
Carta aberta a Claudio Lottenberg expressando repúdio a sua participação no jantar de confraternização com Bolsonaro no Dia do Holocausto, enquanto presidente da entidade teto da comunidade judaica brasileira, já reúne 2.500 assinaturas de judeus brasileiros além de dezenas de entidades judaicas
“É com indignação que tomamos conhecimento da participação do Sr. Cláudio Lottenberg, enquanto presidente da CONIB, no jantar em torno do presidente da República Jair Bolsonaro em São Paulo, no dia 7 de abril de 2021”, inicia a carta aberta ao presidente da Confederação Israelita Brasileira de iniciativa do Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil (OJDHB) com apoio do grupo Judeus pela Democracia.
Os autores da carta aberta enfatizam que não poderiam se calar diante do infeliz acontecimento, citando o líder da luta pelos direitos civis, Martin Luther King: ““Quem aceita o mal sem protestar, coopera com ele”.
A carta esclarece que “aquele não se tratava de um encontro protocolar entre o presidente da República e o presidente da CONIB, mas de uma reunião com empresários com o objetivo de reconstruir a base de apoio político ao governo, abalada desde que foi divulgado o posicionamento conjunto de diversos empresários em repúdio à maneira como o governo federal tem lidado com a pandemia”.
Assinada por 2.500 integrantes da comunidade judaica em pouco mais de 24 horas após lançado, o documento destaca algumas das razões pelas quais a presença do presidente da Conib não era desejável.
“Desde 2018, diversos grupos da comunidade judaica se colocaram contra Jair Bolsonaro, em repúdio a seus ataques às instituições, aos demais poderes da República, à imprensa, à sociedade civil organizada, aos direitos humanos, à memória do Holocausto e a qualquer voz de oposição. As ideias, falas e ações do presidente o colocam à margem do campo democrático brasileiro, pois partem sempre da violência, da intolerância, do repúdio à diversidade e da negação à ciência”, destaca a missiva.
O que causou a maior indignação foi a data em que Claudio Lottenberg concordou em participar: o Yom Hashoá (Dia do Holocausto). “A participação em um evento dessa natureza não condiz com o cargo de representante político de uma comunidade que se orgulha de ser plural, nem com uma entidade que se propõe, entre outros objetivos, a combater a intolerância. Por uma infeliz coincidência, a ‘confraternização amistosa’ aconteceu em Yom Hashoá, dia em que lembramos as 6 milhões de vítimas do Holocausto nazista”, dizem o OJDHB e o JPD.
“Como o filósofo judeu Karl Popper nos ensina, não se deve tolerar o intolerante, sob o risco de ter demolido o espaço de convivência entre os diversos”, enfatiza a carta.
“Para além de autoritário, o presidente Jair Bolsonaro é o maior responsável pelas mais de 340 mil vidas perdidas pela crise de saúde da Covid-19, por sua gestão errática e irresponsável da pandemia. A ausência de coordenação nacional, a falsa dicotomia entre economia e saúde, a negação da ciência, as críticas recorrentes aos protocolos sanitários mínimos e os estímulos à aglomeração colocam na conta do presidente as centenas de milhares de mortes, números dignos de grandes guerras da história mundia”, prossegue.
“A crueldade em rir e fazer chacota de quem padece da doença passa de qualquer limite aceitável, e a humilhação internacional pela qual o atual governo nos faz passar deveria ruborizar qualquer cidadão brasileiro”, ainda mais um médico que exerce a função de presidente de uma instituição que é orgulho da comunidade judaica brasileira, o Hospital Albert Einstein.
A tentativa de Claudio Lottenberg de justificar sua presença piorou ainda mais a situação, pois ao fazê-lo, em entrevistas concedidas logo após o episódio à Rádio Jovem Pan e à CNN se derramou em elogios a Bolsonaro que, segundo ele, seria “aberto ao diálogo” e “predisposto a ouvir”.
Também tentou se explicar dizendo que foi ao jantar munido de um “sentimento pró-Brasil”, exatamente o contrário do que o inquilino atual do Palácio do Planalto tem se mostrado.
A carta contesta as “justificativas” de Claudio: “O presidente já demonstrou em inúmeras situações a indisposição de mudar de comportamento. Não há cooperação possível com Jair Bolsonaro. Há apenas a cooptação”.
Finaliza afirmando que o objetivo da infeliz presença dele no jantar com Bolsonaro é bem diferente do que afirma: “A presença do Sr. Cláudio Lottenberg no jantar, representando a CONIB, visa dar legitimidade à ideia de um apoio de judeus a um projeto político que vai contra os mais altos valores humanistas e democráticos, legados a nós pela tradição e história do povo judeu”.
