A estréia do seriado “O Mecanismo”, de José Padilha, uma ficção baseada em fatos reais, como diz o diretor, está provocando um ataque de nervos em todos os investigados pela Operação Lava Jato. Com a mesma dinâmica de Tropa de Elite, a trama, veiculada pela Netflix, se desenvolve prendendo a atenção do espectador e, praticamente levando-o a assistir até o último, ou oitavo, episódio. As cenas de bastidores mostradas no filme, certamente não ocorreram exatamente como aparecem (por isso é uma ficção), mas lembram nitidamente os episódios ocorridos no Brasil.
Os panos quentes colocados, pelo acordão entre PT e PSDB, no relatório final da CPI do Banestado, em 2003, sobre as falcatruas financeiras dos governos FHC, são mostrados no filme como a causa principal do afastamento e da frustração do protagonista da série, Marco Ruffo (Selton Mello), agente da PF que é punido por sua insistência em capturar e desmontar os esquemas do doleiro Alberto Yousseff. Como resultado do acordão, o relator daquela CPI, José Mentor (PT), produz um relatório insosso e o caso é abafado. Hoje sabe-se que, se isso não tivesse ocorrido, certamente os esquemas de propina dos tucanos teriam sido desbaratados já naquela época.
Era o “deixa disso” do PT em relação aos crimes do PSDB. Eles achavam que, fazendo um “acordo” desse tipo, logo no início de seu governo (2003), teriam uma trégua por parte dos tucanos. Devem ter achado também que, não incomodando os outros, não seriam incomodados. Deram com os burros n’água.
A frustração que esse acordão provocou na população também atingiu os investigadores que estavam no encalço do doleiro Alberto Yousseff. As consequências desses acobertamentos foram enormes. É também durante este episódio da CPI que Yousseff faz um acordo de colaboração premiada e, ao não cumpri-lo, frustra os membros do Ministério Público de então. Mas, para azar do doleiro e dos assaltantes do patrimônio público que usavam os seus serviços, um abnegado grupo de investigadores e um juiz sistemático, sério e determinado de Curitiba, não desistiram e seguiram em frente.
O seriado revela as entranhas do cartel das empreiteiras, chamado de “clube” por seus integrantes. Muitas cenas mostrando os esquemas montados para viabilizar as propinas, os aditivos bilionários que eram previstos nos projetos e a fraude grosseira nas obras da Petrobrás, com os prejuízos que isso acarretou para a estatal, são bastante fidedignas. Tudo foi se confirmando depois através dos depoimentos dos executivos presos. As empreiteiras do cartel passaram a mandar e a desmandar na estatal de petróleo brasileira. Muito do que é descrito na série pode ser conferido também no livro “Os Crimes do Cartel do Bilhão contra o Brasil – O Esquema que Assaltou a Petrobrás” (Editora Alfa-Omega), do jornalista Carlos Lopes. A obra, uma iniciativa da Fundação Instituto Claudio Campos, foi baseada em depoimentos e documentos oficiais.
O esperneio dos envolvidos na Lava Jato com a série é perfeitamente compreensível. O filme é arrasador. Mostra o desespero de todos os corruptos com os avanços das investigações e o seu empenho para sair da órbita do juiz Sérgio Moro. Na trama fica evidente o objetivo dos envolvidos nos esquemas em tentar, ao serem descobertos, transformar o Supremo Tribunal Federal (STF) num órgão acobertador de seus crimes. Eles só não contaram com um fator que alterou bastante as coisas no Brasil. A opinião pública e a mobilização do povo.
Ela foi decisiva para fazer o Supremo Tribunal Federal desmembrar um inquérito que envolvia autoridades e um diretor da Petrobrás – Paulo Roberto Costa – descoberto com um automóvel que recebera de presente de Alberto Yousseff. Foi a partir desse episódio, solicitado por Sérgio Moro e autorizado pelo STF, que um a um, foram caindo todos os envolvidos no assalto à Petrobrás. A série mostra tudo isso.
Durante todo o período analisado pelo filme é a questão do foro privilegiado que está em discussão. O que fica na 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba tem andamento e as pessoas são condenadas, presas e o dinheiro, muitas vezes, devolvido, e o que vai para o STF fica parado. Os que conseguem manter seus inquéritos no STF escapam, como foi o caso de Aécio Neves, flagrado recebendo propina da JBS. Aliás, no filme, o tucano já é pintado como um bandido e um oportunista. A série mostra ainda como foram fundamentais as prisões temporárias e os acordos de colaboração premiada para o sucesso da Operação Lava Jato.
A série é recomendável também pelo momento em que o Brasil está vivendo. Ele é bastante didático e esclarecedor de tudo o que está se passando nas órbitas do Planalto, da Justiça e da Polícia Federal. Mas, ele é principalmente recomendável porque nós estamos assistindo o STF de novo às voltas com pressões para garantir impunidade aos corruptos. Vale a pena conferir.
SÉRGIO CRUZ