A relatora especial da Organização das Nações Unidas Unidas (ONU) sobre as Medidas Coercitivas Unilaterais (MCU) no usufruto dos Direitos Humanos na Venezuela, Alena Douhan, conclamou os Estados Unidos e a União Europeia a levantarem as sanções unilaterais impostas contra o país pelo seu “efeito devastador”.
Ao finalizar uma visita de duas semanas ao país, na última sexta-feira, Douhan disse que suas conclusões preliminares, revelam a gravidade da situação, uma vez que “as sanções exacerbaram as calamidades preexistentes”, tornando as “renúncias humanitárias longas, caras, ineficientes e ineficazes”. Um quadro que aponta para a necessidade de agir rápido, já que o informe definitivo será entregue somente no próximo período de sessões do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em setembro.
Elencando os pormenores dos efeitos arrasadores, a relatora especial alertou que ele se dá não só contra as pessoas que vivem na extrema pobreza, nas mulheres, crianças, indígenas ou pessoas com enfermidades crônicas ou incapacidade, mas é estampado de forma generalizada e atenta contra as mínimas condições de subsistência do conjunto da população.
“Há falta de máquinas, peças de reposição, eletricidade, água, combustível, gasolina, alimentos e remédios; há crescente insuficiência de trabalhadores qualificados, muitos dos quais abandonaram o país em busca de melhores oportunidades econômicas, em particular pessoal médico, engenheiros, professores, juízes e policiais, todos eles com um enorme impacto em todas as categorias de direitos humanos, incluídos os direitos à vida, à alimentação, à saúde e ao desenvolvimento”, ressaltou a relatora.
Devido à complexidade da situação, explicou a relatora, “procurei me encontrar com a mais ampla variedade de pessoas para escutar sua experiência e seus conhecimentos. Me reuni com funcionários governamentais, diplomatas, agências internacionais, líderes da oposição, organizações não governamentais, advogados, médicos, professores, acadêmicos, vítimas de violações de direitos humanos, representantes de empresas privadas e da igreja, bem como de gente comum”.
A especialista observa com extrema preocupação o resultado da ausência de recursos e da relutância de sócios estrangeiros, que acabam influindo na compra dos equipamentos médicos e tecnológicos necessários, reagentes e peças de reposição para a reparação da eletricidade, da água, do gás, do transporte público, da telefonia e dos sistemas de comunicação, escolas e hospitais, minando completamente o direito a uma vida digna.
Apesar do reajuste periódico e do aumento, o valor médio do salário do setor público está estimado em dois ou três dólares mensais, o que cobre menos de 1% da cesta básica de alimentos, colocando cerca de 90% da população no nível da extrema pobreza e fazendo com que as pessoas dependam cada vez mais do apoio social do governo e da ajuda humanitária do exterior.
Outro motivo de extrema preocupação é a falta de gasolina, com o consequente aumento dos preços do transporte e que viola a liberdade de circulação. A situação se agrava ainda mais no meio de uma pandemia, já que impede o acesso aos hospitais e a entrega de medicamentos, especialmente nas zonas remotas do país.
Para completar, a insuficiência de materiais escolares, uniformes e alimentação, anteriormente proporcionadas pelo governo, somada aos problemas de transporte, à falta de eletricidade e à redução da cobertura de internet e telefone, põem em perigo o direito à educação.
SANÇÕES CRIMINOSAS
Impostas pela primeira vez contra a Venezuela em 2005, as sanções ganharam fôlego em 2014 por supostas repressões a protestos, sendo bastante reforçadas a partir de 2015. As mais duras delas foram impostas pelos Estados Unidos, apontando a situação como de “emergência nacional”, que ameaçava sua segurança e política exterior.
Em 2017, Trump impôs sanções contra o governo venezuelano e suas estatais, incluída a petrolífera PDVSA, bloqueando suas transações e o acesso aos mercados financeiros estadunidenses. Em 2018, passadas as eleições presidenciais da terra de Bolívar, endureceu as sanções, com impactos ainda mais terríveis.
Diante da gravidade da situação, Alena solicitou que os países estejam atentos e vigilantes quanto aos os princípios e normas do direito internacional, reiterando que as preocupações humanitárias sempre devem ter em conta a observação ao respeito mútuo, a solidariedade, a cooperação e o multilateralismo.
