Mesmo atendendo a todos os critérios de segurança cibernética, a Huawei não poderá vender seus equipamentos para a construção da rede 5G privativa do governo federal, segundo o ministro das Comunicações, Fábio Faria. Em coletiva, na sexta-feira (26), Faria disse que a decisão cabe a Bolsonaro e a empresa a ser escolhida terá o monopólio no fornecimento dos aparatos.
Segundo portaria do Ministério das Comunicações, só participa da rede privativa a empresa que tiver ações negociadas na bolsa. As operadoras de comunicação criticam essa exigência do governo já que as empresas que atuam no mercado brasileiro não têm ações na bolsa de São Paulo. A empresa chinesa Huawei, que é a maior fornecedora de equipamentos de comunicação no Brasil e no mundo, não tem ação na bolsa e a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia têm apenas capital aberto em bolsas internacionais, e, pela lógica, também estariam fora do jogo.
No caso da China, principal parceiro comercial do Brasil – e hoje um dos principais fornecedores de insumos e vacinas contra a Covid-19 que está tirando milhares de vidas de brasileiros, impedir a empresa chinesa de participar na rede privativa do governo será uma restrição unicamente por motivos ideológicos.
“A China é um país com o qual o Brasil deve ter um relacionamento bom, pautado na confiança. No que diz respeito à Huawei, qualquer tipo de alegação que havia relação a uma eventual espionagem isso não tinha fundamento e nenhum tipo de dados concretos, muito pelo contrário, as empresas de telecomunicações do Brasil elas mesmas insistiram em dizer que já trabalhavam com a Huawei desde o 2G, 3G, 4G, e que não havia nenhum tipo de fato que desabonasse a credibilidade dos produtos da empresa chinesa”, avaliou Evandro Menezes de Carvalho, professor de Direito Internacional Público da FGV e da UFF, em entrevista ao Sputnik.
A restrição à Huawei não está sendo feita por critérios de segurança. Segundo relatos feitos pelo próprio ministro das Comunicações, o Comandante do Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército, general Correa Filho, atestou que todas as empresas atendem aos critérios internacionais de segurança. Correia Filho também esteve na comitiva interministerial que visitou as sedes da Huawei e ZTE (China), Nokia (Finlândia), Ericsson (Suécia), Samsung (Coreia do Sul), e NEC (Japão).
“O general Correia Filho, que é cyber security do Exército, e que foi para fazer todas essas checagens em relação a cibersegurança, ele voltou totalmente convencido de que as empresas atendem os critérios internacionais de segurança”, disse Fábio Faria na coletiva, mas afirmou: “o presidente vai dar a palavra final, toda a nossa portaria e tudo que foi feito foi conversado e alinhado com os ministérios e o presidente da República”.
“Temos que preservar as informações sensíveis e tirar qualquer coisa que seja espionagem de qualquer país. Resolvemos limpar toda a comunicação segura. Delimitado o tamanho da rede privativa, teremos uma única empresa fornecendo os equipamentos”, tergiversou o ministro sobre o objetivo de afastar a empresa chinesa da rede privativa.
Desde do início da elaboração do edital do leilão do 5G, Bolsonaro de tudo fez para banir a Huawei do processo, inclusive num ato de subserviência total a Donald Trump, em novembro do ano passado, aderiu ao Clean Network (Rede Limpa), programa dos EUA contra as empresas chinesas na instalação da tecnologia 5G.
A Huawei não poderá, pelos critérios adotados, fornecer seus equipamentos de quinta geração para a rede privativa do governo, mas debaixo de muita pressão, Bolsonaro não conseguiu banir totalmente a empresa do leilão que poderá atender às operadoras das redes privadas.
Para os especialistas da área, a segurança cibernética para o cidadão, a economia, a defesa e a segurança do país é necessária e decisiva e independe da origem do fornecedor.
Ao propor a restrição à Huawei, a rede privativa do governo custará mais caro para as empresas de telecomunicação, pois os equipamentos para rede 5G das demais empresas são, em média, 30% mais caros que os componentes da Huawei.
Todavia, mesmo após a derrota de Donald Trump, Bolsonaro e mais alguns desatinados no governo, que acreditam na fantasia de que a Huawei é uma espiã comunista, ainda pregam o banimento das tecnologias e dispositivos chineses do mercado brasileiro.
“Em termos de espionagem, banir um fornecedor por marca ou origem é apenas escolher quem poderá espionar as redes”, alertou Basílio Perez, que é integrante do conselho de administração da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (ABRINT).
Mesmo após ter passado os quatro anos do governo Trump sendo acusada de ser uma ameaça à segurança nacional norte-americana, e demais países, a Huawei continua sendo líder mundial no fornecimento de tecnologias de comunicação e no registro de novas patentes. Até hoje, Trump não conseguiu provar suas acusações.
Para se ter uma ideia, hoje mais de 60% dos países da União Europeia já adotaram o 5G da Huawei, que tem aproximadamente mais de 210 mil estações de rádio base na Europa – isso é mais que o dobro que o total das estações (entre 2G, 3G e 4G) existentes no solo brasileiro, que giram em torno de 103 mil.
A Alemanha foi um dos mais recentes países do bloco a aceitar a presença da companhia chinesa. Também recentemente, a República Tcheca e a Espanha se posicionaram a favor da companhia.
No Reino Unido, por exemplo, o governo vetou a compra da tecnologia da Huawei a partir de janeiro de 2021. Por conta desta decisão, os britânicos irão pagar muito caro por ter cedido aos caprichos dos EUA. O custo para trocar toda a tecnologia da fabricante em suas redes gira em torno de US$ 650 milhões, segundo dados da operadora de telecomunicação britânica, BT Group, com operações em mais de 170 países.