Partidos e coligações que não aceitam participar de governo encabeçado por Netanyahu obtém 57 das 120 cadeiras do Knesset (parlamento israelense), enquanto que o bloco a favor da continuidade do atual ministro apenas 52. Qualquer dos blocos depende de negociação com partidos detentores de 11 cadeiras e ainda indefinidos
O resultado das eleições israelenses cuja contagem acaba de se realizar nesta quinta-feira (25) foi desfavorável a Netanyahu (o aliado de Bolsonaro no Oriente Médio).
A votação mostra, na verdade, uma grande rejeição a ele pois nem a bem-sucedida campanha de vacinação (Israel é o país do mundo que tem o maior percentual da população adulta vacinada e, com isso, teve a curva de mortalidade sob queda constante) foi capaz de ajudá-lo a obter uma maioria sólida.
Os israelenses, em sua maioria, perceberam a jogada de Netanyahu: essa quarta eleição resultou de uma traição ao general Benny Gantz, que o salvara no início do ano passado após a sua derrota eleitoral.
Netanyahu saiu derrotado na eleição para o mandato 2020 – 2024 e Gantz poderia afastá-lo do poder com pequena vantagem dentro do sistema parlamentar israelense. No entanto, preferiu romper com as demais forças que compunham o bloco que o apoiava, para atender ao apelo de Netanyahu que lhe sinalizou com um governo “de unidade nacional” diante do perigo da pandemia. Pelo acordo, Netanyahu governaria nos dois primeiros anos e seria sucedido por Gantz nos dois anos seguintes.
RASTEIRA DE NETANYAHU NO PRINCIPAL PARCEIRO
Acontece que Netanyahu agiu como todos os que o conhecem bem alertaram a Gantz: como o escorpião que aguilhoa o seu salvador, pois a traição é da sua natureza. Assim, provocou mais uma eleição, a 4ª em dois anos, usando o mecanismo parlamentar de levar seu bloco a não aprovar o orçamento para dois anos ao final do ano passado, como estava acertado com Gantz e apoiadores. Dessa forma, rompeu a aliança com o partido de centro Azul e Branco do general, exatamente quando se aproximava o ano em que, pelo acordo entre os dois líderes, Netanyahu deveria entregar o poder a Gantz.
A tática não deu certo. A coligação que apoia Netanyahu encolheu tanto em número de cadeiras (ficou com 52, das 120 do parlamento israelense) como em número de partidos e lideranças ao seu lado.
Ele perdeu o apoio de Gantz e seu partido Azul e Branco que, obviamente, depois da rasteira voltou à oposição.
Além disso, até o partido de Netanyahu sofreu um racha, com Gedeon Saar, o segundo líder do Likud, rompeu com ele alegando que o premiê não tem mais condição de levar o Likud a uma sólida vitória e, portanto, que Netanyahu não tem mais como comandar o país.
Foi assim que, nesta eleição, o antigo Likud marchou dividido pois uma parcela de seus integrantes passou a se opor a Netanyahu e formar o partido Nova Esperança.
PARLAMENTO E SOCIEDADE DIVIDIDOS
Este é o resultado das eleições de agora: apoiam um governo encabeçado por Netanyahu o seu partido o Likud, com 30 cadeiras, e três partidos religiosos, Shas, Torah [Bíblia] Unida e Sionismo Religioso (com 9, 7 e 6 cadeiras respectivamente). Portanto, se Netanyahu formar governo estará inteiramente refém dos religiosos e terá que atender a todas as suas determinações de um conservadorismo antidemocrático – pois rompe com a separação Estado – Religião – o que a maioria dos israelenses não aceita. Além disso, a composição do terceiro destes partidos, o Sionismo Religioso é dos mais abjetos racistas inclusive a corrente kahanista que chegou a ser banida do parlamento israelense.
Já os que não aceitam um governo com o atual premiê à frente são:
Yesh Atid (Há Futuro) cujo líder Yair Lapid emerge como a principal liderança opositora – 17 cadeiras; Cahol Lavan (Azul e Branco) do general Gantz, com 8 deputados; Israel Beiteinu (Israel, Nossa Casa, o mais direitista do bloco opositor), com 7.
Ainda entre os opositores, o Avodá (trabalhista, o tradicional partido de Ben Gurion, Golda Meir e Ytzhaq Rabin) que começa a se recuperar de uma queda após o assassinato de Rabin e sem um líder capaz de dar continuidade a seu projeto de paz através da solução pactuada de dois Estados, Israel e Palestina, mutuamente reconhecidos e aceitos por todos os governos árabes, convivendo em paz, lado a lado. Avodá fica agora com 7 cadeiras tinha ficado com 3 na eleição anterior.
