Advogados do pastor alegam que a pandemia “não pode ser considerada justificativa plausível” para manter impedir o despejo
A favela Penha Brasil, na Vila Dionísia, zona norte de São Paulo, sofre uma ação de despejo movida na Justiça pela Igreja Internacional da Graça de Deus, comandada pelo intitulado “missionário” R.R. Soares. O terreno de aproximadamente 12 mil metros quadrados foi ocupado em dezembro de 2020 por cerca de 200 famílias que, em sua maioria, perderam os seus empregos e foram despejadas durante a pandemia de coronavírus.
A favela surgiu em dezembro de 2020, com barracos construídos por famílias no terreno que estava abandonado
Os advogados de R.R. Soares, que além de comandar a igreja ainda é dono de uma fortuna estimada em R$ 125 milhões (segundo avaliação da lista Forbes de 2019), proprietário de emissora de TV, Rádio e Editora, alegam para remoção dos moradores que a ocupação foi feita “sem permissão e de forma criminosa”.
Segundo apurou o portal Ponte Jornalismo, que esteve no local, na última sexta-feira (16), lá estão homens, mulheres, idosos, adolescentes, crianças, autistas e esquizofrênicos, vindos de bairros próximos como Peri Alto, Limão e até mesmo Barra Funda, na zona oeste. Sem qualquer renda, nem mesmo a do auxílio emergencial, muitos perderam suas casas e se viram obrigados a ocupar o terreno.
A organização da ocupação é feita pela Associação Vila dos Heróis e Instituto Sidney Fernandes.
De acordo com o advogado de Soares, Marco Antonio Cecílio Filho, a “situação epidemiológica não pode ser considerada justificativa plausível para que seus ocupantes venham a permanecer no imóvel, até porque os próprios vizinhos do terreno e suas famílias vêm sofrendo as consequências”.
Ainda de acordo com a Ponte, a igreja se respalda nas reclamações de síndicos de condomínios vizinhos que citam “crianças vendendo balas, barulho, lixo deixado em calçadas e também pessoas transitando pelas ruas sem máscaras”, algo comum em qualquer lugar da cidade, como forma de agilizar o despejo, autorizado pela justiça desde janeiro.
Em dezembro, no mesmo momento que Jair Bolsonaro organizava o perdão das dívidas milionárias contraídas pelas igrejas evangélicas, entre elas a de R.R Soares, os advogados da instituição ingressavam na 4ª Vara Cível do Foro Regional de Santana com o pedido de despejo dos sem-teto.
Autorizada pela justiça, após anuência do Ministério Público, a reintegração de posse só não ocorreu ainda porque a Polícia Militar solicitou mais tempo para agir. No início de janeiro, o tenente Everson de Morais, do 9° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, alegou que era “necessário um maior planejamento e respeito às diretrizes de trabalho, que obedecem várias etapas a serem cumpridas”, o que forçou o adiamento.
“Despejar alguém na pandemia é desumano”
O coordenador do Conselho Participativo Municipal Casa Verde/Cachoeirinha, João Moreirão, que acompanha a situação dos sem teto, considera que uma ação de despejo coletivo em meio à pandemia é “desumana”.
No processo, o advogado Marco Antonio Cecílio Filho, disse que no local existem pessoas que realmente precisam de moradia, mas outras que “buscam obter vantagem em cima da situação apresentada”.
Para Moreirão, “em circunstância nenhuma as pessoas vão morar nesta situação por opção”. “Eles estão em uma situação de extrema vulnerabilidade. Eles são, em sua maioria, trabalhadores autônomos que já foram desalojados de outros lugares devido à pandemia, que não conseguem receber o auxílio emergencial e não tem mais condições de pagar um aluguel”, destacou.
“Despejar alguém na pandemia é imoral e criminoso”, ressaltou Moreirão.
Ele relembra ainda que a decisão judicial que autorizou o despejo é contrária à resolução 90/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que recomenda que ações como esta não sejam realizadas durante a pandemia. Em fevereiro, o CNJ atendeu a proposta apresentada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, que compõe o Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário.
Pela Recomendação, os juízes e juízas devem ter especial cautela na análise de casos coletivos durante a pandemia da Covid-19. Antes de decidir pela expedição de mandado de desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais, devem também levar em consideração o grau de vulnerabilidade dos prejudicados, podendo inclusive analisar o acesso à vacinação da Covid-19.
Moreirão condena ainda a postura do intitulado “missionário” RR Soares que, no momento mais grave da pandemia, defende que famílias sejam jogadas na rua.
“Se estivesse disposto a ser um cristão, o RR Soares devia doar o terreno e utilizar uma parte de sua imensa fortuna para construir moradias populares que atendessem os mais necessitados. Isso é um dever de qualquer cidadão que tem as condições que ele possui e que tem o mínimo de empatia com o próximo”, disse. “Não faz isso porque é um charlatão que pretende enganar o povo”, concluiu Moreirão.
Em nota, a Prefeitura informou que a “Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social cadastrou as famílias que ocupam o local e orientou sobre a rede socioassistencial, acolhimento e cadastro para programas de transferência de renda”. A Prefeitura ainda disse que “em decorrência do agravamento da pandemia está estudando formas de atendimento às famílias cadastradas na área”.
Até o momento nem a igreja, nem R.R. Soares se manifestou sobre o assunto.
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