidamente de R$ 3,8 milhões. Perboni foi denunciado pelo MP por fraudar a fiscalização tributária ao omitir receitas relativas a saídas de mercadorias. Nada mais natural que bandidos se reunissem na casa de um deles.
Na celebração, deputados, amigos e assessores do novo presidente da Câmara se aglomeraram e, em diversos momentos, trocaram abraços efusivos e brindavam o resultado com taças de champanhe. Não faltou ao regabofe o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, forte interlocutor de Bolsonaro para garantir o balcão de negócios que assegurou a eleição de Arthur Lira.
Ele chafurdou-se no lamaçal dos subornos com dinheiro público e mostrou sua verdadeira face, depois de eleger-se atacando os mesmos com os quais, agora, se alia, na tentativa desesperada de construir sua blindagem no parlamento. A máscara da tal “nova política”, usada demagogicamente por ele para chegar ao Planalto, foi complemente ignorada. De um jeito que nunca se viu no país, calcula-se que nos últimos dias da disputa algo em torno de R$ 3 bilhões foram liberados ou empenhados em favor das emendas dos deputados que se comprometeram a eleger Lira.
Depois da festa, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) cunhou Bolsonaro com o apelido de “tchutchuca do Centrão”.
A farra com as verbas públicas para a compra de votos foi a tônica da eleição da Câmara, pois boa parte desses recursos poderiam ser destinados ao combate à pandemia que continua matando todos os dias no Brasil.
A turma de bolsonaristas que se refestelou na festança de Lira achou uma maravilha os subornos bilionários e o aparelhamento despudorado da máquina pública.
O próprio Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), cantou numa solenidade, há algum tempo, na frente de Bolsonaro e de outras figuras: “se gritar pega centrão, não fica um meu irmão”. Agora todos eles, como disse o deputado paulista, viraram “tchutchucas do Centrão”.
Não faltou nem a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) que, apesar de votar em Baleia Rossi, compareceu na madrugada de segunda-feira à festança de Athur Lira (PP-AL). Foi recebida com xingamentos e pedras pelos “bolsonaristas de raiz”.
Ela rebateu chamando todos eles de “hipócritas” e “vendidos” nas redes sociais. “Há um chilique generalizado dos bolsonaristas. Eu não vendi meu voto”, disse ela. Como se pode ver, a baixaria foi a marca registrada da festa de Arthur Lira&cia.