O deputado fez um vídeo de cerca de 20 minutos em que agrediu seis ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Para liberá-lo ou não, a Câmara terá de se reunir em sessão plenária especifica. Todavia, a Casa só volta aos trabalhos na quinta-feira (18)
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) mandou prender em flagrante, na noite desta terça-feira (16), o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ). Ainda não se sabe qual foi a motivação do deputado em fazer e postar o vídeo criminoso, em pleno feriado de “não Carnaval”, já que a pandemia impediu a folia no País dos foliões. Será que o congressista estava com tédio e resolveu “extrapolar”?
No vídeo, o bolsonarista insulta o ministro Edson Fachin, por ter considerado “intolerável e inaceitável” a pressão confessada pelo general Villas Boas, sobre o STF (v. HP 15/02/2021, Fachin repudia pressão de Villas Bôas sobre o STF: “intolerável e inaceitável”).
Diz, no vídeo, o deputado bolsonarista:
“… o que acontece Fachin, é que todo mundo está cansado dessa sua cara de filha da puta que tu tem, essa cara de vagabundo… várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra, quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte … quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra… Que que você vai falar ? que eu to fomentando a violência ? Não… eu só imaginei… ainda que eu premeditasse, não seria crime, você sabe que não seria crime… você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível…. então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada com um gato morto até ele miar, de preferência após cada refeição, não é crime.
“… vocês não têm caráter, nem escrúpulo, nem moral para poderem estar na Suprema Corte. Eu concordo completamente com o Abraham Waintraub quando ele falou ‘eu por mim colocava todos esses vagabundos todos na cadeia’, aponta para trás, começando pelo STF. Ele estava certo. Ele está certo. E com ele pelo menos uns 80 milhões de brasileiros corroboram com esse pensamento.
“Ao STF, pelo menos constitucionalmente, cabe a ele guardar a constituição. Mas vocês não fazem mais isto. Você e seus dez ‘abiguinhos, abiguinhos’, não guardam a Constituição, vocês defecam sobre a mesma, essa Constituição que é uma porcaria, para poder colocar canalhas sempre na hegemonia do poder e claro, pessoas da sua estirpe devem ser perpetuadas para que protejam o arcabouço dos crimes no Brasil, e se encontram aí, na Suprema Corte.
“Eu também vou perseguir vocês. Eu não tenho medo de vagabundo, não tenho medo de traficante, não tenho medo de assassino, vou ter medo de onze ? que não servem para porra nenhuma para esse país ? Não.. não vou ter. Só que eu sei muito bem com quem vocês andam, o que vocês fazem.
“… você desrespeita a tripartição dos poderes, a tripartição do Estado, você vai lá e interfere, comete uma ingerência na decisão do presidente, por exemplo, e pensa que pode ficar por isso mesmo. Aí quando um general das Forças Armadas, do Exército para ser preciso, faz um tuite, faz alguma coisa, e você fica nervosinho, é porque ele tem as razões dele. Lá em 64, na verdade em 35, quando eles perceberam a manobra comunista, de vagabundos da sua estirpe, 64 foi dado então um contragolpe militar, é que teve lá os 17 atos institucionais, o AI5 que é o mais duro de todos como vocês insistem em dizer, aquele que cassou 3 ministros da Suprema Corte, você lembra? Cassou senadores, deputados federais, estaduais, foi uma depuração, um recadinho muito claro, se fizerem a gente volta, mas o povo, naquela época ignorante, acreditando na rede globo diz “queremos democracia” “presidencialismo”, “Estados Unidos”, e os ditadores que vocês chamam entregaram o poder ao povo.
“… vocês deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação, convocada e feita de onze novos ministros, vocês nunca mereceram estar aí e vários também que já passaram não mereciam. Vocês são intragáveis, inaceitáveis, intolerável Fachin.
“Não é nenhum tipo de pressão sobre o Judiciário não, porque o Judiciário tem feito uma sucessão de merda no Brasil. Uma sucessão de merda, e quando chega em cima, na suprema corte, vocês terminam de cagar a porra toda. É isso que vocês fazem. Vocês endossam a merda. Então como já dizia lá, Rui Barbosa, a pior ditadura é a do Judiciário, pois contra ela não há a quem recorrer. E infelizmente, infelizmente é verdade. O Judiciário tem feito uma, vide MP, Ministério Público, uma sucessão de merdas. Um bando de militantes totalmente lobotomizado, fazendo um monte de merda”.
Silveira é alvo de inquérito que apura atos contra integrantes da Corte Suprema. Moraes é o relator. Nesta terça, o deputado publicou o vídeo de quase 20 minutos, em que proferiu insultos aos ministros do Supremo.
“Polícia Federal na minha casa neste exato momento com ordem de prisão expedida pelo ministro Alexandre de Moraes”, afirmou o deputado bolsonarista em rede social.
Pouco depois, o parlamentar postou vídeo em que disse “neste momento, 23 horas e 19 minutos, Polícia Federal aqui na minha casa, estão ali na minha sala”. “Ministro [Alexandre de Moraes], eu quero que você saiba que você está entrando numa queda de braço que você não pode vencer. Não adianta você tentar me calar”, desafiou.
Desdobramento da prisão
Para manter o deputado preso, a Câmara terá de autorizar a decisão de Alexandre de Moraes. Caso contrário, o deputado vai ser solto.
Por rede social, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta terça-feira, que vai conduzir a análise da prisão do deputado Daniel Silveira “com serenidade e consciência” de suas “responsabilidades para com a Instituição e a Democracia”.
A Constituição define que “membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”. Nessa hipótese, o mesmo artigo diz que “os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”. Como só vai haver sessão na quinta-feira (18), o deputado ficará preso até que a Casa delibere sobre o assunto.
