Na CPI, Mandetta deu detalhes da reunião onde apareceu um rascunho de decreto presidencial alterando a bula da cloroquina para dar ares de seriedade ao charlatanismo palaciano
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmou nesta terça-feira (4), em depoimento na Comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Covid, que Jair Bolsonaro tentou obrigar a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), órgão para o qual indicou um negacionista como ele, a alterar a bula da cloroquina. Bolsonaro queria incluir na bula que a droga era indicada também para o tratamento da Covid-19.
O ex-ministro informou que a intenção de Bolsonaro era que a bula da cloroquina fosse mudada por decreto. “Havia sobre a mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação da cloroquina para coronavírus”, contou Mandetta.
Ele disse que soube dessa intenção de alterar a bula da cloroquina numa reunião de Bolsonaro com ministros e médicos bolsonaristas, para a qual ele foi chamado. “Eu estive dentro do Palácio do Planalto quando fui informado, após uma reunião, que era para eu subir para o terceiro andar porque tinha lá uma reunião com vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina, que eu nunca tinha conhecido. Quer dizer, ele tinha esse assessoramento paralelo”, disse o ex-ministro.
Segundo o ex-titular da Saúde, foi o agora presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, que disse a Bolsonaro para não fazer a mudança daquela forma. Seria algo inédito. A Anvisa é o órgão responsável pelo registro de medicamentos e vacinas. Logo que as vacinas foram se tornando uma realidade, Bolsonaro também abriu uma intensa campanha contras o seu uso. Não fosse a pressão do governo de São Paulo, até hoje nem a CoronaVac estaria sendo usada no Brasil.
Mandetta confirmou também que não partiu do Ministério da Saúde, sob sua gestão, a ordem para que o laboratório do Exército produzisse toneladas e mais toneladas de comprimidos de cloroquina para abastecer os hospitais do país. O governo Bolsonaro gastou quase R$ 90 milhões com a compra desses medicamentos sem eficácia na mesma época em que atrasava o pagamento ao Instituto Butantan pelas vacinas que entregou ao governo federal para o Programa Nacional de Imunização (PNI).
Todos os estudos científicos sobre o uso da cloroquina na Covid-19 publicados nas mais importantes revistas cientificas do mundo mostraram que a medicação era ineficaz. Em alguns trabalhos foram detectados sinais de que, além de ineficaz, a cloroquina tinha um potencial importante de provocar efeitos adversos graves como arritmias cardíacas fatais. Mesmo com todas essas informações, Jair Bolsonaro seguiu pregando que a cloroquina devia se distribuída amplamente para a população naquilo que ele chamou de “tratamento precoce”.
Luiz Henrique Mandetta reafirmou que enfrentava o negacionismo de Bolsonaro baseando suas ações na ciência e no que preconizava a Organização Mundial da Saúde (OMS). “Do Ministério da Saúde nunca houve a recomendação de coisas que não fossem da cartilha da OMS, dessas estruturas todas”. “Era o que a gente tinha, não por sermos donos da verdade, não. Pelo contrário, nós éramos donos da dúvida, eu torcia muito para aquelas teorias de que ‘ah, o vírus não vai chegar no Brasil’. Agora, se eu adotasse aquela teoria e chegasse, teria sido uma carnificina”, frisou o ex-ministro.