“Vá tomar a vacina já”, convocou aos cidadãos maiores de 16 anos, no discurso dos 100 dias de governo
Em discurso ao Congresso dos EUA na noite de quarta-feira (28) para marcar os 100 primeiros dias de governo, o presidente Joe Biden defendeu seu programa de investimentos em infraestrutura “único em uma geração” de US$ 2,3 trilhões, apresentou seu novo “Plano das Famílias” de US$ 1,8 trilhão em oito anos, saudou a campanha de vacinação que já aplicou pelo menos a primeira dose em mais da metade dos adultos do país, fazendo com que as mortes por Covid-19 diminuíssem 80% desde janeiro, se comprometeu na criação de “empregos, empregos e empregos” e pediu “compre [produtos] americanos”.
Somando os dois programas, são US$ 4 trilhões entre investimentos, geração de empregos, energia renovável e melhoria das condições de vida da população norte-americana. . “Um investimento único na própria América”, enfatizou.
O que vem sendo apontado como a maior revisão dos benefícios sociais dos EUA desde os anos 1960, numa guinada quanto ao que tem prevalecido desde os anos Reagan. Questão registrada pelo New York Times, sob o título “Biden pede uma mudança na forma como os EUA atendem seu povo”.
São medidas ainda aquém do que os setores mais avançados, como Bernie Sanders, vêm propondo para superar o fosso de direitos que existe entre os Estados Unidos e os demais países desenvolvidos – mas são uma aproximação na direção correta, em um momento ainda de enorme divisão dentro do país pós-trumpismo.
Biden também aproveitou para incentivar os cidadãos a se vacinarem imediatamente. “Todos acima dos 16 anos, todos, podem se vacinar. Então vá tomar a vacina já”, convocou.
FAMÍLIAS
O “plano das famílias” de Biden inclui um pacote universal de pré-jardim de infância e creches, dois anos de ensino gratuito nas faculdades comunitárias, medidas de acesso à saúde e licença paternidade e maternidade.
No pacote anterior, famílias com crianças passaram a receber o equivalente a US$ 300 por mês – o que fará, Binden destacou, com que a pobreza infantil nos EUA caia pela metade até o final do ano. “Ninguém deveria escolher entre um ter emprego e contracheque ou ter cuidado para si ou para os pais, cônjuge ou filhos”, afirmou.
O presidente também se referiu à ajuda emergencial para o aluguel para evitar que as pessoas sejam despejadas de suas casas em plena epidemia.
Ele prometeu ainda baixar os preços dos remédios por meio do Medicare – o programa de Saúde nacional dos EUA voltado para os aposentados – e anunciou que mantém a proposta de elevar o salário mínimo a US$ 15 a hora.
Biden ressaltou ter herdado “uma nação em crise”, com a pandemia, “a pior em um século”, a pior crise econômica “desde a Grande Depressão”, “o pior ataque à democracia desde a Guerra Civil” (se referindo à invasão do Congresso em 6 de janeiro), mas que, agora, o país está se reerguendo e transformando “riscos” em “possibilidades”.
“EMPREGOS, EMPREGOS, EMPREGOS”
Biden também sublinhou que a geração de empregos é o coração da política de enfrentar a questão climática. “Por muito tempo, fracassamos em usar a palavra mais importante quando se trata de combater a crise climática: empregos, empregos. Quando penso em mudanças climáticas, eu penso em empregos”, afirmou.
Segundo o presidente norte-americano, esses novos postos “pagarão bem”, 90% deles não precisarão de grau universitário e atenderão aos colarinhos azuis. “Não há razão para que pás de geradores eólicos não possam ser fabricadas em Pittsburgh em vez de Pequim.”
Biden também saudou as perspectivas de que a retomada da economia, desde o fundo do poço de 2020, chegue a 6% este ano.
Ele propôs que os EUA invistam mais em ciência e tecnologia. “Conquistas científicas nos levaram à Lua e, agora, a Marte. Descobriram vacinas, nos deram a internet e muito mais. Esses são investimentos que fizemos juntos, como um país, e que só o governo pode fazer”, apontou.
O presidente tratou da questão do financiamento desses programas de investimento, empregos e benefícios sociais. Trata-se de reverter em parte aquela magnânima redução de impostos que o bilionário Trump se deu a si próprio e aos demais monopolistas e milionários amigos.
