Na última quinta-feira (25), a União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES) realizou a exibição de mais uma sessão do Cinema com Partido – 2ª Mostra Democrática. O filme apresentado foi “O Julgamento do Macaco”, de Stanley Kramer (1960)’, que discute a abordagem da evolução das espécies frente às crenças religiosas.
A sessão do Cinema com Partido contou ainda com debate realizado por Lucas Chen, presidente da UMES, e Clovis Monteiro, editor-geral da Hora do Povo e membro do Núcleo de Popularização dos Conhecimentos sobre Evolução Humana (IEA-USP).
“O Julgamento do Macaco” é o nome pelo qual ficou popularmente conhecida a causa ajuizada em 1925 pelo Estado do Tennessee contra John Thomas Scopes, um professor acusado de ensinar a teoria da evolução a seus alunos do colegial, o que violava uma lei estadual editada naquele ano que, por razões religiosas, proibia o ensino do evolucionismo darwiniano nas escolas públicas. O caso “Estado do Tennessee contra John Thomas Scopes” relatado no filme, historicamente é tido como um dos primeiros e maiores episódios do antievolucionismo nos Estados Unidos.
“É um caso real onde a ciência e a verdade foram julgadas. Um século depois, uma pequena (mas barulhenta) turma volta a condenar o direito de pensar e zomba dos avanços científicos em plena pandemia cuja única solução, a vacina, é uma arma desenvolvida pela ciência viva”, ressaltou o presidente da UMES, Lucas Chen.
Clóvis Monteiro explicou que “O Julgamento do Macaco” é baseado em um fato real ocorrido na década de 20 do século passado, portanto, há 100 anos. O filme foi realizado nos EUA na década de 60, “numa clara alusão ao macarthismo e à perseguição aos comunistas”.
“Eu assisti este filme há muito tempo e me parecia um pouco absurdo, não achava que era possível acontecer aquilo. E depois de tanto tempo, nós vemos que não só era possível, mas que isso está acontecendo. Especialmente com a eleição do último presidente se iniciou um processo que inclusive a Mostra Cinema com Partido, tem esse nome em alusão ao chamado de “Escola sem Partido”.
“O que é escola sem partido? É uma escola que não pensa, uma escola que não questiona, é uma escola em que a ciência não tem vez. Uma coisa inacreditável, coisas que eram piada voltaram a ser coisas fluentes. Por exemplo a “Terra Plana”, passou a ser defendida por setores deste governo, que estão com o poder de difundir suas ideias passaram a circular em redes de WhatsApp e correntes de internet e de repente, milhares de pessoas falam que a Terra é plana.
“Há 276 anos antes de Cristo já teve um grego não só percebeu que a Terra era redonda mas como estimou com precisão incrível qual era a circunferência da Terra. Isso antes de Cristo.
Hoje, depois de avião, depois de foguete, depois ir para a Lua, de observar a Terra de longe da Ciência da medição de tudo né que a terra ser Redonda Uma coisa que podia ser uma ideia, mas quando você navega e circula a Terra, passa a ser uma coisa simples. O avião faz a mesma coisa. Esse pessoal que difunde que a Terra é plana pelo celular, mas só faz isso por conta do satélite que circula pelo planeta.
“A negação da ciência, a negação do pensamento, é uma coisa que voltou e é contra isso que a gente está se levantando e nesse ano que passou, a gente conseguiu acumular bastante para isolar essa posição, que é o atraso”.
CRIACIONISMO
Em seguida, o jornalista entrou no debate sobre a questão da evolução das espécies e o risco que há na defesa do “criacionismo” pelo Estado.
“O filme mostra como a discussão criacionista era uma coisa atrasada já naquela época, imagina nos tempos atuais, no caso da discussão sobre a evolução humana”. “Não se trata aqui de colocar religião contra a ciência. São duas esferas diferentes”, destacou Clovis.
“Eu tenho o prazer de colaborar com o núcleo de popularização do conhecimento sobre a Evolução Humana, que foi formado pelo professor Walter Neves, arqueólogo, o descobridor da Luzia, e ele tem uma posição que eu acho muito precisa sobre essa questão. A religião é uma decisão de foro íntimo. Então cabe a cada igreja difundir a sua crença, a sua fé. Que é baseada em crenças. Isso é uma questão de foro íntimo, de quem quer seguir qual religião.
“Agora cabe ao Estado apresentar a visão da ciência nas escolas. Para isso existem as escolas. É para gente avançar no conhecimento científico e não se contrapor à religião.
