Depoimento de representante da construtora havia confirmado repasse ilegal a Pedro Pablo Kuczynski e gravações comprovaram tentativa de compra de votos. PPK renunciou para evitar impeachment
Em pronunciamento à nação no final da tarde desta quarta-feira o presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski (PPK), anunciou que renunciava ao cargo por não ter mais como resistir “à artimanha de demolição contra o governo”, não podendo deixar que “a oposição siga me pintando como uma pessoa corrupta”. O que PPK fingiu ignorar foram os milhões recebidos em propinas da Odebrecht ao longo de anos e os vídeos de suborno recentemente tornados públicos.
A bancada da oposicionista Força Popular (FP), com o seu porta-voz Daniel Salaverry à frente, havia apresentado, na terça-feira, uma série de vídeos em que se vê os congressistas governistas Guillermo Bocángel e Bienvenido Ramírez oferecendo um conjunto de projetos e obras ao parlamentar Moisés Mamani para que votasse contra o pedido de impeachment do presidente, que seria apreciado na quinta-feira (22).
Numa das reuniões para a compra de votos aparece o congressista Kenji Fujimori, filho do ex-ditador Alberto Fujimori, além do próprio advogado de PPK, Alberto Borea, tornando explícita a orientação oficial de suborno e sua crescente angústia às vésperas da votação.
Durante coletiva de imprensa, Mamani denunciou a tentativa de PPK evitar o afastamento da Casa de Pizarro por meio da entrega de pacotes de obras aos parlamentares. “Tenho as provas que evidenciam que o governo compra congressistas para ficar no poder. Entreguei todas as provas para o representante da minha bancada, a fim de que faça os trâmites correspondentes. Por que enganar a população dizendo que não há recursos para o orçamento, se há dinheiro para comprar o voto dos congressistas? Isso é o que mais me indigna”, acrescentou Mamani.
INDULTO
O presidente só havia conseguido escapar do primeiro pedido de impeachment, em dezembro, após um acordo com o deputado Kenji Fujimori – filho do ditador Alberto Fujimori – e irmão da deputada Keiko. O “indulto de Natal” ao assassino e torturador, dono de uma extensa lista de crimes de lesa-humanidade, tinha garantido a sobrevivência a PPK, aos trancos e barrancos.
A votação do segundo pedido de impeachment teve como motor as relações mais do que entranhadas mantidas por Kuczynski com a construtora brasileira Odebrecht. O mandato do presidente já havia sido colocado em xeque, no começo de março, depois que o representante da empresa no Peru, Jorge Barata, deu um depoimento à Lava Jato em que informou ter financiado a última campanha eleitoral de Kuczynski em troca de benesses. A promiscuidade com a Odebrecht vinha de longa data. De 2004 a 2013, PPK é acusado, entre outros crimes, de ter recebido mais de US$ 5 milhões em propina da empresa por meio de supostos “serviços de consultoria”. Detalhe: em parte deste período foi ministro da Economia do presidente Alejandro Toledo (2001-2006), notório assaltante dos cofres públicos, atualmente foragido nos Estados Unidos.
DESESPERO
O porta-voz da FP ressaltou que Kenji Fujimori tentou “desesperadamente” convencer Mamani a “salvar uma gestão corrupta”. Os “Kenjivídeos” expõem as reuniões que explicitam como os membros do bloco liderado pelo mais novo dos Fujimori, denominado os “Avengers” (vingadores) conseguiram obter um resultado positivo para o presidente durante a votação de dezembro, quando foi evitado o afastamento. O parlamentar Bienvenido Ramírez conta como, a partir da sua abstenção na votação, conseguiu um pacote de “dez obras”. Em outra das gravações aparece Kenji, ao lado de seu assessor Alexei Toledo, dizendo a Mamani que não se preocupe com a Promotoria e se concentre nas vantagens que vai obter ao colaborar com PPK, pois estará “do lado do governo”.
Outro “Kenjivídeo” mostra o até então gerente de Políticas da Superintendência Nacional de Controle de Serviços de Seguranças, Armas, Munições e Explosivos de Uso Civil (Sucamec), Freddy Aragon – recém demitido por conta do vazamento da conversa -, explicando pormenorizadamente ao parlamentar como funciona o “negócio dos congressistas”. Também aparece o advogado de Kuczynski, Alberto Borea, passando a Mamani o número telefônico do ministro de Transportes e Comunicações, Bruno Giuffra.
No final da apresentação do vídeo à imprensa, diante da contundência das provas apresentadas e da elevada tensão entre os governistas, Daniel Salaverry pediu proteção à sua vida e de Mamani.
Porta-voz adjunta da FP, Milagros Salazar denunciou na segunda-feira que o governo estava oferecendo “200 mil dólares nas mãos dos congressistas, mais oito projetos para sua região”. Confirmando o valor de “200 mil dólares em dinheiro vivo”, seu correligionário Héctor Becerril citou “as obras milionárias que vêm junto para favorecer diretamente os congressistas”.
Inicialmente aliados do presidente, os parlamentares Gino Costa, Alberto de Belaunde e Vicente Zeballos passaram a defender seu imediato afastamento. Para Belaunde, os vídeos colocaram um novo panorama, diante do qual se vêem obrigados a mudar de posição. “O presidente PPK deve renunciar”, defenderam.
Somando-se à enxurrada de denúncias, a parlamentar María Melgarejo informou ter recebido uma ligação telefônica onde um “Avenger” oferecia as mesmas benesses. “Na sexta-feira, eu também fui abordada. Me chamaram para dizer o mesmo: que em troca de meu voto receberia um pacote de obras de 39 milhões de sóis (US$ 10 milhões)”, acrescentou.
Ex-congressista da bancada fujimorista, Martha Chávez, propôs que as autoridades judiciais se posicionem claramente. “Depois de tão grave denúncia, PPK deve ser impedido de sair do país e, assim como todos os envolvidos nesta grande rede de corrupção deve responder às medidas legais cabíveis”, concluiu.
LEONARDO SEVERO