Em meio a situação crítica da pandemia no país, o Ministério da Saúde reconhece a possibilidade de o Brasil ultrapassar a marca de 3 mil mortes diárias por covid-19 no mês de março.
A previsão dos assessores do ministério leva em conta uma conjunção sinistra de fatores: as aglomerações do final de ano e carnaval, a queda nos índices de isolamento social, o surgimento de variantes mais contagiosas do vírus, a sobrecarga da infraestrutura hospitalar em vários estados e a indisponibilidade de vacinas para a população brasileira.
Mas a resposta do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, é a de se eximir das responsabilidades frente à pandemia e dizer que “não somos [governo] uma máquina de fabricar soluções”.
A previsão da equipe técnica do ministério é a mesma para a qual alertou o médico e cientista Miguel Nicolelis. Segundo ele, nas próximas semanas, o Brasil pode ultrapassar as 3 mil mortes diárias por covid-19, em um cenário que ele chama de “maior catástrofe humanitária do século XXI”.
“Se você tiver 2.000 óbitos por dia em 90 dias, ou 3.000 óbitos por 90 dias, estamos falando de 180.000 a 270.000 pessoas mortas em três meses. Nós dobraríamos o número de óbitos. Isso já é um genocídio, só que ninguém ainda usou a palavra”, disse ao jornal El País.
O governo é pressionado para ampliar a oferta de imunizantes, mas Pazuello e o presidente Jair Bolsonaro rejeitam há meses a ofertas de diversos imunizantes que se aplicados de forma célere na população, será o maior responsável por conter o contágio, mas também eficaz em permitir que as pessoas não contraiam formas graves da covid-19, desafogando, assim, o sistema de saúde de todo país.
Agora, após forte pressão dos governadores, Pazuello e Bolsonaro anunciaram, em edição extra do Diário Oficial da União, avisos de dispensa de licitação que sinaliza a intenção de compra de 100 milhões de doses da vacina contra a covid-19 da Pfizer e de 38 milhões da vacina da Janssen (braço da Johnson e Johnson). Porém, ainda não é um contrato, as doses não estão garantidas.
E assim como acontece no caso da Pfizer, o governo Bolsonaro não comprou doses de outras vacinas, que não a CoronaVac, do Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, e a Covishield, da Fiocruz em parceria com a universidade de Oxford em parceria com o laboratório inglês AstraZeneca.
E mesmo assim, a Covishield só começou a ser produzida no Brasil, agora, em março e o governo federal só fechou contrato de compra de 2 milhões de doses prontas em Janeiro, quando poderia ter feito ainda em 2020, exatamente como diversos outros países fizeram, para garantir a imunização assim que a vacina fosse aprovada pelos respectivos órgãos reguladores.
A vacina russa Sputnik V, já aprovada em órgãos reguladores de diversos países , ainda aguarda aprovação da Anvisa, mesmo com a urgência sanitária imposta pela pandemia e com um laboratório para produzi-la no Brasil.
LEITOS
Em meio ao caos, a alta taxa de transmissão da covid-19, Bolsonaro além de sabotar as vacinas, também sabota a assistência para aqueles que necessitam de leitos hospitalares.
Bolsonaro cortou verbas e postou nas redes sociais valores como se tivesse aumentado o repasse aos governos estaduais, porém para tal, ele somou valores diretos (saúde e outros), indiretos (suspensão e renegociação de dívidas) e colocou à parte o valor do auxílio emergencial.
Pelo menos 19 governadores assinaram uma carta contestando o presidente. De acordo com o documento, os recursos efetivamente repassados para a área da saúde são uma quantia “absolutamente minoritária” dentro do montante publicado por Bolsonaro.
Desde o início da pandemia, o Ministério da Saúde vem reduzindo drasticamente o financiamento de leitos de UTI covid. O que acontece em São Paulo exemplifica um problema enfrentado por todos os Estados brasileiros. O governo federal chegou a custear 63% dos leitos dos hospitais paulistas em maio. Esse percentual foi reduzido para 46,5% em agosto, quando SP atingiu o maior número de leitos ativos. Agora, em fevereiro, no auge da pandemia, o valor pago pelo governo federal foi de apenas 11,4%. Uma redução de mais de 80% em nove meses.
Um leito de UTI covid custa diariamente R$ 2.500. O Ministério da Saúde arca com o pagamento de R$ 1.600. Até o momento, não há relato de fechamento de leitos por falta de dinheiro. Mas há casos como o do Amazonas, em que a rede de saúde não é ampliada a tempo, e pacientes morreram asfixiados.
Dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) mostram que até 20 de janeiro somente 6.835 leitos tinham habilitação do governo federal. Com isso, Estados e municípios precisam arcar sozinhos com as despesas de outros 13.045 que continuam ativos. Entre a primeira e a segunda onda da pandemia, 409 leitos foram desabilitados.
“O que aconteceu foi que não houve planejamento. O orçamento de 2021 é o mesmo orçamento de 2019. Simplesmente desconsiderou o orçamento de 2020, como se simplesmente a pandemia tivesse terminado dia 31 de dezembro”, disse o presidente do Conass, Carlos Lula.
A necessidade do governo federal custear os leitos nos estados virou pauta no Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta sexta-feira, 5, a ministra Rosa Weber, em decisão sobre o custeio de leitos de UTI no Piauí pelo Ministério da Saúde, declarou que atuação do governo federal para a contenção da pandemia é ‘errática’ e classificou as medidas adotadas por Bolsonaro como ‘inócuas’, de ‘improviso’ ou ‘sem comprovação científica’.
“O discurso negacionista é um desserviço para a tutela da saúde pública nacional. A omissão e a negligência com a saúde coletiva dos brasileiros têm como consequências esperadas, além das mortes que poderiam ser evitadas, o comprometimento, muitas vezes crônico, das capacidades físicas dos sobreviventes que são significativamente subtraídos em suas esferas de liberdades”, escreveu Rosa Weber.
O processo em que a Ministra fez essas considerações se trata de uma ação do governo do Piauí, em que foi solicitada liminar para que a União garantisse o custeio de leitos de UTI no Estado. Assim como em São Paulo, o Piauí sofre com a redução das verbas federais para custeio de leitos covid.