Há ainda, na oposição a Netanyahu, o mais claramente posicionado como ‘esquerda sionista’, o Meretz (Energia) que, assim como o Avodá, dobrou de votação, crescendo de 3 para 6 deputados, o Nova Esperança (dissidência do partido de Netanyahu, o Likud) com 6 e a Lista Conjunta (comunistas do Hadash, Novo, e partidos de maioria árabe, Ta’al (Renovação) e Balad (Lista Nacional Democrática), com 6 cadeiras.
Ainda estão indefinidos os ultra-direitistas e declaradamente racistas do Yemina (Direita Volver), com 7 votos e a facção árabe mais conservadora que rompeu com a lista conjunta nestas eleições, denominada Lista Árabe Unida com 4 votos.
Portanto, só com o apoio das duas forças predominantemente árabes, a Lista Conjunta e a Lista Árabe Unida, a oposição pode formar governo. Acontece que a oposição pela direita, representada por Israel Nossa Casa e pelo Nova Esperança, até aqui, não quer formar governo apoiado nos representantes dos árabes israelenses, devido a seu arraigado supremacismo judaico.
A CRISE DE ISRAEL REFLETE A DECADENTE VISÃO DA DIREITA ISRAELENSE
Enfim, esse resultado é, em realidade, a demonstração – podemos dizer que matemática – da crise da sociedade e do Estado de Israel.
Está muito difícil formar governo sustentado em uma maioria parlamentar, diante deste mosaico partidário, exatamente pela forma divisionista e excludente como a direita, desde a ascensão de Sharon (o carniceiro de Sabra e Shatila) ao poder após o golpe/assassinato de Itzhaq Rabin, tem conduzido o país: discriminação crescente dos árabes israelenses, com base em uma visão místico-bíblica, judaico-supremacista e assalto às terras palestinas ocupadas desde a Guerra dos Seis Dias em 1967, junto a uma opressão aos palestinos repudiada mundialmente.
Além disso, a direita se mantém de forma artificial, apesar dos cortes nos benefícios sociais, a exemplo da saúde pública que vem tendo seus orçamentos encolhidos, pois desfruta, além do benefício da máquina governamental, de apoio financeiro crescente por parte de parcela significativa dos mais ricos judeus norte-americanos. Exemplo disso era a amizade de Sheldon Adelson, um dos reis dos cassinos de Las Vegas com Netanyahu.
Ou seja, Israel, apesar de apresentar aspectos importantes de diversidade, tornou-se uma sociedade sujeita a uma intervenção externa constante, uma intervenção baseada na defesa de governos alinhados com a política prevalecente nos Estados Unidos de domínio do Oriente Médio pela agressão às forças independentes e progressistas (haja visto o apoio israelense à tentativa de derrubada pela invasão terrorista da Síria sob o governo independente de Bashar Al Assad).
AGENTES DE NETANYAHU RECORREM A SUBORNO PARA TENTAR GANHAR O QUE PERDERAM NA URNA
Por último, um não menos importante fator da crise israelense, esses sucessivos governos que conseguem se manter sobre esse terreno político divisionista e pantanoso, enveredaram pela corrupção, com seu atual líder, Netanyahu, respondendo a três processos por fraude, abuso de poder e receptação de suborno.
Logo que surgiram os resultados adversos à tática de Netanyahu para se manter no poder a qualquer custo, surgem também as primeiras denúncias de que seus agentes já começaram a tentar subornar e oferecer cargos a integrantes dos partidos opositores com o intuito de dividi-los e assim obter uma maioria que não conseguiram no voto.
Entre os denunciantes dessa prática rasteira a deputada Yifat Sasha Biton que, durante o governo Netanyahu, comandou o comitê vitorioso por debelar a pandemia, cargo apoiado pelo parlamento e através do qual ela conseguiu corrigir várias ações criticando abertamente as políticas para a questão que Netanyahu queria impor. A deputada, dissidente do Likud, denuncia que lhe foi oferecida a pasta da Educação em troca de que ela se afaste do partido pelo qual se reelegeu agora, o Nova Esperança, e volte a integrar o Likud.
Há uma crise oriunda centralmente da divisão entre judeus (cidadãos de primeira categoria) e árabes) que pode ainda se aprofundar, levar a uma não formação de governo e a uma quinta eleição. A ampliação da votação dos partidos progressistas a exemplo do Meretz e do Avodá, são os fatores principais da esperança na mudança apontados nesta eleição.