O CONVESCOTE
O convescote foi em São Paulo, em uma mansão dos Jardins. Os principais empresários presentes foram Rubens Ometto, da Cosan; Luiz Carlos Trabuco Cappi, do Bradesco; o indefectível André Esteves, do BTG Pactual, que fez a mesma coisa que fazia nos governos do PT – foi um dos oradores do jantar para Bolsonaro; e o banqueiro David Safra. Os outros, inclusive o dono da casa, dono de uma empresa de segurança, não eram expoentes do empresariado ou das finanças.
Os oradores – Ometto, Esteves, Alberto Saraiva (dono da rede de lanchonetes Habib’s) e Claudio Lottenberg (presidente do Hospital Albert Einstein) – evitaram qualquer crítica a Bolsonaro.
Mas o único que manifestou seu apoio ao modo do entorno do próprio Bolsonaro, foi o dono da casa, também dono da empresa de segurança Gocil, Washington Cinel: “estamos com o senhor. O Brasil não volta para ladrão e vagabundo”.
Cinel não tentou explicar qual o seu critério para garantir a honestidade e o amor ao trabalho de Bolsonaro e trupe. Nem poderia – mas não deixa de ser uma grande falha para quem é dono de uma empresa cuja função é vigiar e guardar os valores de outras pessoas.
Quanto a Bolsonaro, em seu discurso, atacou Estados e municípios pelo combate que estes travam contra a Covid-19 e defendeu as aglomerações em cultos neopentecostais para recolhimento do dízimo.
Em suma, atacou o próprio combate real à pandemia. Veja mais detalhes sobre o lamentável evento em matéria relacionada:
CASA DO POVO E ASSOCIAÇÃO SCHOLEM ALEICHEM LANÇAM NOVO MANIFESTO
No domingo, dia 11, algumas das entidades mais tradicionais da comunidade judaica brasileira, entre elas, a Casa do Povo (SP) e a Associação Sholem Aleichem, também manifestaram repúdio à ida de Claudio Lottenberg ao citado jantar:
No auge de um momento dramático para todos os seres humanos, alguns empresários organizaram um jantar na primeira semana de abril para discutir a vacinação em massa com o Presidente da República. Tardiamente, porém, porque este presidente poderia ter se empenhado fortemente desde o início da pandemia em salvar vidas, preservar a população do contágio pelo vírus mortal, ou pela iniciativa de garantir necessidades básicas para todos (saúde, alimentação, emprego e renda), especialmente aos mais necessitados.
Mas estamos atrasados. E foi a este evento que o presidente da Conib – Confederação Israelita do Brasil compareceu, envolvendo toda a comunidade judaica numa situação vergonhosa e completamente contrária a valores humanos e judaicos.
Lamentamos profundamente a participação de qualquer representante dos judeus brasileiros nesse tipo de encontro. Lembramos que nem todos, e cada vez menos, judeus e não judeus, estão de acordo com as atitudes insanas deste governo. Associar nosso nome a esta vergonha é enlamear toda a comunidade. Exigimos que o presidente da Conib venha a público garantir que sua presença pode ser considerada apenas como uma adesão individual, e não das judias e os judeus brasileiros.
ASA – Associação Scholem Aleichem(RJ) , Casa de Cultura Habonim Dror (RJ) e Casa do Povo (SP)
CONTRADIÇÃO
Agora, é de se esperar um posicionamento autocrítico por parte do presidente da Conib, em coerência com a própria razão de existência da Conib, que nasceu em 1948, três anos após o fim dos horrores nazistas, como entidade “sem fins econômicos, de caráter cultural e na defesa dos Direitos Humanos”, como traz já no artigo primeiro o seu estatuto e com posicionamentos já expressos por Claudio.
Como é o caso do adotado em entrevista ao jornal O Globo um mês antes desse episódio, criticou o governo federal pelo abandono do país diante da pandemia já com uma inaceitável mortandade que só se agravou de então até agora e, portanto, em contradição com o gesto deste 7 de abril e das manifestações posteriores através das entrevistas e postagens no portal da entidade que dirige.
“Não vimos uma linguagem única, em caráter nacional. Quer dizer, a utilização de máscara e do álcool gel, que deveria ser um mantra, não aconteceu. É culpa de uma ordem de governança que não soube construir, em um ano, um mínimo de entendimento. Acho que essa pergunta tem que ser feita pelo governo federal”, disse na entrevista enquanto presidente do Albert Einsten e do Instituto Coalizão Saúde.
Na ocasião ele ressaltou a diferença entre a postura de Bolsonaro e a dos goverantes israelenses : “Se houve um ente que não criou um clima inspiracional, foi o governo federal. Não vamos olhar o modelo americano, mas o israelense — o primeiro ministro de Israel foi o primeiro a ser vacinado. Não vi grandes líderes de diferentes países aparecerem publicamente sem máscara”.
NATHANIEL BRAIA