O novo livro de Lejeune Mirhan – “Iraque: Cronologia de uma ocupação (2002-2007)”, Apparte Editora, Campinas, 2020 – vai além do saudável sentimento anti-imperialista e democrático, que, hoje, é inseparável da verdade.
Pois estamos em uma época na qual alguém que tentar alcançar a verdade que não seja através do ângulo da soberania das nações e da liberdade dos povos, chegará inevitavelmente a conclusões errôneas, mentirosas, e, evidentemente, reacionárias.
Lejeune Mirhan tem a vantagem de não ser um autor “acadêmico” – trata-se de um homem que colocou sua formação intelectual a serviço da vida. Daí o caráter vivo de seus textos sobre o Iraque.
Aqueles que são um pouco mais velhos lembram-se daquela tragédia, no início da década de 90, quando o socialismo era derrubado na União Soviética e no Leste Europeu – e o primeiro Bush pretendia estabelecer o que chamava de “nova ordem mundial”, isto é, o poder absoluto e sem contestação dos monopólios e cartéis imperialistas, sobretudo os norte-americanos.
Os acontecimentos no Iraque e no Kuwait, que culminaram com a primeira invasão americana do Golfo, foram, independente das avaliações políticas conjunturais, a mais eloquente demonstração de que o mundo não se conformaria com aquele poder despótico totalitário, proposto – ou imposto – por George H. Bush.
Naquele momento, o imperialismo preferiu, mesmo, não arriscar a tentativa de ocupar Bagdá – e suspendeu as ações armadas pouco depois da fronteira.
Seguiu-se longo bloqueio, com milhões de crianças iraquianas mortas por falta de medicamentos – e impedidas até de usar lápis na escola, pois sua importação foi proibida, sob o pretexto de que o grafite podia ser utilizado em usinas nucleares…
Entretanto, o Iraque, sob o presidente Saddam Hussein e o Partido Baath, desenvolvera amplos serviços, públicos e gratuitos, de educação, assim como de saúde, comunicações, transportes – e, como pressuposto para o desenvolvimento, antes de tudo, nacionalizara seu petróleo.
A agressão imperialista, que voltou a tomar a forma de invasão bélica em 2003, era contra esse país – e esse exemplo, para os árabes e para a Humanidade.
Hoje, que a farsa das “armas de destruição em massa” é admitida até por filmes de Hollywood (veja-se, por exemplo, “Zona Verde”, de Paul Greengrass, com Matt Damon, de 2010), é mais fácil perceber o caráter da invasão norte-americana.
Mas não foi assim tão fácil, seja em 1991, seja em 2003, seja durante os 12 anos de bloqueio ao Iraque. O que houve de equívocos, inclusive de gente que se dizia muito progressista, sobre aquele país, e, especialmente, sobre Saddam Hussein, constitui um inventário de indignidades.
Essa luta política está diretamente refletida no livro de Lejeune Mirhan – não apenas na segunda parte, formada por textos escritos no calor da hora, mas na primeira, onde faz uma abordagem sucinta, mas clara e empenhada, da história do Iraque.
Em seu interessante prefácio, Nathaniel Braia, autor de “O Apartheid de Israel – Racismo, Agressão e Usurpação: os Focos do Conflito Atual” (Alfa Omega, 2002) – e editor internacional da Hora do Povo -, lembra bastante bem as páginas em que Lejeune Mirhan aborda o assassinato de Saddam Hussein como das mais emocionantes do livro.
Com efeito, o assassinato de Saddam definiu, para sempre, e para todo o mundo, o que eram os seus assassinos.
Nunca – pelo menos não na era da TV – se viu uma farsa tão grotesca, encenada como julgamento. A própria execução de Saddam foi algo que projetou a figura do homem assassinado como um gigante moral, diante de pequenos ratos, que não lhe deixaram nem completar as suas orações.
Na trajetória de Saddam e do Iraque houve erros? Houve descaminhos?
Como Lejeune Mirhan aponta, com certeza.
Mas são os erros e os descaminhos de um povo que tenta se libertar para construir a felicidade coletiva.
Resta dizer que nada do que aconteceu está – ou foi – perdido.
Pelo contrário, a experiência dos povos foi acrescida de mais conhecimento – e de heróis que lhes servirão de guia.
Os cristãos não consideram que a crucificação de Jesus foi o fim da doutrina de Cristo. Pelo contrário, consideram o martírio do Gólgota como um início – e não como um fim.
Por que, então, a derrota temporária no Iraque seria um fim para as aspirações de liberdade e independência nacional?
Não foi, como mostraram os anos posteriores.
Porém, leitor, estamos nos antecipando – melhor ler, sobre isso, o livro de Lejeune Mirhan: “Iraque: Cronologia de uma ocupação (2002-2007)”.
CARLOS LOPES