“Eu faço primeiro uma pergunta a todos os brasileiros: o que o Ministério da Saúde tem a ver com produção, transporte, distribuição e logística de oxigênio?”, disse o então quase ex-ministro
Pouco antes de ser substituído por Marcelo Queiroga no cargo de Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello deu uma entrevista coletiva, na tarde desta segunda-feira (15), repetindo tudo aquilo que seu chefe manda ele dizer – e ele obedece. Aliás, é por isso que ele foi nomeado para o cargo. Diferente da Dra Ludhmila Hajjar, que recusou, neste final de semana, substituí-lo no cargo, porque pensa com a própria cabeça.
DEFESA DA CLOROQUINA
Pazuello começou a entrevista reafirmando que os médicos brasileiros podem, se quiserem, tratar “precocemente” os pacientes com Covid-19, que cheguem às unidades de saúde. Disse isso gabando-se de que o governo garantiu o abastecimento dessas medicações. Ele estava se referindo nada mais e nada menos do que à cloroquina e à ivermectina, medicações sem nenhuma eficácia comprovada para o tratamento de Covid-19.
Em seguida, passou a fazer um balanço da vacinação no Brasil e das compras de vacinas contra a Covid-19. Apresentou mais um de seus cronogramas fictícios. Disse ele que o Brasil é o quinto país do mundo em vacinação. Na verdade, o Brasil é o 17º país do mundo em vacinação da população. Devido à sabotagem de Bolsonaro às vacinas, foi o 57º país do mundo a iniciar a imunização de sua população. Foram vacinados até agora pouco mais de 4% da população. Enquanto isso, o país se aproxima rapidamente de 280 mil mortos por Covid-19.
MILHÕES DE VACINAS QUE NÃO EXISTEM
O mais cínico é que o ministro diz que já contratou 562,9 milhões de doses de vacinas. Só que a entrega dessas vacinas é para as calendas gregas. O senso de urgência passa longe do alardeado especialista em logística. Dizem os entendidos que, se ele entregar munição na velocidade que apronta as vacinas, o Brasil perde qualquer guerra em que participe.
Das 562,9 milhões de doses que ele diz ter contratado, apenas 20 milhões foram entregues. Por isso, só 4,5% da população foi vacinada. Ninguém aguenta mais a morosidade com que o governo federal conduz a busca por vacinas. E não é por incompetência apenas, é principalmente pela sabotagem aberta de Bolsonaro à vacinação da população. Não é por outro motivo que 23 governadores, diante desse vazio de governo, assinaram um pacto nacional, anunciando a compra de 38 milhões de doses da vacina russa Sputnik V.
NADA A VER COM MANAUS
Pazuello, na entrevista desta segunda-feira, disse que o Ministério – ou seja, ele e Bolsonaro – não tinha responsabilidade alguma na questão da falta de oxigênio em Manaus. “Eu faço primeiro uma pergunta a todos os brasileiros: o que o Ministério da Saúde tem a ver com produção, transporte, distribuição e logística de oxigênio?”, disse o ministro. “O ministério é o cliente do oxigênio. Paga pelo oxigênio. Coloca recursos nas secretarias de estado de Saúde para que o oxigênio seja fornecido. O resto não é nossa obrigação ”, acrescentou Pazuello.
“No momento em que nós tomamos conhecimento de risco de falta, a gente leva isso a quem de direito para que seja tratado. E estamos o tempo todo trabalhando juntos”. Na manhã desta segunda-feira, a Comissão Temporária Covid-19 do Senado aprovou requerimento de convocação imediata de Pazuello para fornecer informações sobre a oferta de oxigênio nos estados.
É impressionante. Em plena pandemia, uma emergência nacional, e o ministro da Saúde declara que seu órgão não tem nada a ver com a morte de dezenas de pessoas por falta de oxigênio. O mais grave é que as investigações mostram que ele sabia, dias antes, que iria ocorrer o colapso, e não fez nada. Agora sabemos porque ele não fez nada. Não era responsabilidade de sua pasta, disse ele na entrevista…
GOVERNADORES SAÍRAM NA FRENTE
A decisão dos governadores pela compra excepcional de vacinas foi tomada em razão da aprovação nesta terça (2) pela Câmara de projeto que facilita a compra de vacinas por União, estados, municípios e empresas. Segundo o projeto aprovado, enquanto durar a emergência em saúde pública causada pela Covid-19, os três entes federativos estarão autorizados a comprar vacinas e a assumir riscos relacionados a eventuais efeitos adversos pós-vacinação desde que a Anvisa tenha concedido registro ou autorização temporária de uso emergencial das vacinas adquiridas. A Anvisa pode autorizar vacinas que forem previamente validadas em 9 países, entre eles a Rússia.
