Novo presidente da Câmara considerou “negacionismo parlamentar” o fato de Maia não ter aprovado os retrocessos nos direitos do povo e na economia pretendidos pelo governo, como a “autonomia” do BC cuja aprovação foi encabeçada por ele na semana seguinte à sua eleição. Diap alerta movimentos sociais e sindicais para “pauta ampla”
Em artigo publicado, neste domingo (14), no Estadão, sob o título “O Brasil superou o ‘negacionismo’ parlamentar”, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), resolveu fustigar o ex-presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
No texto, Lira afirma que Maia passou o ano sem votar “as leis e as reformas de que o País precisa urgentemente”.
“O fato é que passamos o ano de 2020 num negacionismo parlamentar, com a Câmara dos Deputados, sobretudo, negando-se a dar encaminhamento às votações que a sociedade brasileira espera”, disparou.
Na primeira semana de trabalhos da Câmara, Lira despachou a proposta de Reforma Administrativa (PEC 32/20), encaminhada pelo governo em setembro, ao exame da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), gabou-se no artigo.
“Mais um ponto de inflexão da paralisia e do negacionismo parlamentar foi a decisão que tomei de encaminhar à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara a Reforma Administrativa”.
Esta proposta é a “reforma trabalhista” para os servidores públicos, numa clara confissão de que a matéria suprimirá direitos do funcionalismo.
Ele também se vangloriou pela aprovação do projeto, na semana passada, que deu “autonomia” ao Banco Central e a instalação da CMO (Comissão Mista de Orçamento). “Em votação histórica e contundente, 339 deputadas e deputados aprovaram uma questão que estava engavetada e promoveram uma transformação aguardada há quatro décadas na governança do Estado brasileiro”.
As críticas feitas ao ex-presidente da Câmara são injustas e revela sentimento revanchista. Em razão da pandemia, Maia priorizou agenda relacionada ao combate à grave crise de saúde e sanitária que se abateu sobre o Brasil com a chegada da Covid-19.
Sobre o fato de não ter despachado a PEC 32 à CCJ, não havia sentido em fazê-lo, pois o colegiado sequer foi instalado no ano passado. Nenhuma comissão na Câmara ou no Senado trabalhou em 2020.
AGENDA DO MERCADO
A agenda que o novo presidente da Câmara se gaba em priorizar está na contramão da crise que consome o País. Qual a vantagem para a soberania brasileira, a Câmara ter entregue aos agentes financeiros a gestão da autoridade monetária do País?
“Os países ricos pilharam o resto do mundo por séculos, usaram e usam mão de obra dos países pobres a preço de banana, ditam todas as regras do jogo dominando as organizações multilaterais e tem gente que acredita que o sucesso econômico deles é por causa da independência do BC…”, criticou Eduardo Moreira, empresário e ex-banqueiro de investimentos.
E acrescentou: “Com a independência do BC passaremos a ter dois ‘todo-poderosos’ definindo nossos destinos. Um votado pela população e outro escolhido cuidadosamente pelos donos do sistema financeiro. Não adiantará mais somente eleger um presidente progressista para mudar o País”.
“… AGENDA AMPLA COM ACESSO POPULAR RESTRITO”
Também em artigo, o diretor do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), entidade que assessora o movimento sindical brasileiro, Antônio Augusto de Queiroz chama a atenção para a retomada das votações no Congresso “combinando participação presencial e virtual dos parlamentares representa grandes riscos para as conquistas históricas dos trabalhadores e das minorias, de forma geral”.
“Embora a pauta central devesse girar em torno do enfrentamento dos efeitos socioeconômicos da pandemia, com o retorno das comissões, a tendência é que vários projetos nocivos aos movimentos sociais e sindicais sejam desengavetados nesse momento pela maioria parlamentar conservadora nos valores e liberal na economia”, alerta e critica diretor do Diap.
“Com as restrições de acesso ao Parlamento e a consequente redução da capacidade de pressão da sociedade junto aos deputados e senadores, grandes ameaças podem surgir no horizonte”, pontifica.
A verdade é que essa pauta “reformista” que o presidente da Câmara exulta – que de reformista nada tem, nada mais é que a pauta do mercado, que “capturou” no momento a maioria parlamentar contra os interesses do povo brasileiro. Veja como a narrativa é falsa: “Temos de amparar os desesperados enquanto a Covid não é totalmente vencida. Por isso o Congresso tem de reformar. Há uma janela histórica”, escreve Lira no artigo. Em que entregar o Banco Central aos agentes financeiros contribui para “amparar os desesperados enquanto a Covid não é totalmente vencida”?
No momento em que mais a população precisa de serviços públicos de qualidade, em particular de saúde, diante da pandemia, que “reformismo” é esse que intenta reduzir o tamanho e o papel do Estado brasileiro, com a Reforma Administrativa? O resultado, inexorável, será uma precarização ainda maior dos serviços essenciais prestados à maioria da população brasileira que depende desses serviços.
O “reformismo” de Lira, que vai na mesma direção das propostas de Guedes e Bolsonaro, está na contramão da verdadeira modernidade, que o Brasil precisa alcançar, e das melhores práticas diante da realidade que a pandemia do novo coronavírus expôs ao mundo.
MARCOS VERLAINE (colaborador)