Medida de Bolsonaro pode onerar produtos de combate à Covid, como desinfetantes, gases medicinais e até mesmo máscaras de polipropileno e seringas para vacinação e coloca em risco até 80 mil empregos, alerta indústria química
Representantes da indústria química afirmam que a manobra de Bolsonaro de zerar as alíquota dos impostos federais PIS/Cofins, que incidem sobre combustíveis, tornará mais caros produtos que são produzidos pela indústria petroquímica, além de colocar em risco entre 60 mil e 80 mil empregos do setor.
No início de março, Bolsonaro zerou as alíquotas de contribuição do PIS/Cofins que incidem na comercialização e importação do óleo diesel e do gás de cozinha em busca de tentar ludibriar os caminhoneiros, que ameaçavam entrar em greve, e consumidores que criticavam as novas disparadas nos preços dos combustíveis. Como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) exige que qualquer redução de tributos seja acompanhada de uma compensação ao erário público, Bolsonaro editou a Medida Provisória (MP) nº 1.034/2021, que, entre outras medidas, instituiu o fim do Regime Especial da Indústria Química (REIQ).
O Conselho Federal de Química considerou a medida do governo “predatória”.
“Nos custa conceber que medida tão predatória à Química no Brasil possa ser posta em marcha em momento tão sensível do país. O desenvolvimento da Química tem sido um dos pilares da proteção da população e da mitigação dos riscos de contágio pela Covid-19 e o enfraquecimento do setor vem na contramão do bom senso. Ainda que medidas direcionadas, paliativas, tenham sido incluídas para mitigar o impacto direto sobre a indústria química relacionada ao combate ao novo coronavírus, o prejuízo ocorrerá”, afirmou o presidente do Conselho, José de Ribamar Oliveira Filho, através de nota divulgada no início deste mês.
José de Ribamar alerta que “80 mil empregos estão sob ameaça – e tudo indica que esse desemprego que advirá do fim do REIQ potencializará a crise humanitária que ora se pretende enfrentar”.
“A justificativa pública para a triste decisão, a necessidade de compensar uma redução no valor da gasolina, do óleo diesel e do gás de cozinha, sequer parece sólida. A queda projetada nos preços é tímida e a raiz do problema reside mais nos preços internacionais do petróleo e no desarranjo econômico provocado pela alta do dólar – o que, se diga, prejudica hoje também a indústria química brasileira, que seria duplamente penalizada”, denunciou o presidente do Conselho.
A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) também condenou a medida destacando que o governo estaria “condenando à morte a indústria petroquímica brasileira”.
“Em termos práticos, existe o risco de fechamento de inúmeras plantas fabris, desestímulo à continuidade das operações das empresas e impacto direto na manutenção de empregos e na competitividade da indústria”, afirmou a Abiquim, em manifesto publicado junto com federações de indústrias e sindicatos de trabalhadores.
De acordo com o manifesto, o fim da redução da tributação (PIS/Cofins) de empresas petroquímicas representará um aumento de impostos para a cadeia química, que pode gerar retração de demanda da ordem de R$ 2,2 bilhões, com consequentes recuos de R$ 7,5 bilhões de produção, de R$ 2,5 bilhões de valor adicionado e de 60 mil empregos. “A indústria química opera com um baixo nível de utilização da capacidade instalada, que foi de apenas 72% em 2020, os produtos importados representam 46% do mercado nacional e a situação pode ser agravada”, diz o manifesto.
O presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Químicos para fins Industriais do Estado do Rio (Siquirj), Isaac Plachta, alertou que os consumidores finais sofrerão os impactos dos reajustes nos preços dos itens que são produzidos pelo setor, que vão de embalagens plásticas até calçados.
“O setor industrial químico sempre foi estratégico para o Brasil. Todo país desenvolvido sabe que investir no seu setor químico é indispensável para o crescimento econômico, e essa importância se mostra ainda mais evidente neste momento terrível de pandemia, uma vez que a indústria química está diretamente envolvida na produção de insumos de importância indiscutível no combate à Covid-19, seja por meio de produtos de limpeza e higiene, gases medicinais e até mesmo máscaras de polipropileno e seringas para vacinação”, lembrou.
Criado em 2013 com o objetivo de fortalecer a indústria nacional frente à concorrência de produtos importados, em particular os dos EUA, que ressurgiu com força após a exploração do gás xisto, o REIQ é um regime especial que desonera a tributação de PIS/Cofins da indústria química em operações como nafta e outros produtos destinados a indústrias petroquímicas. Hoje, as alíquotas do REIQ de PIS e Cofins são de 3,65%.
A medida fragiliza ainda mais a indústria nacional. Em 2006, as importações tinham peso de 21% sobre o volume de demanda interna e, no início da série histórica da Abiquim, em 1990, tinham peso de apenas 7%. Hoje, essa fatia está em 46%, no maior nível da história.
De acordo com a Abiquim, a substituição da produção nacional por importados provocará uma queda de arrecadação ao país da ordem de R$ 500 milhões.