“Não negamos a pandemia, nem a ciência, não praticamos charlatanismo com tratamentos irresponsáveis e que não funcionam”, diz o Secretário, numa alusão à sabotagem do governo Bolsonaro à luta contra a Covid-19
O médico sanitarista, doutor Nésio Fernandes, Secretário de Saúde do Espírito Santo, usou suas redes sociais esta semana para divulgar uma série de textos com o objetivo de alertar a população de seu estado e do país da gravidade do momento da pandemia do SARS-COV-2. O HP compilou as importantes mensagens que se fundem num artigo deste que, além de ser um dos principais Secretários de Saúde do país, é um militante ativo da Saúde Pública do país e do SUS.
“Vivemos a iminência de um colapso nacional e o cenário manauara já começa a repetir-se em todas as regiões, simultaneamente”, disse ele.
“No dia 05/05/20, em coletiva de imprensa, afirmei que “seria uma ingenuidade sanitária, intelectual e política acreditar que se o país colapsar nós não colapsaremos. O Espírito Santo não é uma ilha”, acrescentou o Secretário.
“Nunca estivemos tão próximos de viver esse momento tão crítico. Salvar o país representará salvar o Espírito Santo. “Um por um” ou “cada um por si” será difícil suportar o colapso nacional”, adverte o doutor Nésio. Segue o texto completo:
SALVAR O PAÍS REPRESENTARÁ SALVAR O ESPÍRITO SANTO
NÉSIO FERNANDES (*)
No Espírito Santo (ES), adotamos uma Matriz de Risco com medidas qualificadas ao grau de risco aplicado aos município. Na saúde valorizamos o SUS, mobilizamos a APS, ampliamos leitos, testamos amplamente e incorporamos tecnologias e estimulamos a transparência.
Não negamos a pandemia, nem a ciência, não praticamos charlatanismo com tratamentos irresponsáveis e que não funcionam. Em nenhum momento colapsamos. Nos prepararmos para situações críticas. A cada ciclo da pandemia desenhamos diversos cenários possíveis e nos preparamos.
O governador Casagrande viveu a pandemia no corpo e na família, liderou o Estado e coesionou as instituições, dialogou com a sociedade. Com autoridade e empatia, semanalmente, comunicou e determinou as medidas de fortalecimento do SUS.
Em dezembro de 2020, analisamos e previmos um cenário crítico. Naquele momento, decidimos uma nova fase da estratégia “Leitos para Todos”, com meta de 900 leitos de UTI-COVID19 até abril/21. Administramos a segunda expansão da doença sem colapso, com garantia de acesso ao SUS.
Neste momento, no ES, vivemos uma queda do nº de casos, uma estabilização das internações e dos óbitos pela COVID-19. Previmos que, pela sazonalidade das doenças respiratórias no ES, em mar/abr uma nova fase de aceleração poderia ocorrer. A terceira onda da doença foi anunciada.
O custo humano da gestão da pandemia no Brasil não terá precedentes em guerras, em crises econômicas anteriores ou em comparação a qualquer outra doença. Com a ajuda da negação, o SARS-COV-2 matou e matará mais do qualquer outra crise.
Desde o início da pandemia, afirmamos que a tese da imunidade de rebanho seria insana. A segunda expansão da doença no Brasil, ocorrida a partir de outubro, confirmou-se com a asfixia do povo amazonense – palco do pior cenário que o Brasil vive.
A circulação de novas cepas do coronavírus não responde plenamente ao comportamento das novas “ondas”. O SARS-COV-2 “originário” tem comportamento conhecido e grande consenso sobre formas de transmissão e prevenção.
O aumento das interações sociais, o relaxamento do uso das máscaras, a aposta no charlatanismo medicamentoso, a ampla difusão do negacionismo levaram à exposição de suscetíveis e a frequência maior de segunda infeção nos doentes da primeira expansão da doença no mundo.
A condução das medidas efetivas para combater uma pandemia não se restringe a portarias e decretos de gestores. É necessário alto grau de coesão social, institucional e científico e de medidas econômicas concretas por parte da União.
A coesão social está grandemente determinada pelas ideias hegemônicas de uma época. A tripla fragmentação (direita/moderados/esquerda) ideológica/política da sociedade reduz a capacidade de união nacional. A responsabilidade desse fenômeno é das instituições e líderes políticos.
Vivemos a iminência de um colapso nacional e o cenário manauara já começa a repetir-se em todas as regiões, simultaneamente: neste sábado 27/02/21, 22 estados do Brasil em situação de colapso ou pré-colapso.
Medidas isoladas estão sendo tomadas. A possibilidade de que respostas parciais e isoladas não respondam adequadamente à dimensão nacional do problema é grande.
Medidas restritivas em estados vão de toque de recolher a veto a cirurgias, igrejas e venda de bebidas alcoólicas.
No dia 05/05/20, em coletiva de imprensa, afirmei que “seria uma ingenuidade sanitária, intelectual e política acreditar que se o país colapsar nós não colapsaremos. O Espírito Santo não é uma ilha.”
“Ainda que toda a nossa estratégia de enfrentamento esteja acertada, se o conjunto estratégico do país não tiver um novo rumo, apontar um novo caminho, e o país colapsar, o ES pode colapsar junto! Estamos entre o Sudeste e o Nordeste, regiões com maior número de casos.”
Nunca estivemos tão próximos de viver esse momento tão crítico. Salvar o país representará salvar o Espírito Santo. “Um por um” ou “cada um por si” será difícil suportar o colapso nacional.
(*) Secretário da Saúde do Governo do Espírito Santo. Médico sanitarista e trabalhador do Sistema Único de Saúde