Dias depois da condenação do ex-policial Chauvin por matar o negro George Floyd, a violência calcada no racismo perpetrada por policiais nos EUA, tirou a vida de Daunte Wright através de um tiro a queima-roupa. Ambos foram assassinados na mesma cidade de Minneapolis
Dois dias após a celebração da condenação do policial que assassinou George Floyd, mais um negro desarmado assassinado pela polícia, Daunte Wright, de 20 anos, teve seu funeral acompanhado em Minneapolis pelos familiares, por líderes dos direitos civis e por centenas de amigos e ativistas.
Daunte foi morto no dia 11 de abril ao ser parado no trânsito no subúrbio de Brooklyn Center, a poucos quilômetros do tribunal onde o algoz de Floyd foi julgado.
Na última despedida a Daunte na quinta-feira (22), lá estavam os irmãos de Floyd – Philonise, Keeta e Rodney Floyd – e familiares de outros negros desarmados também mortos por policiais, e cujos nomes se tornaram emblemáticos do racismo nos EUA: Philando Castile, Oscar Grant, Jamar Clark e Emmett Till. Também Kenneth Walker, o namorado de Breonna Taylor, morta pela polícia de Louisville ao invadir a casa dela sob um mandato preventivo em março passado .
No ato, se manifestaram os reverendos Al Sharpton e Jesse Jackson, a deputada Ilhan Omar e a senadora Amy Klobuchar, ambas de Minnesota.
Na véspera, centenas de pessoas prestaram sua última homenagem a Daunte, cujo caixão branco aberto estava coberto de rosas vermelhas, em uma igreja.
A mãe de Daunte, Kattie, chorou ao se lembrar do filho. “Nunca imaginei que estaria aqui. Os papéis devem ser completamente invertidos. Meu filho deveria estar me enterrando ”, disse ela. Daunte deixa um filho de um ano de idade.
“Sem justiça, sem paz”, destacou o reverendo Sharpton, sobre o clamor que há décadas se faz presente nas manifestações contra o racismo e a impunidade.
“A ausência de justiça é a ausência de paz”, enfatizou. “A paz é a presença da justiça”, continuou ele. “Você não pode nos mandar calar a boca e sofrer. Precisamos falar abertamente quando há uma injustiça.”
RETROVISOR
O jovem negro está morto porque foi parado numa blitz de rotina, segundo mensagem que enviou à mãe, por ter um “purificador de ar pendurado no espelho retrovisor” do carro, o que é ilegal em Minnesota.
Ao tentar voltar para o carro após saber que havia um mandato contra ele por não ter pago uma multa, Daunte acabou executado a tiro por uma veterana da polícia de 26 anos de serviço, que disse ter confundido o taser – arma que imobiliza com choque – com sua própria arma.
Já a polícia alegou que Daunte foi parado por estar com a placa vencida. Devido à repercussão do caso, a policial Kim Potter pediu demissão e foi acusada de homicídio culposo, quando não há a intenção de matar.
Em seu elogio fúnebre a Daunte, a quem chamou de “Príncipe do Brooklyn Center”, o reverendo Sharpton referiu-se a “um lugar de descanso … um banco de mártir”, onde o jovem de 20 anos iria poder se sentar ao lado de outros homens negros mortos em encontros com a polícia. Onze meses atrás, coubera a Sharpton tarefa semelhante, em relação a George Floyd.
“Sente-se, Daunte. Diga a George Floyd quem você é. Sente-se, Daunte. Aperte a mão de Philando Castile. Sente-se ao lado de Oscar Grant”, disse o líder dos direitos civis.
“Porque há um lugar especial no céu para aqueles que derramam sangue inocente, porque Deus vai usar você para endireitar o mundo”, acrescentou. “O mundo nunca mais será o mesmo”, asseverou Sharpton “porque vamos lutar contra situações como esta”.
VIDAS NEGRAS
O advogado de direitos civis Ben Crump encabeçou o cântico da congregação durante o culto, clamando que “a vida de Daunte Wright era importante”.
Aos pais de Daunte, ele disse que “nosso coração está partido com o seu, quando viemos para colocá-lo para descansar”. Mas, o “mais importante”, ele sublinhou, “celebramos sua vida e definimos seu legado mais uma vez: a vida de Daunte Wright importava.“
Ao reencontrar os familiares de George Floyd, Crump assinalou que “no ano passado, eles foram apresentados ao mundo porque se tornaram parte de uma fraternidade da qual nenhuma família quer fazer parte”.
Voltando-se para o procurador-geral de Minnesota, Keith Elisson, ele pediu empenho do Estado para que haja “justiça total”. “Freqüentemente, as paradas de trânsito terminam em sentenças de morte”, observou. “Teremos que garantir que Daunte Jr. saiba que defendemos seu pai.”
LEI GEORGE FLOYD
O reverendo Sharpton pediu a aprovação da Lei de Policiamento George Floyd, chamando a “tornar contra a lei em todo país continuar a realizar funerais para nossos jovens príncipes. Deus virou a página no Estado de Minnesota e nunca mais voltaremos a ter outra arma confundida com um taser”.
Lembrando a condenação do policial Chauvin no caso Floyd, a senadora Klobuchar apontou que “embora tenha sido um momento histórico para o nosso país, não podemos confundir responsabilização com justiça”.
“Porque não há verdadeira justiça, quando ter uma placa vencida signifique perder sua vida durante uma parada de trânsito”, acrescentou a senadora, em referência ao motivo alegado pela polícia para parar Daunte.
AR FEDORENTO
Ao concluir sua homenagem a Daunte, Sharpton se referiu ao evento fortuito que, sob um quadro de falta de empatia e de racismo, desencadeou o brutal assassinato de um negro desarmado, e que não era ameaça para nada.
“Viemos hoje como purificadores de ar para Minnesota. Estamos tentando tirar o fedor da brutalidade policial da atmosfera. Estamos tentando tirar o fedor do racismo da atmosfera. Estamos tentando tirar o fedor da discriminação racial da atmosfera. Viemos para Minnesota como purificadores de ar porque seu ar é muito fedorento para respirarmos. Não podemos mais respirar seu ar fedorento”, destacou.
O governador de Minnesota, Tim Walz, emitiu uma declaração de dois minutos de silêncio na hora marcada do início do funeral, ao meio-dia. “Nós sabemos que esta tragédia está conectada ao profundo racismo sistêmico em nossa sociedade”.
Em menos de um mês, ao invés de diminuir, o morticínio de negros e latinos – por uma polícia que se vê mais como patrulha de captura de escravos ou esquadrão da morte de força de ocupação do que como agentes da lei – só fez aumentar.
Chegaram às manchetes – e os vídeos às redes sociais -, Adam Toledo, um garoto de 13 anos, morto pela polícia com um tiro no peito em um beco com as mãos para cima; Andrew Brown, negro, pai de dez filhos, morto por um ajudante de xerife na Carolina do Norte; e a adolescente Ma’Khia Bryant, 16, sob custódia de uma casa de acolhimento.