Na decisão que ordenou a prisão em flagrante, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou que o presidente da Casa, Arthur Lira, deveria ser “imediatamente oficiado para as providências que entender cabíveis”.
Imunidade parlamentar e nexo funcional
O Artigo 53 da Constituição Federal garante a imunidade parlamentar no exercício do mandato. Mas não para o cometimento de crimes. Silveira já é investigado em dois inquéritos que correm no STF: o aberto de ofício pelo tribunal para investigar a indústria de “Fake News” e outro, instaurado a pedido da PGR (Procuradoria Geral da República), que apura a organização e financiamento de atos antidemocráticos.
Diz o Artigo 53, textualmente, “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. § 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.”
“O que se ouve ao longo de quase 20 minutos seria intolerável num regime democrático ainda que ele já não fosse investigado. Acusa abertamente ministros de cometer crimes em penca — incluindo envolvimento com o narcotráfico —, há uma clara incitação à violência contra membros da Corte — Fachin em particular —, desafia os ministros a uma reação na certeza de que nada vai lhe acontecer porque se julga protegido pela imunidade parlamentar; apela a um linguajar que mistura em doses asquerosas calúnia, difamação e injúria; convoca, na prática, as Forças Armadas a depor o Supremo…”, enumerou o jornalista Reinaldo Azevedo em artigo no portal UOL.
O nexo funcional da chamada imunidade parlamentar é absolutamente imprescindível que a manifestação do parlamentar (opinião, palavra e voto) tenha nexo funcional com o cargo que desempenha. Manifestação da vida exclusivamente privado do parlamentar (numa reunião de condomínio, no estádio de futebol etc.) ou que venha a atingir a vida privada das pessoas (sem nenhum nexo com o interesse público) não estão acobertadas pela inviolabilidade penal constitucional do artigo 53 da CF. Nesse caso, o parlamentar responde criminalmente. Mais: ainda cabe indenização civil.
Reações e repercussão
Vários deputados reagiram ao fato e tuitaram aplaudindo a atitude e decisão de Moraes. Ainda não se sabe porque o deputado fez e divulgou o vídeo. Todos foram pegos de surpresa.
“O Supremo Tribunal Federal reagiu à agressão ao Estado Democrático de Direito e apologia ao AI-5. Este é o significado da prisão em flagrante do deputado apoiador da ditadura Daniel Silveira. Alexandre de Moraes agiu em defesa da Democracia”, tuitou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) foi uma das que se manifestou nas redes sociais: “Bolsonarista pediu um AI-5 e foi preso por crimes previstos na Lei de Segurança Nacional.”
“Daniel Silveira foi preso em flagrante por ameaçar e incitar a violência contra ministros do STF. O deputado, que quebrou a placa de Marielle nas eleições de 2018 e defende um novo AI-5, é a imagem do banditismo bolsonarista que atenta contra a Democracia e o Estado de Direito”, tuitou o deputado Marcelo Freixo (PSol-RJ).
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), também, se manifestou sobre a prisão do deputado: “Sobre prisão de deputado, importante notar que a imunidade parlamentar não é absoluta, conforme ampla jurisprudência. IMUNIDADE NÃO É IMPUNIDADE. Há um evidente ataque de milícias contra a democracia, que deve ser repelido. O STF não pode ser coagido na sua missão constitucional.”
“Prisão em flagrante delito”
Na decisão, Moraes definiu que o mandado deveria ser cumprido “imediatamente e independentemente de horário por tratar-se de prisão em flagrante delito”. O que o PF (Polícia Federal) cumpriu com rapidez.
O ministro determinou que o YouTube retire o vídeo do ar, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, e ordenou que a polícia armazene cópia do material. A decisão deve ser analisada pelo plenário do STF na sessão desta quarta.
No vídeo, Silveira ataca seis ministros do Supremo: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli.
Quem é Daniel Silveira
O deputado, que usa mal seu telencéfalo, é ex-policial militar do Rio de Janeiro. Está no exercício do 1º mandato. Foi eleito deputado federal, com 31.789 votos, pelo PSL (Partido Social Liberal), na onda antipolítica e antissistema, que varreu o ano de 2018. É bacharel em direito.
Ele se notabilizou na campanha eleitoral de 2018, por ter arrancado e quebrado, junto com Rodrigo Amorim (PSL), eleito deputado estadual do Rio de Janeiro, a placa em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSol). No vídeo, divulgado no Facebook, eles mostraram o momento em que teriam arrancado a placa para “restaurar o patrimônio”. No final, eles falaram “Marechal Floriano, presente!”. Eles estavam num comício do governador eleito, mas afastado, desde 28 de agosto de 2020, Wilson Witzel (PSC-RJ).
Witzel foi denunciado pelo MPF (Ministério Público Federal) na operação Tris in Idem, que aponta corrupção na Saúde do estado. Witzel é acusado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de capitais.
A expressão usada é uma referência a “Marielle, presente”, que engrossou diversas manifestações que tiveram objetivos de encontrar os acusados pelo assassinato. No dia 14 de outubro próximo fará 3 anos da morte da vereadora. Os matadores foram presos, mas não se sabe ainda quem foi ou foram os mandantes.
“Vistoria” no Colégio Pedro 2º
Outra atitude, pode-se dizer, inusitada protagonizada por Silveira, também na companhia de Amorim, em outubro de 2019, quando os dois já exerciam seus cargos eletivos, o deputado entrou sem avisar no tradicional colégio federal Pedro 2º para uma “vistoria” no que chamou de “Cruzada pela Educação”, alegando que denunciaria materiais com conotação política em ambiente escolar. Na época, a reitoria da unidade chamou a Polícia Federal, pois os deputados não tinham autorização para entrar no local.
MARCOS VERLAINE
Vídeo do deputado Daniel Silveira: