
“É uma organização criminosa. Não merecem nem a denominação de empresas. Têm a vida dedicada ao crime, ao furto de bens públicos, à fraude, à corrupção de servidores públicos”, afirmou Saraiva sobre os madeireiros defendidos por Ricardo Salles
O superintendente da Polícia Federal do Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, foi exonerado do cargo, na quinta-feira (15), um dia depois de enviar ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria Geral da República (PGR), uma notícia-crime contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aquele mesmo que defendeu que o governo aproveitasse o fato do país estar preocupado com a pandemia para “passar a boiada” e destruir as regras de proteção do meio ambiente.
A acusação foi feita com base em uma investigação desencadeada pela Operação Handroanthus – GLO, de dezembro do ano passado, que terminou com a apreensão de mais de 200 mil metros cúbicos de madeira, avaliados em cerca de R$ 130 milhões, no fim de 2020.
As evidências, segundo o delegado, surgiram depois que os madeireiros entregaram os documentos referentes às madeiras apreendidas.

PRESSÕES DO MINISTRO
Diante das pressões do ministro, Saraiva disse que “na Polícia Federal não vai passar boiada”, usando o termo utilizado pelo próprio Salles em reunião ministerial do ano passado. “Não é todo dia que o superintendente faz isso (notícia-crime ao STF), mas também não é todo dia que um ministro de outra pasta se arvora a promover a defesa de infratores ambientais”, observou o delegado. “A forma como nós trabalhamos com o Ibama sempre foi de parceria. Nunca o Ibama solicitou os laudos periciais para fazer análise”, disse Saraiva.
No documento, o agora ex-superintendente da PF do Amazonas diz que “mesmo amparado por farta investigação conduzida pela Polícia Federal, [Ricardo Salles] resolveu adotar posição totalmente oposta, qual seja, de apoiar os alvos, incluindo, entre eles, pessoa jurídica com 20 Autos de Infração Ambiental registrados, cujos valores das multas resultam em aproximadamente R$ 8.372.082,00”, descreve um trecho da peça enviada ao Supremo.
O ministro “chegou ao ponto de pretender atuar como perito, querendo rastrear a madeira extraída, sem ao menos saber qual o modus operandi da organização criminosa. A atividade pericial não é simplória, como pretende transparecer o agente político”, disse o delegado.
“Não é todo dia que o superintendente faz isso (notícia-crime ao STF), mas também não é todo dia que um ministro de outra pasta se arvora a promover a defesa de infratores ambientais”, disse ele, ao falar da quadrilha defendida por Salles
Na denúncia, Saraiva afirma que há irregularidade no plano de manejo e no Cadastro Ambiental Rural da área (CAR). “São irregularidades gravíssimas. Por exemplo, as áreas de preservação permanente (APP), ao que parece, foram ignoradas”, disse ele. “Temos 10 ou 12 laudos atestando de forma inequívoca a ilegalidade de exploração. As empresas têm mais de duas dezenas de autuações no Ibama. É uma organização criminosa. Não merecem nem a denominação de empresas. Têm a vida dedicada ao crime, ao furto de bens públicos, à fraude, à corrupção de servidores públicos”, acrescentou.
Há quem indague por que Ricardo Salles, apesar de todo o seu desgaste, goza da confiança de Jair Bolsonaro. Pois é exatamente por atitudes como esta, de defender abertamente madeireiros ilegais, que ele é homem de confiança de Bolsonaro. Para quem defende a destruição e a venda da Amazônia, não podia escolher melhor nome para Ministro do Meio Ambiente.
O ministro Ricardo Salles e o senador Telmário Mota (PROS-AM) fizeram declarações contra a operação. O ministro chegou mesmo a visitar a área entre os Estados do Pará e Amazonas, onde a madeira foi apreendida e continua parada.
Salles se reuniu com madeireiros da região e demonstrou acreditar na legalidade da madeira apreendida e na inocência dos madeireiros. “O setor (madeireiro) se for demonizado e criminalizado indevidamente, vai colocar muitas pessoas em situação de fragilidade econômica ainda maior, só vai contribuir para aumentar o desmatamento ilegal na região”, disse Salles em defesa dos madeireiros.
O delegado disse que esperava por documentação que comprovasse a legalidade da operação. “Mas o que encontramos foram fraudes muito claras e muito graves. Em razão disso, quando acontece um crime, devemos tomar as medidas previstas em lei. Quando a pessoa tem foro privilegiado, devemos comunicar a corte que tem atribuição para investigar aquele delito e foi o que fizemos”, afirmou Saraiva.
SALLES FEZ ADVOCACIA ADMINISTRATIVA
O ministro é acusado de dificultar a fiscalização de crimes ambientais na Amazônia. O delegado denunciou o ministro também pelo crime de advocacia administrativa, que é quando o agente público usa o cargo para defender interesses particulares ou de organização criminosa. A denúnica atinge também o senador Telmário Mota (PROS-AM). O chefe do Ibama da região, Eduardo Bim, também é citado. Apesar de citar o presidente do Ibama Eduardo Bim, Saraiva não pediu sua investigação no documento.
Segundo o delegado, houve uma apreensão de madeira retiradas ilegalmente da região e o ministro, Ricardo Salles, atuou em defesa dos madeireiros autuados e não da fiscalização. O ministro esteve por duas vezes na região defendendo que a madeira apreendida fosse liberada.
Alexandre Saraiva afirma que o ministro se arvorou na defesa dos infratores ambientais. “É da natureza das organizações criminosas, como mostra a Convenção de Palermo, a doutrina da infiltração no Estado”, disse o delegado. Ele explicou que o inquérito foi iniciado por ele e, por isso, ele continuará como autoridade policial deste inquérito.
Diante dos ataques do senador Telmário Mota feitos ao ex-superintendente após a queixa-crime enviada ao STF imputando ao parlamentar e ao ministro Ricardo Salles crimes de obstrução de investigação ambiental, advocacia administrativa e organização criminosa, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal reagiu através da publicação de uma nota pública.
Telmário Motta havia dito que ‘não tinha medo de delegado fora da lei’ e indicado que entraria com uma representação por abuso de autoridade contra Saraiva.
NOTA DA ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DA PF
Na nota, a ADPF pregou respeito às prerrogativas de Saraiva, ‘independentemente do poderio político ou econômico dos investigados’, e ressaltou que é ‘inadmissível’ que integrantes do governo federal ou parlamentares ‘exerçam pressão’ sobre a PF.
“Caso o investigado não concorde com as providências adotadas pelo Delegado de Polícia, deve buscar, por meio de seus advogados constituídos, demonstrar as suas teses ou, em caso de indeferimento pela autoridade policial, recorrer ao Judiciário. A atividade investigativa possui controles institucionais internos e externos suficientes para que os investigados possam utilizar os dispositivos legais em suas defesas”, afirma a entidade.
A nova crise envolvendo Salles repercutiu no Congresso. O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), cobrou, em entrevista ao Correio, uma “ação enérgica” do governo em relação ao fato. Ele também criticou o anúncio da exoneração do superintendente, determinada pelo novo diretor-geral do DPF, Paulo Maiurino, empossado no cargo no último dia 8. “As denúncias que pesam sobre o ministro Ricardo Salles, um antiministro do Meio Ambiente, são graves e merecem ser apuradas com muito rigor pelos órgãos competentes. Mais trágico ainda é a demissão do chefe da Polícia Federal, demitido por fazer seu trabalho”, reprovou o deputado.