De nacionalidade bielorrussa, Alena Douhan assumiu seu cargo de relatora especial da ONU em março de 2020. É professora de Direito Internacional na Universidade Estatal da Bielorússia e diretora do Centro de Investigação para a Paz, doutora de direito internacional e de direito europeu, tendo sido vice-reitora da Universidade Internacional Mitso em Bielorrúsia (2016-2019). É autora de mais de 120 livros e artigos sobre a liberdade de opinião, o direito ao desenvolvimento e a arquitetura de sanções criada sob o Conselho de Segurança da ONU e a aplicação de medidas restritivas da UE.
Por outro lado, Miguel Pizarro, sem qualquer prova ou “autoridade” a não ser a de “enviado de Juan Guaidó”, autoproclamado presidente da Venezuela nas Nações Unidas, criticou “as imprecisões da relatora”, dizendo com que a partir dos documentos apresentados a organização fosse usada para “propaganda do regime”.
QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA
O vice-presidente do Conselho Nacional Bolivariano de Direitos Humanos, Juan Martorano, ressaltou em artigo no site Aporrea que entre os pontos centrais que ganharam projeção pela sua gravidade – e que deverão mobilizar as forças comprometidas com a sobrevivência da Venezuela – está o descongelamento dos ativos venezuelanos nos bancos dos Estados Unidos, Reino Unido e Portugal, que ascendem a US$ 6 bilhões.
“É assinalado no referido informe que as linhas elétricas podem trabalhar hoje em dia menos de 20% de sua capacidade. Se estima que o número de venezuelanos que abandonaram o país, desde 2015, em busca de uma vida melhor oscila entre um e cinco milhões. A maioria dos serviços públicos foram diminuídos entre 30% e 50% de seu pessoal, incluído o mais qualificado, o que provocou uma desorganização interna, um aumento da carga de trabalho para o pessoal restante, uma redução dos serviços e uma diminuição de qualidade”, explicou Juan Martorano.
Ainda assim, recordou o humanista bolivariano, o informe da relatora aponta que 90% das residências estão conectadas ao sistema nacional de distribuição de água. No entanto, frisou, “numerosos lares denunciam interrupções frequentes devido aos cortes de eletricidade e que afetam às bombas de água e à manutenção das infraestruturas e à escassez de pessoal qualificado. A distribuição de água somente pode ser feita ‘por turnos’ para garantir a entrega a toda a população e a maioria das casas somente pode ter acesso à água uma ou duas vezes por semana durante várias horas. Devido aos impedimentos comerciais, o uso de agentes químicos para tratar e purificar a água para fazê-la potável foi reduzido em 30%”.
Outro dado que merece ser destacado do informe da ONU, alertou Juan Martorano é quanto à importação de alimentos. “Assinala Alena Douhan que este item, que constitui mais de 50% do consumo de alimentos, provocaram o crescimento constante da desnutrição nos últimos seis anos, com mais de 2,5 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave. Os mecanismos para enfrentar esta situação incluem a diminuição do número de refeições ao dia (uma ou duas em lugar de três); a redução da quantidade e da qualidade dos alimentos; a descapitalização/venda de móveis e utensílios para comer; e a redução dos gastos em saúde, roupa e educação, com um consequente aumento das crises familiares, das tensões, da violência e das separações, do trabalho infantil; a participação na economia clandestina; a atividade delitiva, incluída o tráfico de drogas e de pessoas; o trabalho forçado e a migração”.
Para concluir, Martorano pediu que todos refletissem sobre as informações e denúncias contidas no relatório de Alena Douhan, pois dialoga com a qualidade de vida e com a própria sobrevivência dos venezuelanos. “Os cargos para a equipe médica em hospitais públicos estão vagos entre 50 a 70%. Apenas cerca de 20% do equipamento médico se encontra em funcionamento. O país enfrentou uma grave escassez de vacinas contra sarampo, febre amarela e malária em 2017-2018. A falta de testes e tratamento para o HIV em 2017-2018 levou a um grave aumento severo na taxa de mortalidade”, condenou.