A ministra Cármen Lúcia, que havia votado contra o habeas corpus na primeira fase do julgamento, mudou o voto e decidiu pela aceitação do habeas corpus
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta terça-feira (23), por 3 votos a 2, que o ex-juiz Sérgio Moro foi imparcial no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá. Votaram pela parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e a ministra Cármen Lúcia. Rejeitaram o habeas corpus os ministros Edson Fachin, relator do processo, e o ministro Kássio Nunes Marques.
Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski repetiram as duras críticas à Operação Lava Jato e reforçaram as escutas realizadas por hacker como fatores que reforçaram suas visões de que o ex-juiz teria agido com parcialidade. Gilmar Mendes chegou a comparar a atuação dos promotores e do juiz Sérgio Moro durante à Operação Lava Jato com a atuação da Justiça da União Soviética (URSS) nos casos julgados na década de 1930 naquele país. A ministra Cármen Lúcia afirmou que mudou seu voto, em relação à decisão anterior, contrário ao habeas corpus, porque observou, no decorrer do processo, dados novos que comprovariam a parcialidade do juiz.
Tanto o relator Edson Fahin, quanto Kássio Marques, enfatizaram que os fatos únicos novos apresentados no processo eram as escutas obtidas pelos hackers de Araraquara. O ministro Kássio Marques afirmou que todos os dados já haviam sido analisados antes em todas as instâncias do Judiciário. “Senhores ministros, no meu entendimento todos esses fatos já foram objeto de análise de todas as instâncias do Judiciário. Além disso, como bem salientou o relator (Edson Fachin), é inviável a reanálise de três exceções na via eleita, supressão de competência inferiores. Suspeição requer provas e princípio constitucional do contraditório”, afirmou o ministro.
“Não basta que o juiz seja simpatizante de certas ideias para que seja tido como suspeito. É preciso que tenha alguma apetência especial pelo resultado do processo que está em suas mãos a ponto de suscitar desconfiança sobre a honestidade do seu proceder.”
Em seu voto, Kássio também comentou a veiculação de reportagens a partir de mensagens privadas obtidas por hackers e atribuídas ao ex-juiz federal da Lava Jato e a integrantes da força-tarefa em Curitiba. Para o ministro, o teor das mensagens não pode ser usado para reforçar as acusações de que Moro agiu com parcialidade.
“Se o hackeamento fosse tolerado como meio para obtenção de provas, ainda para defender-se, ninguém mais estaria seguro de sua intimidade, de seus bens e de sua liberdade, tudo seria permitido. São arquivos obtidos por hackers, mediante a violação dos sigilos ilícitos de dezenas de pessoas. Tenho que são absolutamente inaceitáveis tais provas. Entender-se de forma diversa, que resultados de tais crimes seriam utilizáveis, seria uma forma transversa de legalizar a atividade hacker no Brasil”, afirmou.
“Notícias veiculadas em matérias jornalísticas não são provas incontestes, não estão nos autos, não se tem como verificar sua veracidade apenas com base nelas mesmos. Sobre os fatos não se pronunciou a acusação – o Ministério Público Federal aqui atua apenas como fiscal da lei – e nem o juiz contra o qual se arguiu a suspeição, mesmo porque não há neste espaço admiti-lo”, acrescentou.
Segundo o ministro, se as mensagens fossem usadas para declarar Moro parcial, a prática “abjeta de espionar, bisbilhotar a vida das pessoas, estaria legalizada e a sociedade viveria um processo de desassossego semelhante às piores ditaduras”. “Não é isso que deve prevalecer em sociedades democráticas”, frisou. “A inclusão de uma simples palavra pode mudar todo o seu significado. Como confiar em provas fornecidas por criminosos? Será que uma perícia poderia testar que as conversas interceptadas são autênticas, sem a supressão de qualquer palavra? Isso sequer foi feito. Não houve perícia”, disse.
“Habeas corpus não é remédio adequado para que se analise a suspeição de um juiz. O habeas corpus, na sua estrutura formal, não permite contraditório entre a parte a defesa. Isso faz com que eventual decisão que acolha a suspeição seja tomada sem a observância do contraditório”, observou.
O ministro relator, Edson Fachin, destacou em seu voto, que não há nenhuma prova nova no caso em análise em relação às sete contestações apresentadas pela defesa em 2018. Fachin também argumentou que a decisão sobre suspeição de um juiz não deve ser tomada através do instrumento de um habeas corpus. Este mecanismo não permite o contraditório. É inconcebível, disse Fachin, que o material obtido através de hacker seja usado, mesmo que de forma retórica, como está sendo feito neste julgamento, para que se tome decisão sobre a parcialidade de um juiz. Fachin avaliou que esta decisão poderá anular todas as decisões tomadas pelo juiz Sérgio Moro em toda a Lava Jato.