“Mas a escola é o espaço da ciência. É onde você vai aprender todas as ciências: as ciências humanas, matemática, física, biologia… o conjunto ali é um espaço da ciência e você pode muito bem ir para sua escola e ter o seu espaço, fora da escola, da religião. Cada um tem a sua. Pode ter, fazer, não ter nenhuma. O que devemos evitar é misturar essas duas coisas. Porque aí teremos a destruição das duas coisas, a destruição da ciência e da escola é o que acaba acontecendo.
“Os Estados Unidos vivem essa situação. Uma exposição de um aquário gigantesco cheio de espécies, mas não tem nenhuma menção de classificação de animais, quais são aqueles que deram origem a quais, um pouco de filogenia dessas espécies. E perguntaram ao diretor sobre isso e ele falou o seguinte: “Não tem porque isso fere o pensamento criacionista”. Então não poder ter um museu não pode ensinar ciência é um atraso de vida grande.
“O Brasil está ameaçado de ser o segundo maior país criacionista do mundo. É isso que a gente está passando. Agora, essa é uma luta que está em curso.
EVOLUÇÃO
Clovis relembrou ainda que a evolução humana também é muito bem documentada.
“Nós temos centenas de fósseis que marcam bem essa evolução. Existe um erro, muito frequente ao dizer que nós viemos do chimpanzé. Nós não viemos dos chimpanzés, nós viemos do macaco e somos macacos. Nós somos um primata, como os outros primatas. Nós somos macacos bípedes pelados, com pouquíssimos pelos. É essa a nossa condição.
“Dividimos um ancestral comum com os chimpanzés há 7,5 milhões de anos atrás. Nós ficamos 7,5 milhões de anos evoluindo e os chimpanzés também ficaram 7,5 milhões de anos evoluindo. Eles também são o fruto da evolução e nós pelo outro lado.
“Nós não sabemos exatamente qual a característica deste ‘ser’ do qual nós descendemos, mas temos centenas de fósseis nesse período todo de vários hominídeos que conviveram ao mesmo tempo há 30 mil anos atrás, o que não é muito tempo em termos arqueológicos.
“Tínhamos pelo menos 7 a 8 espécies diferentes de hominídeos convivendo ao mesmo tempo. Nós os sapiens, os neandertais, o erectus, o floresiensis, o habilis, conviveram ao mesmo tempo. Então a evolução é uma coisa bem constatada que deve ser aprendida, deve ser ensinada, é um processo riquíssimo. É lindo você ver como é que as características aparecem, como é que a diversidade surgiu.
“Nós temos que ser um pouco mais abertos às diferenças, porque nossa espécie, o homo sapiens, é muito igual entre elas. Isso que a gente acha que um tem a cor da pele desse jeito, o outro tem que um tamanho assim, ou assado, isso não é nada em relação à espécie. 99,99% dos genes são idênticos. A variação é mínima.
COMBATE AO OBSCURANTISMO
“Isso mostra o quanto temos a aprender. o quanto este obscurantismo é um entrave. e como é importante, se quisermos nos beneficiar do que melhor a humanidade já produziu, que é o conhecimento científico em todos os campos, nós temos que brigar por isso. Esse é o momento.
“A pandemia coloca este obscurantismo em xeque. Não é com cloroquina, que vamos sair dessa. Alguém falou há um ano em cloroquina e o ‘cara’ está mantendo uma ideia ultrapassada. Agora vem o spray nasal, daqui há pouco vem um shampoo anticaspa que previne a Covid e o cara vai querer usar… É uma coisa irracional. São mais de 300 mil mortos, em boa parte fruto dessa irracionalidade.
“Esse filme deixa bem claro qual a disputa que existe entre o conhecimento, a ciência e a negação, o obscurantismo, o atraso, um atraso anterior ao período medieval. É uma coisa muito tosca, essa é a verdade.
“A pandemia tem deixado isso claro para pessoas que não estavam vendo isso no passado, que nós temos que ter um rumo diferente. E para isso, a Mostra Cinema com Partido vem num momento que ajuda a discutir este assunto e ajuda a tomarmos um posicionamento forte quanto a isso”, ressaltou o jornalista.
Veja o debate do Cinema com Partido na íntegra:
https://www.facebook.com/UMES.SP/videos/712444076118658
O Cinema com Partido – 2ª Mostra Democrática acontece todas as quintas-feiras às 19 horas na sala virtual do Cine-Teatro Denoy de Oliveira. Para participar das sessões do Cinema com Partido, basta entrar em contato pelo Whatsapp: +55 11 94662-6916 – ou pelo email: cineteatro@umes.org.br
A próxima sessão será em 01 de abril, com “Milagres à Venda”, de Richard Pierce (1992). O debate que acontece logo após o filme será com o Pastor Ariovaldo Ramos, coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito.
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