O diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, Ronaldo Lemos, afirmou que o documento “Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia)”, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), “tem o nível de um trabalho de graduação universitária malfeito”.
Publicado no Diário Oficial da União (DOU), na sexta-feira (9), a Ebia tem como fim estabelecer diretrizes para o desenvolvimento e o uso de inteligência artificial (AI) no país. Além disso, o governo promete promover investimentos na tecnologia em pelo menos 12 serviços públicos federais até 2022. Em nota, o ministro da pasta, Marcos Pontes, diz que a publicação da Estratégia é um grande passo para o Brasil.
Em artigo, publicado na Folha, na segunda-feira (12), “Estratégia de IA brasileira é patética”, Ronaldo Lemos fez duras críticas ao documento do MCTI. “O documento é uma reunião de platitudes e citações de dados buscados na internet”. “Se fosse apresentado como um trabalho de faculdade, a Estratégia Brasileira de IA seria reprovada. Como política de Estado, ela é um desastre. Mostra que o país está à deriva. Se essa é a contribuição do MCTI para o tema, estamos lascados”, observou Lemos.
Reproduzimos a seguir o artigo
Estratégia de IA brasileira é patética
Ronaldo Lemos
Há anos que o Brasil precisa de um plano nacional de inteligência artificial. Essa tecnologia representa uma oportunidade de desenvolvimento e uma ameaça a países de renda média como o nosso, que não têm conseguido sequer preservar seu parque industrial instalado.
Na semana passada, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) finalmente publicou a aguardada Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia). O documento é apresentado de forma ambiciosa. Logo no início diz pomposamente que “esta estratégia assume o papel de nortear as ações do Estado brasileiro” relacionadas à questão da IA.
Se o Brasil depender desse documento para estruturar sua resposta aos desafios trazidos por essa tecnologia, nosso futuro será tenebroso. O documento publicado tem o nível de um trabalho de graduação universitária malfeito. Com uma diferença: custou recursos aos cofres públicos e tem apenas 52 páginas. Trabalhos de faculdade costumam ser maiores que isso.
É difícil listar todos os problemas do documento. O primeiro deles é não ter nenhuma meta, orçamento, organização ou planejamento de implementação. O documento é uma reunião de platitudes e citações de dados buscados na internet.
Mais do que isso, trata inteligência artificial como se fosse uma coisa só. Ignora a complexidade de disciplinas totalmente distintas — como aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural, visão computacional e outras — que demandam ações também distintas e específicas.
Para escrever esse triste documento, o MCTI realizou uma consulta pública entre dezembro de 2019 e março de 2020. Houve mais de mil contribuições, muitas delas substanciais. Quem contribuiu perdeu seu tempo. O documento nem sequer se deu ao trabalho de considerar ou tabular as contribuições.
Mais do que isso, o trabalho tem gráficos risíveis. Além disso, há um capítulo que fala do uso de IA no setor público, tema essencial para o país. Mesmo essa parte é vergonhosa. Ignora os usos de IA por parte do Poder Judiciário e as iniciativas do Conselho Nacional de Justiça. Cita apenas casos esparsos, mesmo com o tema já bem documentado no país.
Quando comparado com outras estratégias nacionais de IA, a frustração só aumenta.
O plano do Japão tem todo um detalhamento de política industrial relacionado a IA. O da Índia, um projeto claro de uso de IA como revolução no agronegócio. O do Uruguai, um longo caminho de digitalização do poder público.
Já o plano brasileiro tem recomendações como “estimular parcerias com corporações” ou “fomentar a exportação de sistemas de IA brasileiros”. Que corporações? Que sistemas?
O único momento em que a estratégia acerta é na descrição da miséria do país no que tange a inovação.
Ao recortar e colar dados da internet, o documento reproduziu com tintas oficiais que nosso país ocupa a 101ª posição global em habilidades técnicas e a 96ª posição em capacidade de atrair talentos. Na América Latina, o país fica “atrás de países como “Trindade (sic) e Tobago, Jamaica, Panamá e Peru”, nas palavras do próprio relatório.
Se fosse apresentado como um trabalho de faculdade, a Estratégia Brasileira de IA seria reprovada. Como política de Estado, ela é um desastre. Mostra que o país está à deriva. Se essa é a contribuição do MCTI para o tema, estamos lascados.
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Ronaldo Lemos é advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.