Ministro recém empossado, disse não sabia da mudança e que garantirá notificação das mortes
Logo após o Brasil bater novamente o recorde de mortes por Covid-19 confirmadas em 24 horas, o Ministério da Saúde alterou a ficha dos pacientes no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe) e com isso gerou um alto índice de subnotificação em todo país.
A alteração ocorre no dia em que o Brasil ultrapassa os 300 mil mortos em decorrência da pandemia de coronavírus. A data é a mesma também do primeiro dia de trabalho de Marcelo Queiroga à frente do Ministério da Saúde.
Em sua primeira entrevista como ministro, Queiroga disse não ter ciência da alteração, mas que a pasta acatará o pedido das entidades e voltará atrás nas mudanças na ficha. Segundo ele, não há o objetivo de maquiar os dados e que vai garantir a notificação.
A mudança foi denunciada durante coletiva de imprensa do governo de São Paulo. O secretário de Saúde Jean Gorinchteyn informou, nesta quarta-feira (24), que a mudança “derrubou” os registros de óbitos em São Paulo nas últimas 24 horas, mascarando assim os números oficiais.
Na terça-feira, São Paulo registrou um número recorde de 1.021 mortes e com a mudança, nesta quarta-feira, o número caiu para 281, o que mostra subnotificação, garantiu o governo paulista.
De acordo com o secretário estadual de Saúde Jean Gorinchteyn, “burocratizar sem avisar fez com que não tivéssemos aportado por grande parte dos municípios do País o número de óbitos”, afirmou.
“Os municípios não foram devidamente informados, não se deixou prazo para que eles possam se habilitar nessa mudança e [os municípios] não conseguiram completar o preenchimento desses campos”, alertou Gorinchteyn durante a coletiva desta terça. “Os campos que foram inseridos retardam o aporte dessa informação e muitos deles não têm importância nesse momento. Isso passa a ter um impacto.”
O governo do Mato Grosso do Sul também creditou à mudança nos critérios pedidos pelo ministério a queda no número de mortes no estado.
Na nova ficha distribuída às vigilâncias de saúde municipais e estaduais foi incluído, por exemplo, um campo para informar se o paciente pertence a uma comunidade tradicional. Outros campos, por outro lado, foram excluídos – caso do histórico de viagem internacional.
Outras alterações, no entanto, afetaram mais diretamente o trabalho de preenchimento do sistema, como a obrigatoriedade de informar: o número do Cartão Nacional de Saúde (Cartão SUS); se o paciente é brasileiro ou estrangeiro; e se já foi vacinado contra a Covid-19.
Todos esses campos inexistiam na versão anterior da ficha, em utilização desde julho de 2020.
Além disso, o campo do número do CPF, que antes era considerado “essencial”, passou a ser obrigatório. Caso o paciente não tenha o CPF em mãos, é obrigatório preencher o Cartão Nacional do SUS. A única exceção para essa obrigatoriedade refere-se aos pacientes declarados indígenas.
O Sivep-Gripe é o sistema oficial em que todas as novas hospitalizações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) devem ser compulsoriamente notificadas desde 2009. Em 2020, com a pandemia do novo coronavírus, ele passou a ser usado também como a fonte oficial das mortes confirmadas por Covid-19.
O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, disse que o Ministério da Saúde tem de rever “imediatamente” a norma que altera critérios de mortes por Covid-19. De acordo com ele, a entidade não foi avisada pela pasta.
A secretaria-executiva do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) informou, na tarde desta quarta-feira, que também defende a retirada dos novos campos obrigatórios.
“O que ocorreu foi uma falta de comunicação adequada no momento em que foi colocada a funcionalidade em produção no referido sistema e por este motivo solicitamos a retirada desses campos como obrigatórios por enquanto”, afirma a nota. Segundo o conselho de secretários, o campo do CPF já existia na plataforma utilizada pelos gestores, mas não era obrigatório.
Para Marcelo Gomes, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenador da plataforma InfoGripe, a inclusão dos campos é boa, mas foi adotada em um momento errado. “São coisas que facilitam as análises dos dados, mas nesse momento é uma mudança de roda com o carro em alta velocidade”, disse ao Estadão.
“Ter CPF ou CNS facilita limpeza de duplicidades, identificação de suspeita de reinfecção, e cruzamento com outros bancos de dados”, afirmou Gomes. Segundo o pesquisador, o problema é que o preenchimento destes campos exige que o paciente tenha o número do CPF em mãos. “Caso contrário, o agente de saúde tem que pesquisar o CNS da pessoa ou fazer um novo cadastro”, completou.