Esse atraso todo na aquisição de vacinas pelo governo federal não é culpa dos outros, como Pazuello e seu chefe costumam alardear. Bolsonaro atrasou o máximo que pode a assinatura de contratos de compra de vacinas. Com o próprio Butantan, ele mesmo (Pazuello) foi desautorizado publicamente por Bolsonaro depois de anunciar em outubro do ano passado a compra de 46 milhões de doses. Aliás, Bolsonaro garantiu para o país inteiro que não compraria a vacina do Butantan. Ele dizia que a vacina da China e do Doria ele não compraria de jeito nenhum. Tudo se atrasou em função do negacionismo irresponsável de Bolsonaro.
O contrato com o Butantan só foi assinado tempos depois, quando o governador de São Paulo, João Doria, deu um ultimato no Planalto, marcando o início da vacinação dos paulistas para 25 de janeiro. O governo federal correu atrás do prejuízo. Só que já era tarde. Muitos países saíram na frente na compra dos imunizantes e, quando Pazuello, pressionado pelo desgaste, anunciou que iria atrás, não achou mais vacina em lugar algum. Tanto assim que das vacinas que estão sendo usadas no Brasil hoje, 90% são do Butantan.
SABOTAGEM CONTINUOU
Mas a sabotagem de Bolsonaro continuou. A empresa brasileira União Química assinou um acordo de transferência de tecnologia com o prestigiado Instituto Gamaleia, da Rússia, para produzir aqui no país a vacina Sputnik V, que já está sendo usada com eficácia e segurança em dezenas de países pelo mundo afora. A empresa brasileira informou que pode entregar de imediato 10 milhões de doses e produzir 8 milhões por mês.
Entretanto, o preposto de Bolsonaro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres, negacionista como ele, e comparsa do capitão cloroquina na sabotagem às vacinas, simplesmente devolveu os papéis que a empresa farmacêutica brasileira entregou pedindo autorização para o uso emergencial da vacina no Brasil.
Mas, cinicamente, a vacina Sputnik V, recusada pela Anvisa, está lá no farisaico cronograma de Pazuello. Aquele cronograma que está abarrotado de vacinas, mas ninguém sabe quando – e se – vão chegar.
Aliás, a Anvisa está agindo exatamente como Bolsonaro quer. Atrasa a aprovação das vacinas que existem, como é o caso da Sputnik V, e aprova rapidamente o registro de vacinas que não existem. É o caso da vacina da Pfizer, que já recebeu até o registro definitivo da Anvisa para uso no Brasil, mas só que não há vacinas da Pfizer. A prioridade da Pfizer no momento é atender à população dos Estados Unidos e da Europa, onde ficam suas sedes e porque esses países chegaram primeiro. Não há vacinas da Pfizer disponíveis hoje para entrega ao Brasil. Mas, ela está lá também no cronograma falacioso de Pazuello. Ele enche a boca e fala em 100 milhões de doses da Pfizer. Pura demagogia.
PRESSÃO DE TRUMP PARA BRASIL NÃO COMPRAR SPUTNIK V
Agora, inclusive, começam a aparecer os motivos da sabotagem de Bolsonaro à vacina russa. Um relatório do governo dos Estados Unidos produzido na gestão de Donald Trump afirma que o país persuadiu o Brasil a não comprar a Sputnik V. A informação está em um documento do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA (HHS, na sigla em inglês) sobre as ações tomadas em 2020.
O documento mostra a quantas anda o capachismo de Bolsonaro aos ditames de Washington. No trecho que fala sobre “combater as influências malignas nas Américas”, o documento aponta que o Escritório de Assuntos Globais (OGA) do HHS “usou as relações diplomáticas na região para mitigar os esforços” de Cuba, Venezuela e Rússia, “que estão trabalhando para aumentar sua influência na região em detrimento da segurança dos Estados Unidos”.
SE O CHEFE QUISER, EU OBEDEÇO E SAIO
Como um cachorrinho, Pazuello afirmou também que permanecerá no Ministério da Saúde enquanto o presidente Jair Bolsonaro faz “tratativa de reorganizar” o ministério. Ele admitiu que Bolsonaro busca alguém para substituí-lo. Quando isso acontecer, será a terceira troca no comando do ministério desde o início da pandemia de Covid-19. Pazuello disse que não pedirá demissão. “Não é da minha característica. Não vou pedir para ir embora”, declarou. De acordo com o ministro, se haverá substituição, cabe ao presidente decidir.
“Não estou doente. Não pedi para sair”, declarou Pazuello. Segundo ele, o cargo é do presidente da República e existe a possibilidade de deixar o posto desde que assumiu. “O presidente, sim, está pensando em substituição, está avaliando nomes”, declarou.
“Eu não vou pedir para ir embora. Não é da minha característica, eu não vou pedir para ir embora. Nem eu nem o Élcio [Franco, secretário-executivo] nem nenhum de nós que está aqui. Isso não é um jogo, não é uma brincadeira: ‘Quero ir embora’. Isso é sério, é o país, é a pandemia, é o Ministério da Saúde. Não pode ser levado da forma como está sendo colocado. Eu não pedi para ir embora nem vou pedir, estamos trabalhando e é um trabalho em conjunto com o governo. Se haverá uma substituição ou não, cabe ao presidente da República e não a mim”, afirmou.
S.C.