“Depois do AI-5 e do “Massacre de Manguinhos”, Sérgio iria ser Professor Assistente na PUC do Rio. E no início de 1974 foi contratado como Economista da FINEP, sendo sua primeira missão participar da elaboração do II PBDCT (Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) do país”, conta Eduardo Costa
Faleceu às 22 horas de ontem, dia 15 de fevereiro, aos 75 anos, Sérgio Goes de Paula, após luta prolongada com uma câncer de pâncreas e metástases no fígado.
Sérgio, filho de Maria Pureza Goes e Raul de Paula, nasceu no Rio de Janeiro, mas com a perda de seu pai, aos três meses de idade, iria ser criado por sua tia até os 7 anos, em uma fazenda de Sergipe. Maria Pureaza, já organizada profissionalmente, pode buscá-lo para que no Rio de Janeiro fizesse sua formação escolar. Mulher engajada, forte e culta, foi sua mais completa referência na vida.
Graduou-se em economia na UFRJ em 1968. Em 1978 completaria o mestrado na USP em Ciências Sociais (Economia Aplicada) com a tese “Alguns aspectos do pensamento conômico em saúde”. Obteve ainda o Doutorado em Ciência Econômica na UniCamp – com a tese: “Morrendo à toa – sobre os limites das relações entre mortalidade e desenvolvimento no Brasil, 1987 ”.
Sérgio Góes primeiro veio à ENSP, Escola Nacional de Saúde Pública da FEENSP (Fundação Ensino Especializado de Saúde Pública), no final de seu curso de graduação para o inovador Departamento de Ciências Sociais. Naquela época eu cursava o mestrado instituído no ano anterior. Foi assim que o conheci e por minha ação política naquele ano, mas principalmente pela citação na minha dissertação de mestrado, na sua capa, de trecho de Máximo Gorki em “As Minhas Universidades”, ganhei sua simpatia, que não era fácil, como eu veria no futuro.
No início de 1969, AI5 já instituído, foi feita uma “limpeza” na ENSP que reduziu muito várias áreas, mas particularmente do Departamento de Ciências Sociais, demitindo vários docentes, entre eles Sérgio Góes. Pouco mais tarde ocorreria no IOC (Instituto Oswaldo Cruz) o chamado “Massacre do Manguinhos”, pela demissão de servidores públicos (na ENSP como era Fundação os contratos eram celetistas e as demissões eram simples sem necessidade de cassações).
Sérgio iria ser contratado como Professor Assistente na PUC do Rio. E no início de 1974 foi contratado como Economista da FINEP, sendo sua primeira missão participar da elaboração do II PBDCT (Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) do país. A seu cargo ficou a elaboração do Capítulo da Saúde. Nesse momento me procurou para conversar, lembrando da citação da minha dissertação, e me convidou a ser seu consultor, através de um contrato com a FINEP. Nos seis meses seguintes elaboraríamos esse plano, com a participação de outos economistas por ele convidados.
Para isso percorremos a Amazônia, de modo muito particular, ouvimos universidades e outros órgãos de pesquisa e divisamos um processo de estimular a formação de projetos e pesquisas através de dois Programas de Estudos: Projetos Populacionais e Epidemiológicos (PEPPE) e Sócio-Econômicos em Saúde (PESES) a partir da Fiocruz. A aprovação formal desse projeto saiu pouco antes do novo Presidente da Fiocruz Vinicius da Fonseca, também economista, assumir. Este chamou ao seu controle na presidência a execução dos programas unificados como PEPPE/PESES.
Já em funcionamento o programa, Sérgio foi inicialmente cedido pela FINEP para trabalhar na Coordenação do PESES, que compartilhou com Sérgio Arouca, inicialmente contratado pelo próprio programa que permitiria atrair e contratar vários quadros importantes para a área social e epidemiológica da ENSP.
Nesse período deu contribuições importantes para a saúde pública publicando um livro estudado até hoje: – (Im)previdência Social – Saúde e Previdência: Estudos de Política Social (em parceria com José Carlos Braga).
Com o encerramento desse programa e após 1985, Sérgio atuou na Casa de Oswaldo Cruz e na presidência da Fiocruz. Na gestão de Paulo Buss, Arouca, Sérgio e eu fomos chamados para iniciarmos a organização do Centro de Estudos Estratégicos, que afinal não se concretizou.
Ao assumir a direção de Farmanguinhos, em 2005, levei Sérgio Goes e outros quadros de alta qualidade comigo para potencializar sua capacidade tecnológica já existente. Sérgio Goes se encarregou da Assessoria de Assuntos Estratégicos. E aí é uma fantástica história até a construção de uma politica de desenvolvimento produtivo nacional em saúde com decisiva e diligente participação dele. Várias publicações foram cuidadosamente organizadas por ele.
Um material de grande importância para o conhecimento das possibilidades da ação econômica e sanitária articuladas na área da gestão em saúde pública. Depois disso, em função da assessoria, passou a cuidar do projeto para o Campus da Mata Atlântica.
Recentemente por ocasião dos 60 anos de aniversário da ENSP, já aposentados, Sérgio e eu organizamos um seminário que recontou a história da ENSP e também da Fiocruz, tão restrita que era ao pós PESES/PEPPE, com grandes lacunas da saúde pública brasileira, especialmente anteriores a 1964. Desde então, suas atividades em projeto passaram a ser no campo de organizar a memória da saúde pública brasileira a partir da ENSP. Trabalho que dificuldades orçamentárias e a pandemia interromperam.
Mas a rica vida profissional de Sérgio foi mais além. De particular importância foram os projetos que desenvolveu para o Instituto Moreira Sales no campo da organização e publicação de material histórico. Entre muitas publicações que coordenou ou contribuiu encontra-se a biografia de Hipolito José da Costa. Apesar de uma grave doença ocular que lhe dificultava muito a visão mantinha suas leituras com o auxilio de lupas e telões de computador doméstico para poder trabalhar.
Sérgio Goes era uma pessoa que podemos chamar de talentosa. Era culto como podíamos simplificar, falava e escrevia bem em inglês e francês. Paris era a cidade de seus passeios mais amados. Mas mais do que isso era estudioso e bastante disciplinado na sua atividade profissional. Nunca precisou vender simpatia, algo avesso a sua natureza. Ao assumir uma atividade, sua dedicação era integral.
Sua vida pessoal estava completa com seus amigos, amigas e amores. Depois de sua Leilah casou-se com a Viviane. E adotou a filha, Tatiana, como sua e à neta Luiza. Paixões candentes de sua vida madura. Essa família o acompanhou com muito amor desde que adoeceu há três anos atrás. Viviane nessa última e dolorosa fase esteve permanentemente ao seu lado.
Nossa amizade foi fruto de inquietude semelhante nesse mundo que compartilhamos. E gostos muito parecidos, além da marcenaria, ceviches e uma boa bebida, um enjoo com os que se entregam aos jogos do poder por oportunismo e burocraticamente se afastam do sofrimento do povo brasileiro.
Eu, tão incompleto, verto aqui as lágrimas pela perda de um dileto irmão que me acompanhou e várias vezes me estimulou a não ceder a estratégias de poder corporativo por mais de 50 anos. A última consulta que fiz a ele sobre assuntos relativos a gestão da pandemia no nosso meio foi inesquecível: “ – continua a dizer a verdade.”
EDUARDO DE AZEREDO COSTA
16 de fevereiro de 2021