“Vinte milhões de americanos perderam o emprego durante a pandemia”, recordou, frisando que, “ao mesmo tempo, cerca de 650 bilionários viram a sua riqueza aumentar mais de um trilhão de dólares”. “É tempo de as empresas americanas e de os 1% mais ricos começarem a pagar a sua justa parte”, instou.
O aumento de impostos que Biden propõe, de 39,6% para os que ganham mais de 400 mil dólares por ano, é o que estava em vigor quando o republicano George W. Bush “se tornou Presidente”, indicou.
Já as corporações ainda pagarão menos do que pagavam antes de Trump, mas a gentileza com o chapéu alheio, do cidadão americano comum, será ao menos atenuada.
Biden até mesmo usou uma frase favorita do senador Sanders para se referir a essa atuação. “O IR vai reprimir milionários e bilionários que trapaceiam em seus impostos”.
“CURAR A ALMA DA NAÇÃO”
Poucos dias após a condenação do ex-policial Derek Chauvin, Biden voltou a chamar o país a “curar a alma da nação”, se referindo à revolta nacional contra o assassinato de George Floyd, e advertiu que “a mais letal ameaça terrorista que temos hoje no nosso país vem do terror supremacista”.
“Todos nós vimos o joelho da injustiça no pescoço da América Negra”, acrescentou, chamando a “reconstruir a confiança entre forças de segurança e o povo ao qual servem. Acabar com o racismo sistêmico na nossa justiça criminal”.
Biden pediu ao Congresso que aprove a aprove a Lei George Floyd de Justiça no Policiamento, antes da data do aniversário de sua morte, em maio.
Ele também abordou a epidemia de massacres ensandecidos que não cessa nos EUA. “Vou fazer tudo o que estiver a meu alcance para proteger o povo americano desta epidemia de violência com armas de fogo”, se comprometeu Biden.
Admitiu, ainda, a crise na fronteira com México, e prometeu que seu governo irá buscar, com os países da América Central de onde parte boa parte dos imigrantes ilegais, formas de conter a miséria, falta de perspectivas e a violência nessa região.
O evento foi menor do que os dos presidentes anteriores, em razão da pandemia e das restrições decorrentes. Devido aos fatos de janeiro, o Capitólio continua sob proteção ostensiva da Guarda Nacional.
Biden fez questão de saudar o fato alvissareiro de duas mulheres, pela primeira vez no Congresso dos EUA, ocuparem as funções de presidente da Casa (Nancy Pelosi) e de vice-presidente norte-americana (Kamala Harris).
SCOTT FAZ O SEU MELHOR
Os republicanos escalaram seu único senador afrodescendente, Tim Scott, para fazer o contraponto ao discurso do presidente.
Querendo fazer jus aos afagos dos trumpistas, Scott asseverou que as propostas de Biden iriam “reduzir os salários do trabalhador americano médio” e chamou os planos de investimentos, geração de emprego e apoio às famílias de “lista liberal de desejos de desperdício do grande governo”.
Mas Scott se superou mesmo foi ao acusar os democratas de, quanto ao racismo, quererem “a questão mais do que a solução”.
“A América não é um país racista”, pontificou, em um mês em que negros foram assassinados sem a menor cerimônia por policiais, pelos motivos mais reles.
“É um retrocesso lutar contra a discriminação com diferentes tipos de discriminação e é errado tentar usar nosso passado doloroso para encerrar desonestamente os debates no presente.”
Registre-se que Scott é tido como um republicano com quem dá para conversar. Com um Senado 50-50 e Kamala tendo que dar o voto de minerva, cada aprovação é uma maratona, porque é preciso driblar o estatuto da obstrução (filibuster, que exige 60 de 100 votos para colocar em votação) e muito tato para não deixar dois ou três senadores democratas muito atrasados costearem o alambrado.
Quanto às questões de política externa, bem, Biden pelo menos nesse discurso não babou na gravata, contendo-se em “adversários e autocratas”. Prestes a violar o acordo sobre a retirada do Afeganistão no dia 1º de Maio, Biden pelo menos se comprometeu a que já era hora de “trazer as tropas de volta”.